O pesadelo da desigualdade

Presidente do Banco Africano de Desenvolvimento argumenta que a preocupação com a mitigação da desigualdade de renda deve ser também dos ricos

Donald Kaberuka, presidente do Banco Africano de Desenvolvimento Foto: Benedikt von Loebell/WEF
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Presidente do Banco Africano de Desenvolvimento argumenta que a preocupação com a mitigação da desigualdade de renda deve ser também dos ricos Por Donald Kaberuka, em Project Syndicate | Tradução: Vinicius Gomes “Os pobres não conseguem dormir porque eles estão com fome”, disse o economista nigeriano, Sam Aluko, em 1999, “e os ricos não conseguem dormir porque os pobres estão acordados e com fome”. Nós todos somos afetados pelas profundas disparidades de renda e riqueza, pois os sistemas econômicos e políticos nas quais nossa prosperidade depende não podem continuar enriquecendo uns, enquanto empobrece outros. Em tempos difíceis, os pobres perdem a fé em seus líderes e no sistema econômico; e quando os tempos são bons, apenas poucos aproveitam de seus benefícios. O Coeficiente de Gini, uma medida da desigualdade econômica, tem aumentado por muitos anos nos países em desenvolvimento, assim como nos desenvolvidos, incluindo os EUA. Na Europa, as desigualdades se intensificaram devido a um rápido crescimento no desemprego, especialmente entre os mais jovens. Alguns reagiram com manifestações; outros passaram a apoiar partidos políticos xenófobos de ultradireita; e houve aqueles que silenciosamente aumentaram seu ressentimento contra os políticos e o sistema que eles representam. [caption id="attachment_39213" align="alignleft" width="290"] Donald Kaberuka, presidente do Banco Africano de Desenvolvimento
Foto: Benedikt von Loebell/WEF[/caption] O problema é ainda maior nas megacidades mundiais, que representam cerca de 80% do PIB mundial. Mas até mesmo nas mais desenvolvidas das cidades, as disparidades podem ser notadas. Por exemplo, enquanto você viaja pelo metrô de Londres, menos de 10 km (ou 14 estações) do coração do governo em Westminster para o bairro de Canning Town, no leste da cidade, a expectativa de vida dos habitantes diminui em 6 meses a cada estação. Mas a desigualdade é mais acentuada em economias emergentes onde a urbanização foi muito mais rápida. Por volta de 2030, estima-se que 2,7 bilhões de pessoas terão migrado para as cidades, quase que inteiramente nos países em desenvolvimento. Muitas irão encontrar desamparo e exclusão, ao invés dos bons empregos e vida melhor, para o qual elas sonhavam. Megacidades como Mumbai, Nairóbi e Kinshasa são essencialmente pequenas cidades rodeadas por gigantescas favelas – bolsões de riqueza em um mar de desespero. Em nada se parecem com Tóquio, Nova York ou Londres, as quais, apesar de áreas de privação, nota-se uma melhor equidade na distribuição. Tais disparidades são também aparentes em nível nacional, especialmente em alguns países africanos ricos em recursos naturais. Enquanto a demanda por jatos particulares está crescendo, 60% da população vive com menos de 1,25 dólar por dia (abaixo da linha da extrema miséria). Ao mesmo tempo em que o mundo, em geral, fica mais rico, os benefícios continuam espantosamente seguindo para uma minúscula elite. Como resultado, esforços para a promoção de um crescimento mais inclusivo se torna crucial, não apenas por razões morais, mas também para garantir a sobrevivência do sistema econômico. Isso envolve uma melhor distribuição de renda. Isso significa trazer as pessoas – ou representantes de grupos étnicos, religiosos ou regionais específicos – junto às tomadas de decisões das políticas públicas, como uma maneira de aliviar seu senso de marginalização ou falha perpétua. Isso significa criar empregos de verdade para afastar trabalhados da economia informal, para que assim eles possam se beneficiar das proteções trabalhistas (e pagar os impostos necessários). E isso significa redigir políticas que são apropriadas para as reais condições dos lugares. Todo país terá suas próprias prioridades e a extensão das medidas políticas possíveis é bem ampla. Talvez possa incluir uma rede de segurança social, promoção da igualdade de gêneros, apoio a camponeses, melhora no acesso à serviços financeiros, ou incontáveis de outras iniciativas. Mas duas delas se destacam em quase todos os casos, de acordo com o recente debate do Fórum Econômico Mundial, em como melhor “espalhar” a riqueza. A primeira procura garantir que crianças pobres tenham acesso a uma educação razoavelmente boa como meio de reduzir a pobreza entre gerações. A segunda, que é particularmente relevante à países ricos em recursos naturais, almeja garantir a todos seus cidadãos – especialmente os mais pobres – uma parcela dos rendimentos originados do que forem, inquestionavelmente, recursos nacionais. Tais políticas demonstraram-se funcionais em países como o Brasil, cuja política pioneira da “Bolsa Família”; no México, o programa “Oportunidade” assemelha-se ao brasileiro. O Alasca, estado norte-americano rico em petróleo, divide com todos os seus cidadãos os lucros providos de seu recurso natural, um modelo que diversos países em desenvolvimento estão procurando emular. Apesar do fato de economistas continuarem a debater as vantagens e desvantagens de tais esquemas, eles não são tão complicados de se montarem. O desafio reside em forjar parcerias e objetivos concordantes. Governos, empresas, ONGs e cidadãos, ricos ou pobres, todos têm um papel a cumprir. Se nós ignorarmos as disparidades de riqueza por mais tempo, as consequências serão muito mais perigosas do que algumas noites sem dormir.