Natal Brasileiro: Alegria na Tristeza de Valente

Escrito en CULTURA el
A música de Assis Valente salva o meu Natal. Sempre sinto muito orgulho quando vejo que o Natal brasileiro. Por Paulo Gabriel Soledade Nacif A música de Assis Valente salva o meu Natal. Sempre sinto muito orgulho quando vejo que o Natal brasileiro apesar do Bom Velhinho, com todo o seu excesso de roupas e todo o seu consumismo, com suas frases feitas, sua neve e seus pinheiros, muitas vezes floridos de hipocrisias, foi antropofisado – digerido pela genialidade de Assis Valente, baiano lá das cabeceiras do Recôncavo, Teodoro Sampaio (à época um distrito de Santo Amaro denominado Bom Jardim). Na minha infância/adolescência, morando em Teodoro Sampaio, fui por muitos anos vizinho de familiares de Assis Valente e, nessa época, tive a oportunidade de conviver com a aura de mistério que envolvia a sua história naquela pequena comunidade. É isso: “acontece que eu sou baiano”. Assis Valente digeriu o colonizador, com coentro! Mais um caboclo Capiroba a churrasquear uma carninha na brasa… É de Assis Valente a música “Boas Festas”: tipicamente brasileira, cheia de ironias e desafios, escondidos numa falsa ingenuidade. Veja que gênio! Ele começa, candidamente: Anoiteceu / e o sino gemeu / e a gente ficou / feliz a rezar”. Rapidamente, ele aproveita o momento de submissão e candura e faz o seu pedido: “Papai Noel, vê se você tem / A felicidade pra você me dar”. Como nunca recebe o presente, Assis Valente entra com toda a ironia que o nosso povo aprendeu após tantas esperanças perdidas: “Eu pensei que todo mundo / Fosse filho de Papai Noel / E assim felicidade / Eu pensei que fosse uma / Brincadeira de papel / Já faz tempo que eu pedi / Mas o meu Papai Noel não vem / Com certeza já morreu / Ou então felicidade / É brinquedo que não tem." Tudo isso numa machinha linda, cheia de ritmo e lirismo que penetra e embala o Natal de norte a sul e de leste a oeste ou, como diz Jonh Lennon: Todo o natal – dos fracos e fortes, dos ricos e pobres, do branco e do negro, do amarelo e vermelho. A marchinha, gênero importado e por aqui já canibalizado por outros caboclos Capirobas, foi perfeita para revelar essa atmosfera sincrética brasileira que expressa a cultura de um povo em formação capaz de engendra infinitas formas de resistências, negociações, reelaborações e redimensionamentos culturais, inclusive nas relações com o sagrado. Assis Valente, depois de viver em Alagoinhas, Senhor do Bonfim e Salvador, mudou-se com 17 anos para o Rio de Janeiro. Lá foi protético, teve seus desenhos publicados em Revistas, escreveu peças de teatro, mas foi como compositor que alcançou grande sucesso nas vozes de ícones como Carmem Miranda, Orlando Silva e Herivelton Martins. A sua música “Brasil Pandeiro”  é, para muitos, comparável, a “Aquarela do brasil”: “Brasil, esquentai vossos pandeiros / Iluminai os terreiros / Que nós queremos sambar…” Ele também compôs “Meu Moreno Fez Bobagem”  e “Camisa Listrada”. Ainda hoje há idiotas que estranham Chico Buarque ter uma capacidade tão grande de construir letras de músicas que assumem perspectivas profundamente femininas, então, imagine como era a reação na década de 1940 quando um compositor escrevia: “Meu moreno fez bobagem / Maltratou meu pobre coração / Aproveitou a minha ausência / E botou mulher sambando no meu barracão / Quando eu penso que outra mulher / Requebrou pra meu moreno ver / Nem dá jeito de cantar /Dá vontade de chorar / E de morrer”. Enfrentando preconceitos de cor, tendo que explicar a sua orientação sexual, sempre com dificuldades de recolher os seus direitos autorais que hoje o tranformaria num milionário, não é por acaso que Assis Valente é autor de expressões ainda populares no Brasil, como por exemplo nos versos: “Deixa estar jacaré / Que o verão vai chegar / Quero ver se a lagoa secar” . Esse gênio da raça morreu no dia 06 de março de 1958, com 46 anos de idade. Num bilhete, deixou o último “verso”: “Vou parar de escrever, pois estou chorando de saudade de todos, e de tudo.” É Papai Noel: “A carne mais barata do mercado é a carne negra.”