"O Brasil tinha todas as condições de ter a sua própria vacina", diz Miguel Nicolelis

Pesquisador também afirmou que governo Federal repete erros da primeira onda e que se sente "um cientista na Idade Média perseguido pela Inquisição"

O cientista Miguel Nicolelis (Reprodução)
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Em entrevista à BBC, o médico e pesquisador Miguel Nicolelis afirmou que se o governo Bolsonaro não tivesse desistido de disputar relevância na geopolítica mundial na economia e na ciência, que o Brasil já poderia ter uma vacina própria.

"O Brasil teria todas as condições de ter sua própria vacina. Nós temos cientistas da área, a Fiocruz e o Butantan com toda a capacidade para isso. Se tivessem sido apoiados pelo governo com recursos necessários, o Brasil poderia estar agora a caminho de ter sua própria vacina."

Todavia, para Nicolélis, o "Brasil optou, na figura de seu governo federal, de se remover da liderança dos países científicos do mundo. Nós já nos removemos da liderança econômica. Já fomos autoalijados, por decisões do nosso próprio governo, de ser um player importante na geopolítica mundial. Agora nós estamos dizendo que não temos interesse em ser um dos grandes países científicos do mundo", criticou.

Sobre realizar novo lockdown, ele diz entender os anseios do setor econômico, mas alerta, sem controlar o vírus, não vai ter gente para trabalhar e consumir.

"O Brasil precisa fazer algo muito parecido ao que aconteceu na Grã-Bretanha nos últimos dias, é preciso conter a escalada (de contaminação) para o sistema de saúde não colapsar", analisa.

"E nós precisaríamos, na minha opinião, de um lockdown por duas ou três semanas para reduzir a pressão no sistema de saúde", disse Nicolelis à BBC.

Nicolelis atenta para o fato da maior transmissibilidade das novas cepas do coronavírus - Reino Unido e África do Sul -, e cita como exemplo o caso de Manaus, onde o sistema de saúde e funerário colapsaram.

"A cidade colapsou muito mais rapidamente do que na primeira onda. E colapsou a um ponto que o prefeito veio dizer que o sistema de saúde não foi o único afetado. Ele teme um colapso do sistema funerário neste momento."

Sobre as novas cepas do coronavírus, Nicolelis afirma que a mutação do vírus encontrada na África do Sul é "muito preocupante" e que, neste momento, as novas cepas já correram o "mundo, como era de se esperar".

"Nós estamos repetindo todos os erros da primeira onda. Com o agravante de que o país inteiro está tendo curvas de crescimento, algumas mais rápidas do que lá do início. Então essa é uma situação muito assustadora", lamenta o pesquisador.

Quando questionado sobre o lockdown e a questão econômica, o médico afirmou que é sensível ao apelo do setor econômico.

"Mas essa dicotomia é falsa. Se o número de mortes começar a disparar, o sistema de saúde colapsa e nós não temos condições de manejar a pandemia de maneira correta. O que vai então acontecer com a economia? Ela também vai colapsar. As pessoas vão começar a morrer em números altíssimos por outras doenças e não vamos ter gente para fazer a economia girar. Não vamos ter pessoas para trabalhar, produzir e consumir bens".

Miguel Nicolelis também comentou sobre comunicação e fez um relato sobre a reação de um tuíte seu onde propõe novo lockdown.

https://twitter.com/MiguelNicolelis/status/1346243423263739905

"Eu tive uma experiência nas últimas 48 horas absolutamente dantesca. De ver que no Brasil você não pode nem tentar disseminar uma opinião científica balizada, baseada em dados e estudos. Isso está matando gente no Brasil. aliás, no mundo."

Todavia, o médico diz que não existe outro caminho e que é necessário disputar os espaços de comunicação nas redes.

"Isso de forma alguma vai impedir que nosso trabalho seja feito, nem no comitê nem como pessoa. Mas que é terrível e chocante, é. Guardada as devidas proporções, sinto como se eu fosse um cientista na Idade Média, sendo perseguido pela Inquisição. Não tinha redes sociais naquele período, mas a sensação de choque deve ser a mesma", disse Nicolelis.

A longa entrevista de Miguel Nicolelis concedida à BBC pode ser conferida aqui.