NY vai cobrar o cafezinho sabotado em SP

Novo prefeito de NY, Bill Blasio, prometeu taxar os endinheirados à razão de um cafezinho com leite no Starbucks por dia (US$ 3) para melhorar a vida dos pobres

(Foto: Carta Maior)
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Novo prefeito de NY, Bill Blasio, prometeu taxar os endinheirados à razão de um cafezinho com leite no Starbucks por dia (US$ 3) para melhorar a vida dos pobres Por Saul Leblon, na Carta Maior [caption id="attachment_38858" align="alignleft" width="300"] (Foto: Carta Maior)[/caption] Endinheirados nativos adoram elogiar os ares cosmopolitas de NY - embora  se sintam espiritualmente melhor em Miami. A mídia irradia preferências semelhantes. O democrata Bill de Blasio, recém empossado prefeito de NY, ganha espaços e confetes  por aqui  pela ecumênica trajetória pessoal. Blasio, um progressista à esquerda de Obama, e cuja eleição teve o apoio do Partido da Família Trabalhadora, que se autodefine como uma espécie de PT dos EUA, é casado com uma poetiza negra. Chirlane não escondeu na campanha a adesão ao lesbianismo nos anos 70. A cerimonia de casamento entre ela e Blasio foi oficiada por pastores gays. Filhos afrodescendentes, Dante e Chiara, fizeram do candidato, que apoiou a causa sandinista na juventude e escolheu a América Latina como objeto de estudo acadêmico,  um símbolo de afirmação dos valores multirraciais. A cabeleira black power exuberante de Dante tornou-se uma espécie de certificado de garantia dos compromissos progressistas do pai. O conjunto galvanizou a Nova Iorque. Formada por 26% de latinos e 25% de negros, a metrópole de 8,7 milhões de habitantes está cindida em duas cidades pela linha da desigualdade. Blasio prometeu acabar com o conto dickensiano de um povo repartido em dois pelo dinheiro e o urbanismo excludente. Artistas de seriados famosos trabalharam com afinco para arrastar votos de um pedaço da classe média branca e  dar a esse projeto  o apoio esmagador de 73% do eleitorado. Não é pouca coisa. Desde 1993  a população de NY não entregava a prefeitura a um democrata. Temas como o mergulho de Blasio no alcoolismo --após o suicídio do pai, ademais de vídeos da filha discutindo abertamente a questão das drogas, reforçaram o apelo contemporâneo da candidatura. Mas não só. Tido como bom administrador, seu antecessor, o bilionário Bloomberg, provou que é possível ser eficiente na gestão sem alterar o apartheid de uma metrópole. Há cinco anos ele se alarga em NY e em toda a sociedade norte-americana mergulhada na pior crise do capitalismo desde 1929. A relação da Forbes de 2013, que atualiza o ranking dos 400 norte-americanos mais ricos do país, ilustra a expansão do fosso. A riqueza total dos ‘400’ aumentou quase 20% sobre 2012. Passou de US$ 1,7 trilhão para US$ 2,02 trilhões de dólares em dezembro último. Equivale ao valor do  PIB da Rússia. Estamos falando de apenas  400 cidadãos e uma fortuna equiparável à oitava economia do globo, ou 15% do PIB dos EUA. Mas a coisa é pior que isso. Em 2012, pela primeira vez desde 1917, os 10% mais ricos passaram a abocanhar mais da metade de toda a renda norte-americana (50,4% , segundo pesquisa feita pela Universidade de Berkeley). Só há dois precedentes históricos no gênero: antes da Depressão de 1929; e antes da falência do Lehman Brothers, em 2007, gatilho da presente crise mundial. A política de injeção de liquidez de Obama –lapidada pelos interditos do Tea Party— paradoxalmente ajudou a consumar esse feito. A renda média nos EUA cresceu 6% no triênio finalizado em 2012. Dentro dessa média, os ganhos do 1% mais rico aumentaram mais de 31% no período (recuperando assim quase completamente as perdas decorrentes da crise, da ordem de 35%). Os demais 99% tiveram um ganho de apenas 0,4% em três anos. Estão hoje 12% abaixo da soleira em que se encontravam antes do colapso neoliberal. O Ocuppy Wall Street tinha razão. Não surpreende que muitos de seus integrantes tenham se engajado na vitória a Blasi, que emerge assim como uma segunda aposta, mais à esquerda, depois do fiasco de Obama. O cabelo black power de Dante deu confiabilidade a quem batia forte na tirania do 1% sobre os 99%. Mas Blasio não foi eleito apenas pela fiança familiar. Para investir em escolas e serviços destinados aos subúrbios –que empobreceram adicionalmente desde 2007, ele a prometeu elevar o imposto sobre os ricos que lucraram com a crise. Quem ganha entre US$ 500 mil e US$ 1 milhão pagará um adicional em taxas municipais de US$ 973 por ano em sua gestão. Significa menos que US$ 3 por dia – ‘um cafezinho com leite no Starbucks’, alfinetou o novo prefeito. Não há como não enxergar nessa aritmética um espelho do que se passa na São Paulo dirigida pelo prefeito  Fernando Haddad. Financiar a tarifa congelada dos ônibus na capital, modernizar  o transporte coletivo com 150 kms de corredores exclusivos (as faixas já passam de 290 kms) e investir em educação e saúde exigiriam um aumento do IPTU com atualização de valores venais defasados pela supervalorizados nos últimos anos. Aqui como lá os ricos arcariam com a maior fatia do adicional arrecadado. 1/3 dos moradores mais pobres  não pagariam nada, conforme a proposta original de Haddad. Os demais, em média, contribuiriam com  um adicional de R$ 15,00 ao mês. Cinquenta centavos ao dia. Para somar o preço de um café com leite no Starbuscks em São Paulo ( R$ 3,90 no Shopping Eldorado, na capital), seriam necessários quase o equivalente a  oito dias de  IPTU. O prefeito Haddad foi ao STF solicitar apoio a uma contribuição 12 vezes inferior a de NY, vetada aqui pelo matrimônio de interesses que uniu a  Fiesp, a mídia, endinheirados, senhorios e o PSDB. Ao contrário da cumplicidade selada entre afrodescedentes e Blasio, Haddad encontrou na Suprema Corte alguém que age e pensa aqui como aqueles que, em passado sombrio, destinaram a seus semelhantes a senzala e a chibata. E depois delas, as periferias  conflagradas das grandes metrópoles. Cerca de R$ 100 milhões arrecadados com o novo IPTU iriam financiar a construção de creches nos bairros mais pobres de SP, onde 150 mil crianças aguardam na fila. Continuarão a aguardar enquanto os endinheirados, seus ventríloquos e serviçais tomam seu cafezinho no Starbucks.