"O maior mérito de um ataque terrorista é a sensação de que poderia ter sido com você"

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O relato de uma jornalista brasileira que vive em Paris: "O maior objetivo dos ataques terroristas é disseminar o pânico, e atentados como o de ontem cumprem essa função muito melhor do que o do Charlie Hebdo, por exemplo. O sentimento coletivo de que foi por um triz é muito eficaz. Não precisa fazer nada, provocar nem satirizar, basta existir e estar no lugar errado na hora errada"

Por Amanda Lourenço*

Havia sido a defesa de tese do meu companheiro e, em situações normais, comemoraríamos o grande feito em algum bar de Paris até quando o metrô nos deixasse voltar para casa. Por uma série de fatores, que incluíam um trem às 7h da manhã (de onde escrevo neste momento), acabamos indo rapidamente para um bar em Châtelet, centro da capital, e voltamos para casa mais cedo. Mal coloquei os pés no apartamento e já recebi mensagens de amigos perguntando se estava tudo bem com a gente.

Os planos de dormir cedo foram por água abaixo e aquele foi o início de uma longa noite. Com muita tristeza, fui acompanhando pela televisão e pela internet as informações dos ataques, vários ao mesmo tempo, nas áreas mais populares e animadas da cidade. Assisti impotente ao crescimento do número de mortos e vi pela janela a rua se esvaziar completamente de uma hora para outra. Só as sirenes circulavam, apesar de eu morar no sul de Paris, um bairro relativamente afastado dos atentados.

Não demorou muito para começarem minhas especulações pessoais. “E se a gente tivesse ido para la?”, “E se eu não estivesse com dor de garganta?”, “E se não fossemos viajar no dia seguinte?”. Porque sim, era tudo muito possível. Essa é uma armadilha muito fácil de cair e na verdade é justamente o maior mérito de um ataque terrorista, mais até que o numero de vitimas – a sensação de que poderia ter sido com você. Poderia ter sido com seu amigo.

O maior objetivo dos ataques terroristas é disseminar o pânico, e atentados como o de ontem cumprem essa função muito melhor do que o do Charlie Hebdo, por exemplo. O sentimento coletivo de que foi por um triz é muito eficaz. Não precisa fazer nada, provocar nem satirizar, basta existir e estar no lugar errado na hora errada.

A região parisiense, além de ser a casa de 11 milhões de pessoas, é o destino turístico número um do mundo. Não apenas cada morador da cidade poderia ter sido vítima dos ataques, como o mundo todo também. Quantas pessoas não frequentaram esses lugares um dia antes? Dois dias antes? Uma semana antes, como eu? Um mês antes? Li no Twitter alguém dizer em inglês que ficou hospedado ali naquela rua há um ano. Quantos milhões de pessoas se hospedaram perto dos locais dos ataques nos últimos meses? Todos escaparam por pouco e respiram aliviados, a sensação é essa.

É preciso resistir a esse impulso de “umbiguizar” o terrorismo. Sim, poderia ter sido você, ou seu amigo, ou sua tia. Mas não foi. Assim como poderia ter sido você em um acidente de carro, mas também não foi. Vamos chorar nossos mortos e estudar como tragédias como essas podem ser evitadas, mas o primeiro passo é justamente não ceder ao pânico. Os parisienses conhecem bem essa lição, por isso meu trem esta cheio. Apesar deste ser o único assunto entre todos os passageiros, a vida continua e daqui a pouco chegamos em Rennes.

(*) Amanda Lourenço é jornalista e vive em Paris

(Imagem: Reprodução/BBC)