O petróleo é nosso, mas seus segredos são da NSA?

Vulnerabilidade dos segredos da companhia reaviva o debate em favor e contra maior abertura a capitais privados

P-51, a primeira plataforma petroleira 100% brasileira (Foto Divulgação Petrobrás/Abr)
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Vulnerabilidade dos segredos da companhia reaviva o debate em favor e contra maior abertura a capitais privados Por Fabiana Frayssinet, da IPS/Envolverde A espionagem dos Estados Unidos contra a Petrobras reavivou a polêmica sobre a abertura de capital da companhia, que desde a década de 1950 é símbolo da soberania brasileira. “O petróleo é nosso”, frase que nasceu com a descoberta de hidrocarbonos durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) e foi lema da Fundação da Petrobras em 1953, acompanhou o desenvolvimento do país. Mas ganhou força em 1997, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) decretou o fim do monopólio estatal e abriu o caminho para a participação privada na exploração, produção e refinamento do petróleo. O lema voltou a ser bandeira quando a Petrobras descobriu milionárias reservas de hidrocarbonos a 180 quilômetros de costa brasileira e a sete mil metros de profundidade, sob uma grossa camada de sal (pré-sal), em 2007. E o foi novamente em 2009, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) decidiu substituir o modelo de concessão pelo de divisão da produção entre Estado e empresas privadas. A Petrobras, uma sociedade anônima de capital aberto, tem atualmente o Estado como seu principal acionista, mas seus segredos guardados a quatro chaves – como o volume de reservas ou a tecnologia de prospecção e exploração de petróleo e gás em águas profundas que desenvolveu – poderiam já estar nas mãos do governo norte-americano e de seus aliados. Segundo revelações do jornalista norte-americano Glenn Greenwald, a Agência Nacional de Segurança (NSA) de seu país espionou a maior empresa do Brasil e a quarta petroleira maior do mundo. [caption id="attachment_31283" align="alignright" width="377"] P-51, a primeira plataforma petroleira 100% brasileira (Foto Divulgação Petrobrás/Abr)[/caption] Documentos secretos de 2012, entregues a Greenwald pelo ex-contratado da NSA, Edward Snowden, sobre um programa para ensinar novos agentes a espionar redes privadas de computadores, mostravam a Petrobras no primeiro lugar em uma lista de alvos preferenciais. Esses documentos não indicam até que ponto a NSA decifrou informação secreta dos computadores da Petrobras, mas deslegitimam a explicação apresentada pela agência de espionagem diante de denúncias anteriores de que se imiscuía em mensagens privadas da população brasileira e da própria presidente Dilma Rousseff. “Sem dúvida, a Petrobras não representa ameaça à segurança de nenhum país”, reagiu Dilma. “Porém, representa um dos maiores ativos de petróleo do mundo, um patrimônio do povo brasileiro”, destacou. A Petrobras fatura anualmente em torno de US$ 90 bilhões. “Fica evidente que o motivo não é a segurança ou o combate ao terrorismo, mas interesses econômicos e estratégicos”, acrescentou a presidente. A vulnerabilidade dos segredos da companhia tira novamente do armário o lema do “nosso” petróleo, reavivando o debate em favor e contra maior abertura a capitais privados. Na polêmica entra a licitação em outubro da Libra, uma jazida no campo de Santos, um dos mais ricos em hidrocarbonos entre os descobertos na área pré-sal. Brasília teve que negar que a licitação para explorar essa área seria suspensa por medo de que informações vazadas favoreçam empresas norte-americanas ou da Grã-Bretanha, com indicavam versões da imprensa. “Somos contra qualquer licitação. Há tempos pedimos que não entreguem nosso petróleo como fazemos aqui, e mais, em um campo fabuloso onde não há risco porque já está explorado e tem capacidade confirmada de 12 a 15 bilhões de barris”, disse à IPS o presidente da Associação de Engenheiros da Petrobras, Silvio Sinedino. As reservas estimadas do pré-sal são de 80 bilhões a cem bilhões de barris, suficientes para abastecer o país por 40 ou 50 anos, acrescentou. Sinedino acredita que a “privatização” da Petrobras e das telecomunicações, que atribui ao governo de Fernando Henrique Cardoso, colocou o Brasil em uma “posição mais vulnerável” também à espionagem. “Até nossas comunicações militares passam por satélites norte-americanos, obviamente controlados por agentes desse país”, afirmou o engenheiro. Adriano Pires, consultor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, estima que a Petrobras seja espionada porque, “após 50 anos de monopólio”, “ninguém conhece como ela os segredos tecnológicos da exploração de petróleo em águas profundas”. “Número um” nessa área, “ninguém conhece mais a probabilidade maior ou menor de encontrar petróleo” do que a Petrobras, destacou. Segundo ele, é este conhecimento que desperta a cobiça em momentos de disputa de outros horizontes da área pré-sal em jazidas possíveis perto da costa africana. Entretanto, é uma “bobagem” própria do discurso “nacionalista extremista” aproveitar-se das revelações de espionagem para voltar a discutir a abertura da Petrobras, opinou Pires. “Há muito barulho e especulação sobre a espionagem, promovidos até por pessoas dentro do governo para alegar uma vez mais que os norte-americanos estão se apropriando da riqueza brasileira”, ressaltou. “O pré-sal é uma reserva muito grande e a Petrobras não pode explorá-la sozinha, com sua escassa disponibilidade de efetivo. Necessitamos de empresas norte-americanas, suecas, britânicas, norueguesas ou australianas para converter as reservas em produção”, afirmou. Tullo Vigevani, especialista político da Universidade Estadual de São Paulo (USP), não se surpreendeu com a notícia de suposta espionagem industrial, pois “a questão energética é um ponto central da política norte-americana”. O especialista disse à IPS que “se trata de um dos vetores que dinamizam a política em escala global. As informações são um elemento essencial. As novas descobertas no Brasil, especialmente na zona do pré-sal, exigem um acompanhamento fino”. Além do pedido de explicações, já feito por Dilma Rousseff, Vigevani entende que a solução para defender interesses estratégicos é de “longo prazo”. Diante do que parece inevitável, concluiu que o Brasil deve investir mais no desenvolvimento de sua ciência e tecnologia, em “formas de autonomia, na produção de competências e em sistemas de maior imunidade” às invasões.