Nem exilado e nem preso

Rapper Dexter visita unidade da Fundação Casa, antiga Febem

Visita de Dexter à unidade Encosta Norte, da Fundação Casa (Foto: Eliel Nascimento)
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Por Igor Carvalho

Era para ser mais uma tarde de visitas na unidade Encosta Norte, da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Casa), antiga Febem, não fosse o visitante que passaria por ali na tarde de 19 de abril. Quando surgiu no portão de entrada da quadra poliesportiva, todos os 53 silenciosos internos voltaram o olhar para ele. A mudez foi interrompida por uma criança de 14 anos, que mal podia ser percebida dentro de seu uniforme. “É ele?”, perguntou incrédulo. Era ele, Dexter. Em 20 de abril de 2011, o músico conquistou o direito que aguardava havia 13 anos, a liberdade. Dois anos depois, aparecia apreensivo na sala da diretoria da Encosta Norte. “São meninos ainda, mano. Precisamos ajudar de alguma forma, o Estado não dá nem esperança para eles.”

[caption id="attachment_27772" align="alignright" width="430"] Visita de Dexter à unidade Encosta Norte, da Fundação Casa (Foto: Eliel Nascimento)[/caption]

Exilado sim, preso não Em novembro de 2012, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, chamou as penitenciárias brasileiras de “masmorras medievais”, e foi além. “Nossos estabelecimentos penais se transformaram em escolas de criminalidade.” Ele chegou a afirmar que “preferia morrer” a entrar para o sistema penitenciário brasileiro. Dexter, um sobrevivente da “masmorra medieval”, é Marcos Omena e está com 39 anos. O rapper é um dos símbolos da música nacional. Ganhou as periferias e rádios brasileiras quando estava encarcerado, na extinta Casa de Detenção do Carandiru. “Jorge cantou que Charles vai voltar E como Charles, eu também, pode acreditar Como este dia não paro de sonhar Serei um vencedor, pode apostar” (“Saudades mil”) Teve uma infância e uma adolescência parecida com a de muitos daqueles garotos da Encosta Norte de outras unidades de internação juvenil. Cresceu em favela, sem oportunidades e sem pai. Mas, em seu caminho, apareceu o hip-hop. “O rap me salvou, vou morrer dizendo isso”, afirma Dexter. A salvação veio numa noite, em um baile black, em São Bernardo do Campo.  “Quatro pretos, de preto, falando sobre tudo que a gente vivia, na periferia, em forma de rap”, assim Dexter descreve a primeira vez em que viu os Racionais MC’s ao vivo. “No pátio, os manos no peão circulando E na gaiola um fuça sentado cochilando Através das grades olhei pro céu azul Um pássaro voava do norte pro sul Me emocionei, pensei como é linda a liberdade Lembrei das pessoas no centro da cidade Indo, vindo, pra lá e pra cá Andando, correndo ansiosas pra chegar” (“Como vai seu mundo?”) No canto da quadra, o interno de 14 anos observa Dexter cumprimentar cada um dos seus 52 companheiros. A criança tinha apenas 1 ano quando o rapper foi preso. Do músico, conhece apenas o vulto. Os internos não desgrudam o olhar do visitante, o seguem por toda parte. Quando ele pega o microfone, o único som que se pode ouvir na Fundação Casa é a voz do ex-exilado. “Teve um dia, na minha cela, em que eu estava muito mal e, olhando para o céu, vi um pássaro voando. Naquele dia, descobri que há 11 anos não pisava na terra descalço. Era algo tão simples, uma besteira que podemos fazer lá fora. É de graça, mano”, disse, emocionado. Com seu projeto “Como vai seu mundo?”, o músico tem visitado unidades prisionais pelo Brasil. “Sei o valor de uma visita, de uma palavra de alguém que acredita na sua mudança”, conta. Durante sua estada na Encosta Norte, Dexter foi questionado diversas vezes pelos garotos sobre a vida dentro da prisão. E aconselhou os internos. “Nunca sejam presos, sejam exilados. Não façam nada que os prenda em suas consciências.” Um dos “exilados” da Encosta Norte, de 18 anos, definiu a visita do músico à unidade, na tarde em que completava dois anos do fim de seu exílio. “É um alívio ver um cara que ficou 13 anos preso e está bem. A gente fica dois meses aqui e acha que o mundo acabou, aí o cara vem e diz que acredita na gente, isso é legal. Quem sabe eu não consigo também.” Quando se despediu, após nove músicas, Dexter já havia arrancado dos internos o que eles haviam perdido, o sorriso. Aos pulos e gritos, todos cantavam com ele.   F

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