O problema das cinzas vulcânicas, por Marcelo Idiarte

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Meu amigo Marcelo Idiarte me envia, de Porto Alegre, o texto que segue. Marcelo sabe do que fala. Vale a leitura. ***************** As cinzas provenientes do vulcão que está em erupção no Chile alcançaram Porto Alegre na noite de quinta-feira (9) e chegaram à região de Curitiba por volta do meio-dia desta sexta (10). Na capital gaúcha, houve restrição de altitude para operações aéreas ao longo da manhã e início da tarde de sexta. Durante este período, as principais companhias nacionais e internacionais optaram por suspender preventivamente os voos que estavam marcados para Porto Alegre. Apenas empresas de táxi aéreo e aviões particulares operaram no aeroporto. Com a redução do tráfego, algumas aeronaves da polícia militar também aproveitaram para solicitar permissão do Controle Palegre para treinamentos de toque-e-arremetida na pista principal do Salgado Filho. Por volta das 16h, com a dissipação da nuvem chilena em direção ao litoral do Rio Grande do Sul, os voos foram gradativamente sendo retomados no aeroporto de Porto Alegre. Em Curitiba as operações não foram prejudicadas porque as cinzas chegaram sem força naquele espaço aéreo. Já em Buenos Aires, Argentina, a situação é mais crítica: os aeroportos Ezeiza e Aeroparque voltaram a fechar na tarde de quinta e todas as operações foram suspensas até domingo. Para garantir a segurança das operações aéreas no sul do Brasil, a Força Aérea Brasileira mantém caças A-1 fazendo voos alternados de monitoramento das cinzas vulcânicas, a partir das bases aéreas de Canoas e Santa Maria, além dos levantamentos meteorológicos monitorados em solo pelo CGNA (Centro de Gerenciamento da Navegação Aérea). Cinzas vulcânicas são sérias inimigas de aviões a jato. Elas são compostas por partículas de rochas e minerais que ficam suspensas numa nuvem formada por vapor d'água e inúmeros gases, como monóxido de nitrogênio, monóxido e dióxido de enxofre, monóxido e dióxido de carbono, hidrogênio molecular (gás hidrogênio) e outros. A maioria desses gases é altamente tóxico. E quando misturados à água eles se tornam ácidos perigosos, com enorme potencial corrosivo. Não bastasse isso, as cinzas vulcânicas sofrem processo de fusão quando são submetidas a temperaturas acima de 580ºC. Ou seja, elas derretem e voltam a um estado líquido espesso, similar ao da lava que as originou. Considerando que motores turbofan de aeronaves comerciais em velocidade de cruzeiro (800-900 km/h) operam na faixa dos 700ºC, poder-se-á deduzir o tamanho do problema... Ao entrarem em contato com as partes internas de um motor, as cinzas se liquefazem e viram uma lava incandescente com alto poder incendiário e corrosivo. Os efeitos imediatos no motor são vários, a começar porque as partículas das cinzas são sugadas para dentro da câmara de combustão e acabam sujando ou limitando por entupimento a mistura de ar comprimido e combustível, o que provoca diversas anomalias na operação dos motores. Sem dúvida o resultado mais característico deste evento é o stall de compressor, que ocorre quando há entrada de partículas estranhas na câmara de combustão ou quando há oscilações na injeção de ar durante o estágio de compressão. Ao não enviar oxigênio suficiente aos queimadores da câmara, a mistura ar-combustível recebe querosene de forma desproporcional. Esse enriquecimento inesperado na mistura gera línguas de fogo que são expelidas pelo escapamento do motor sob a forma de explosões (similar ao que acontecia em um Fusca com sujeira no carburador, porém proporcional ao tamanho e potência de um motor turbofan). Se isso em si não provocar o desligamento do motor por afogamento (flame-out involuntário), é muito provável que o próprio comandante do avião vai desligá-lo por precaução (flame-out voluntário). Um dos agentes mais comuns do stall de compressor é a ingestão de pássaros (bird strike) nos motores. A questão é que isso é muito raro ocorrer simultaneamente nos dois motores de uma aeronave birreatora (ou em três/quatro motores simultâneos de aeronaves trirreatoras/quadrirreatoras). Um dos poucos casos conhecidos de bird strike simultâneo nos dois motores de uma aeronave birreatora, com perda de ambos, é o daquele Airbus A320 que teve que amerissar no Rio Hudson, em Nova Iorque, no início de 2009. Já as cinzas vulcânicas têm grande probabilidade de atingir ao mesmo tempo todos os motores do avião que tiver a infelicidade de cruzar por elas, uma vez que o volume de cinzas presentes nas nuvens que as transportam é enorme - daí o porquê delas representarem tanto perigo à aviação. Outro detalhe relevante é que geralmente um motor danificado por pássaros é recuperável em manutenção, já um motor afetado por cinzas vulcânicas pode se tornar imprestável devido ao violento efeito corrosivo sobre partes essencias do conjunto. Um único motor CFM56-7B de Boeing 737-800 NG custa US$ 7 milhões. Como são dois numa aeronave deste modelo, só aí já são US$ 14 milhões expostos aos terríveis efeitos das cinzas. Fora a própria aeronave em si. Deste modo, basicamente há 5 problemas decorrentes das cinzas vulcânicas em uma aeronave: 1) lixamento do parabrisa devido à composição das partículas, podendo limitar a visão dos pilotos; 2) acúmulo de partículas nos atuadores de direção (ailerons, leme e estabilizadores verticais) e em componentes externos (flaps, slats, sondas pitot etc), podendo dificultar a operação dos mesmos ou resultar em leitura errada dos parâmetros de voo; 3) superaquecimento, stall de compressor, flame-out e comprometimento por corrosão de várias partes importantes dos motores; 4) contaminação do sistema de refrigeração, que é alimentado pelos motores e pode lançar gases tóxicos dentro da cabine de comando e da cabine de passageiros; e, 5) corrosão geral na fuselagem e nos conjuntos de trem de pouso (estes geralmente não têm um efeito crítico imediato). Portanto se a sua companhia aérea cancelou um voo devido à presença de cinza vulcânica na atmosfera ou no aeródromo: agradeça.