Nova portaria que dificulta aborto legal é manobra para evitar STF, denuncia advogada

Ação contra norma anterior será julgada nesta sexta e, com texto novo, governo tenta barrar análise pelo Supremo; partidos vão buscar manter processo e argumentação

O ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello (Foto: Divulgação)
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A publicação de nova portaria sobre aborto legal nesta quinta-feira (24) é uma manobra do governo federal para tentar barrar ação que deve ser julgada no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira (25). É a avaliação da advogada Luciana Boiteux, uma das autoras de ação contra norma publicada em agosto que foi substituída pela nova regra.

A portaria 2.561/2020 substitui outra editada em agosto pelo Ministério da Saúde, a 2.282/2020, contra a qual cinco partidos impetraram ação no STF: PT, PSOL, PCdoB, PDT e PSB.

A nova portaria, assinada pelo ministro Eduardo Pazuello, exclui um dos pontos da anterior: o que previa que a vítima de estupro que buscava o aborto legal pudesse ver o feto em um ultrassom. Mas mantém a obrigatoriedade de o médico denunciar o crime de estupro às autoridades, mesmo se a vítima não quiser, indo contra a relação de confidencialidade que deve se estabelecer entre paciente e médico.

A advogada Luciana Boiteux é uma das autoras da ADPF 737, que tenta derrubar a portaria de agosto. Ela ressalta que, na petição, questiona-se essa regra que obriga a vítima a relatar o crime e o médico a denunciar o crime. “Isso é inconstitucional e viola o Código de Ética Médica”, destaca.

Mesmo com a edição da nova portaria, que Luciana chamou de “chicana contra o STF”, os advogados tentarão manter o julgamento. Eles devem apontar que, apesar da nova norma, esse ponto crucial contra o qual argumentaram foi mantido.

“Colocamos na petição o pedido para que volte a valer a portaria anterior, de 2015, que ao menos dava acesso ao serviço sem essas barreiras que a nova impôs”, afirmou.  A ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 737 é uma das duas que tentam barrar as novas regras e está sob relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. Ela foi impetrada no dia 4 de setembro.

Alegação inválida

A alegação do governo, segundo a advogada, é que como o estupro é crime de ação penal pública – ou seja, independe da vontade da vítima para ser apurado -, isso significaria uma exceção ao princípio profissional de confidencialidade médica. Argumento inválido, na avaliação dela. “Uma coisa é não depender de processo, mas isso não significa que o sigilo profissional possa ser quebrado”, afirmou. “Médico não tem função de policial e investigador, ainda mais em um serviço de saúde tão sensível como esse, que atende vítimas de estupro.”

Para Luciana, se essa portaria for mantida, o resultado será que muitas mulheres poderão desistir de procurar o aborto legal. Isso, em sua visão, implicará dois caminhos: ou a vítima do estupro levará adiante uma gestação que não deseja ou procurará um serviço clandestino, expondo-se a risco até de perder a vida. “Vai ampliar as mortes maternas de mulheres vítimas de estupro”, argumenta.

Menina de 10 anos

A portaria de agosto veio a reboque da repercussão do caso envolvendo uma menina de 10 anos que foi estuprada pelo tio, engravidou e, com autorização judicial, interrompeu a gestação. Ela corria risco de morte por ter desenvolvido diabetes gestacional.

Militantes antiaborto foram se manifestar na porta do hospital onde seria realizado o procedimento, no Recife. Isso obrigou a vítima a entrar no local no porta-malas de um carro.