Wagner Iglecias: O PT acabou? Viva o PT!

Talvez a conexão que vai sendo feita pela massa entre percepção de piora das condições de vida e a narrativa diuturna sobre escândalos de corrupção envolvendo o petismo explique a queda acentuada da preferência pelo partido na pesquisa Datafolha. Mas também o aumento da massa de brasileiros que já não optam por partido nenhum

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Talvez a conexão que vai sendo feita pela massa entre percepção de piora das condições de vida e a narrativa diuturna sobre escândalos de corrupção envolvendo o petismo explique a queda acentuada da preferência pelo partido na pesquisa Datafolha. Mas também o aumento da massa de brasileiros que já não optam por partido nenhum Por Wagner Iglecias, no Jornal GGN A moda desse verão na bolsa de apostas da política nacional é dizer que o PT tá indo pro brejo. Será? Militantes e simpatizantes do partido dirão que não, que isso é um absurdo. Adversários batem o pé que sim. Acho eu, para usar uma expressão chique, que tem uma boa dose de wishfull thinking nisso tudo, tanto de um lado como de outro. Uns ainda sonhando com um PT que já não existe mais. Outros destilando seu ódio costumeiro ao partido que é a referência central da política brasileira neste século. Pesquisa Datafolha publicada neste domingo informa que 71% dos brasileiros não têm preferência por partido nenhum. E que entre os que têm, 12% preferem o PT. É uma queda vertiginosa, se comparada a outubro passado, quando 22% disseram optar pela legenda. O problema é que os demais partidos empolgam menos ainda o brasileiro: apenas 5% dizem preferir o PSDB (eram 7% em outubro) e menos gente ainda, 4%, cita o PMDB (mesmo percentual de outubro). De fato após treze anos no comando do país o petismo enfrenta desgaste. Seja por seus limites, naturais em qualquer experiência política inovadora que alcança o poder, seja pelos escândalos de corrupção em que se vê envolvido. O partido apanha de seus adversários de esquerda por supostamente ter abandonado os ideais que carregou desde sua fundação até meados dos anos 1990. Supostamente não - se a memória não me falha - o PT lá dos primórdios tinha sim no socialismo e na ética na política suas duas principais bandeiras. E apanha de seus inimigos da direita não por querer implantar um socialismo que já abandonou há tempos, mas por promover a expansão do capitalismo brasileiro, através de ferramentas rooseveltianas e keynesianas que vêm provocando algumas alterações importantes na estrutura social de um país com 400 anos de escravidão nas costas em 500 de existência e uma das elites mais atrasadas do mundo. O problema da oposição ao petismo, pela esquerda, é que por ora não há organização política suficiente destes setores para constituírem-se em alternativa eleitoral viável ao partido. As pequenas siglas de esquerda fazem muito barulho, foram parte importante das manifestações de junho de 2013 mas elegeram menos de 1% das cadeiras da Câmara dos Deputados pouco mais de um ano depois. Na recente eleição para presidente da Casa o deputado Chico Alencar obteve apenas 8 votos em 510. É muito pouco. Já na oposição de direita a questão é que, por mais que se detone diuturnamente os governos petistas (por motivos merecidos e imerecidos também) a realidade concreta das pessoas, em especial da massa do eleitorado, teima em caminhar em outra direção. É óbvio que o povo sofre no dia a dia do transporte, do hospital público, da falta de infra-estrutura nas periferias etc., mas também é patente que as condições materiais de vida dos mais pobres melhoraram de forma inédita desde que o petismo chegou ao comando do país. Enganam-se aqueles que pensam que o pobre, por ser pobre, é irracional. Pelo contrário, a massa do eleitorado forma suas convicções políticas e sua decisão de voto de maneira muito lógica e pragmática, a partir do cálculo pautado na melhoria (ou na piora) das condições reais de vida. Não adianta ficar falando em "petrolão" na periferia se na periferia houver emprego, melhoria de poder de compra, melhoria dos serviços públicos etc. Agora, claro, se houver piora destas condições, o discurso do caos ou o discurso da moralidade emanado para a classe média tradicional pode começar a ganhar adeptos também na periferia. Mas para azar do petismo, por outro lado, a estratégia ganha-ganha praticada pelo partido desde 2003, postergando o conflito distributivo como o diabo foge da cruz, começou a trincar com a crise de 2008. Tudo bem que logo na sequência o governo botou o pé no acelerador e em 2010 o país teve um ano excelente do ponto de vista econômico. Mas depois disso parece que o gás acabou. E a pax lulista dos anos 2000 definitivamente ruiu a partir das ruas de 2013. Lá na quebrada as condições de vida, embora muito melhores que há 15 ou 20 anos atrás, já não são exatamente as mesmas de 2010. E na medida em que aumenta a percepção de que as coisas já não vão tão bem assim, ganha força na periferia e na massa do eleitorado o discurso moralista produzido pelos inimigos do petismo. Um discurso que encontra solo fértil entre quem melhorou um pouquinho na vida, saiu da miséria, mas adotou o ethos da classe média tradicional e acha que tudo se deve a esforço próprio, individual. E que pensa que o governo, se não pode ajudar, que ao menos não atrapalhe. Agora está aí parte do povo pobre achando que já não sobe mais na vida como antes por causa da “roubalheira do PT” (que não nos deixe mentir a surra que Dilma tomou nas urnas de boa parte da periferia de SP na última eleição). Talvez a conexão que vai sendo feita pela massa entre percepção de piora das condições de vida e a narrativa diuturna sobre escândalos de corrupção envolvendo o petismo explique a queda acentuada da preferência pelo partido na pesquisa Datafolha. Mas também o aumento da massa de brasileiros que já não optam por partido nenhum. Um PT cobrado e criticado por seus atos é bom para a democracia. Um PT enfraquecido e alquebrado é bom para seus adversários e inimigos. Mas um PT destruído é bom para o país? Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.