O perigo da “crença” do príncipe encantado “muçulmano”

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Vários relatos dão conta de mulheres acreditando na construção de um “conto de fadas” a respeito de um homem religioso, dedicado à família, aos filhos, típico personagem de algumas novelas. Mas o príncipe encantado não está nas redes Por Francirosy Campos Barbosa Como pesquisadora de comunidades muçulmanas há 18 anos, um tema vem sendo recorrente entre nós: os casamentos interculturais, os relacionamentos desastrosos entre brasileiras e muçulmanos estrangeiros e/ou brasileiros. Tenho sido incansável em tentar alertar o máximo de mulheres desavisadas dos hábitos islâmicos de casamento. A primeira informação é ensiná-las que não existe namoro, contato físico, solicitação de “nudes” via redes sociais, pedido de dinheiro para pagar despesas de homens estrangeiros. Nada disso é islâmico. Desde 2013, minha orientanda Flávia Pasqualin vem coletando dados para seu doutorado intitulado: “O (des)encanto do casamento intercultural: brasileiras casadas com muçulmanos turcos”. O que inicialmente começou com muçulmanos turcos e os modos de aproximação, hoje inclui também os árabes, porque os casos ultrapassaram os limites do esperado. Após a Primavera Árabe muitos jovens começaram a buscar sair do seu país, e a busca por um passaporte estrangeiro foi uma das alternativas. Cresceram significativamente as denúncias de mulheres brasileiras ao Ministério das Relações Exteriores vítimas de roubos, fraudes e violência cometidos por cônjuges estrangeiros que conheceram pela internet e com os quais tiveram pouco ou nenhum convívio presencial antes do casamento. Nos relatos dessas mulheres é possível sempre verificar a construção de um “conto de fadas”, pois esperavam encontrar um homem religioso, que fosse dedicado à família, aos filhos (O Said da novela “O Clone”). Em uma dessas idas à mesquita tive o contato com uma das histórias mais tristes que ouvi a respeito deste tema, e por isso, resolvi escrever um post no Facebook intitulado: O PRÍNCIPE ENCANTADO NÃO ESTÁ NA REDE/DICAS PARA MULHERES ESCAPAREM DE ARMADILHAS NA REDE (em 1º de agosto de 2015). Este post teve 94 compartilhamentos e me rendeu inúmeras histórias tristes de mulheres que deram dinheiro a homens, quantias como 9 mil reais, 15 mil reais, outras que viajaram aos países de origem do sujeito e foram surpreendidas com uma realidade muito adversa, e por fim relatos de mulheres sobre o comportamento de homens muçulmanos brasileiros que usam seu “status” (profissional, religioso etc) para assediá-las, seduzi-las, mantendo uma rede de muçulmanas e não-muçulmanas à sua volta. Os relatos feitos no meu inbox começam sempre assim: “Bom dia, professora, sou fulana, li seu post, posso contar uma coisa para senhora...deveria ter lido seu post antes, eu não conhecia nada do Islam...”; “Eu não contei nada para minha família, entende, eu dei 9 mil reais para ele vir para o Brasil, paguei na Embaixada os documentos...”; “Tá errado eu sou muçulmana, mas ele foi tão gentil que achei que fosse casar comigo. Sabe como é, me pagou passagem, me recebeu em sua casa, achei que me amava, depois nunca mais me ligou”; “Quando cheguei no país dele não era nada daquilo que ele me mostrava, fiquei assustada, ele morava num lugar que parecia uma ‘favela’, tive medo por mim e por minha filha, mas eu já tinha gasto muito dinheiro”. “Estou tomando antidepressivo...ele era tão gentil professora, eu não entendo isso”; “... a gente acha que por ser muçulmano como eu vai fazer tudo direitinho, ele me tratava bem sim, mas a senhora tem razão: curtia todas as minhas fotos, e eu achei que queria casar comigo”; “Oi sou fulana, a senhora conhece o fulano, estamos juntos há 3 anos, fizemos uma viagem linda... por causa dele estou estudando o Islam”. Não nos cabe julgar o sentimento dessas mulheres, mas nos cabe orientá-las e reforçar que namoro no Islam não existe, e o contato deve ser feito por meio de um familiar ou amigo do homem interessado, ou da mulher interessada (mulheres também podem pedir homens em casamento no Islam, a primeira mulher do Profeta Muhammad, Khadija o pediu em casamento). Há regras no casamento. O dote é uma dessas regras, não há contato físico antes do casamento, isto inclui beijo, abraço e visitas à casa de homens sem a presença de sua família. Um dos ditos do Profeta Muhammad: “O melhor de vocês é aquele que trata melhor suas mulheres...”. Há também um comentário de Aisha sobre o comportamento do Profeta como marido: “Ele sempre ajudava no trabalho doméstico e às vezes remendava suas roupas, consertava seus sapatos e varria o chão. Ele tirava leite, amarrava e alimentava seus animais e fazia as tarefas domésticas” (Al-Bukhari). Por fim, penso que esses casos nos dão a dimensão de um problema gigantesco que temos diante de nossos olhos, e digo, antes de qualquer coisa, que vou recusar qualquer “culpabilidade” ao sexo feminino, simplesmente porque continuamos ensinando às mulheres (meninas) o casamento como um fim em sim mesmo, como sendo a determinação da sua felicidade, continuamos construindo um mundo cor de rosa no qual as mulheres serão salvas por príncipes. Mulheres não são feitas para casar ou não casar, e sim para serem felizes, e a felicidade passa pelo seu código de ética religioso ou não religioso. Vejo a comunidade islâmica muito preocupada em ensinar o comportamento feminino, o uso do véu etc, e pouco comprometida em ensinar aos homens a se comportarem diante de mulheres. É comum as pessoas me interrogarem se não existem regras de vestimenta, de comportamento para homens muçulmanos etc. Existem! E pelo jeito são desconhecidas pelos próprios. É claro que as Instituições e as lideranças religiosas não são “culpadas” pelos inúmeros casos desastrosos que vemos acontecer, mas são responsáveis. A responsabilidade está em tomar este problema atual como desafio e elaborar campanhas informativas que possam orientar mulheres não muçulmanas e muçulmanas a não serem enganadas por discursos que não são da religião. Neste momento estamos construindo um Manual de Orientação tendo em vista os casos que nos chegaram e a dificuldade desta comunicação. Esperamos que a partir dele seja feito um material de divulgação que oriente HOMENS e mulheres a serem mais felizes e mais coerentes com aquilo que a religião prega.