O real, o imaginário e o simbólico no xadrez semiótico da "libertação" de Lula – Por Wilson Ferreira

Acompanhamos a realização da profecia do ministro Lewandowski, feita em 2014: “o século XXI é o século do Poder Judiciário”

Edição de imagens
Escrito en NOTÍCIAS el

O que mudou na correlação de forças para que Fachin anulasse as condenações de Lula? As ruas estão tomadas de protestos contra o governo como no Paraguai? Estamos à beira da sublevação das massas? Caminhoneiros estão à beira da paralisação nacional? Nada. Acompanhamos apenas a realização da profecia do ministro Lewandowski, feita em 2014: “o século XXI é o século do Poder Judiciário”. É a judicialização da política, até aqui o principal vetor dos movimentos políticos para manter esquerda e oposições no torniquete, com a estratégias híbridas de movimento em pinça e controle total de espectro. Dentro do consórcio com a grande mídia, a “libertação” de Lula forma o xadrez da guerra semiótica que deve ser compreendida em três níveis: o real, o imaginário e o simbólico.

Em meio ao terremoto da anulação das condenações de Lula, decidida pelo ministro Fachin, a analista de política da Globo News (a grande sócia da Lava Jato, dando apoio promocional e logístico), visivelmente consternada, sentenciava: “Não se pode deixar fios soltos quando se enfrenta inimigos tão poderosos!”. Após o discurso de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, a mesma analista referiu-se a Lula como “um discurso em tom de estadista”. 

Em questão de horas, o “inimigo poderoso” virou um “estadista”. Apresentadores e jornalistas do veículo noticioso receberam uma enquadrada tão violenta (ainda maior do que a mudança de narrativa contra Temer no episódio do áudio da conversa de Joesley com o presidente desinterino, em 2017) que até a ferrenha porta-voz das “massas cheirosas”, Eliane Catanhêde, jogou Sergio Moro ao mar no programa “Em Pauta”, ao admitir a parcialidade política do ex-juiz ao ingressar como ministro no governo Bolsonaro.

O que mudou para a Globo, um dos braços armados do consórcio Exército-Judiciário-Mídia, para operar uma guinada editorial tão rápida e colocar na focinheira sua matilha de cães sabujos? – com exceção do recalcitrante Merval: raivoso com o retorno do inimigo, ainda protesta contra a “roubalheira do PT”... Mas foi jogado para as altas horas da programação noturna do canal fechado...

Mais uma vez, este Cinegnose lembra da metodologia de estratégia política ensinada pelo velho Leonel Brizola: “Quando vocês tiverem dúvida quanto a posição a tomar diante de qualquer situação, atentem: se a Rede Globo for a favor, somos contra. Se for contra, somos a favor”.  

Senão, vejamos: o que mudou estruturalmente na atual correlação de forças que conduziu ao golpe de 2016 e que criou a mise-en-scène que conduziu Bolsonaro à vitória eleitoral de 2018? Será que as ruas estão tomadas de protestos e as massas chegando quase à sublevação? – algo, assim, parecido com Chile e Paraguai? 

Será que, depois do golpe militar híbrido que não foi televisionado pela grande mídia, de repente, o STF deixou de ser tutelado pelos militares? 

Será que, para salvarem suas biografias e não serem condenados pela História, os ministros do STF decidiram enfrentar o enquadramento militar? 

Há violentos protestos nos postos de gasolina contra os aumentos dos combustíveis? 

Será que os caminhoneiros estão no auge da indignação à beira de uma paralisação nacional?

A única coisa que realmente está acontecendo são os efeitos inerciais da necropolítica do Ministério da Saúde: nesse momento, milhares de pessoas pelo país na fila morrendo à espera de vagas em UTIs; além de uma suposta “campanha de vacinação”, com muito mais imagens motivacionais nos telejornais mostrando velhinhos sortudos em drive-thrus do que flagrantes de uma efetiva imunização em massa.

Mourão: "Lula não vai vencer a eleição"

Além da escalada do desemprego e estagnação econômica, que a grande mídia e o ministro da Economia Paulo Guedes colocam na conta da pandemia: “e economia até dava sinais de recuperação mas...”.

A críptica (e sombriamente enfática) declaração do vice general Mourão de que “Lula não vai ganhar a eleição porque é um político velho” é um dos sinais nada sutis de que a correlação de forças no tabuleiro do xadrez continua a mesma, desde 2016. A única diferença foi o governo de ocupação que assaltou o Estado a partir de 2018: os peões militares tomaram de assalto ministérios, cargos comissionados, postos estratégicos e cargos civis – algo em torno de seis mil militares.

A decisão do ministro Fachin não significou apenas “livrar a cara de Moro”, ou criar um “Mandela libertado”, como regozija a esquerda, agora de ânimo renovado. Dentro do xadrez da guerra semiótica (uma guerra por procuração, de tal maneira que o jogo de percepções tão contraditórias faça o inimigo agir involuntariamente a favor do seu próprio adversário) a “libertação” de Lula deve ser compreendido no âmbito dessa correlação de forças, que se mantém inalterada e forte. Compreendida em três níveis, saindo de um tabuleiro bidimensional para o tridimensional: os níveis do Real, do Imaginário e do Simbólico.

A princípio, nada a ver com a tríade da psicanálise lacaniana... Pelo menos, a princípio.

(a) Real

Em 2014, o ministro do STF Ricardo Lewandowski, no auge dos bombardeios da guerra híbrida, foi profético: “o século XXI é o século do Poder Judiciário”. Com seus movimentos em pinça, o judiciário pavimentou o caminho do “golpe de veludo” de 2016 e o golpe militar híbrido de 2018.

Logicamente, o único movimento político até aqui não veio das ruas, protestos ou de algum desafio mais agudo a atual hegemonia política: veio da judicialização da política através de uma muito bem montada mise-en-scène de Fachin e da sessão da Segunda Turma do STF. 

Um drama de ação e suspense, adiado para o próximo capítulo: o lavajatista Fachin faz o movimento “vão-se os anéis, ficam os dedos” para proteger o amigo Moro; Gilmar Mendes, autorrogando-se insuspeito por ser ali o único não indicado pelo PT, dispara contra a promiscuidade da grande mídia e narra os diálogos comprometedores dos procuradores da Lava Jato... Tão veemente que supostamente teria “balançado” Carmen Lúcia, que sinalizou mudar o seu voto para a favor da suspeição de Moro... E quando tudo levava para o desfecho final, o ministro Nunes Marques suspende tudo ao pedir vista e pedir “mais tempo” para entender tudo...

E para aumentar o suspense, mais um plot-twist: de repente, o “garantista” Marco Aurélio de Mello sentencia: “Não podemos, a esta altura da vida judicante, execrar o juiz Sergio Moro. Ele tem uma folha de serviços prestados ao país”. E sinaliza que a decisão de Fachin será revista em Plenário.

Por que todo esse suspense? Claro que há a questão da vaidade e a pompa da circunstância por saberem que estão na mira da grande mídia dando audiência e, por isso, a compulsão em “encher linguiça” do melodrama canastrão.

Mas há também a lógica estratégica: primeiro, lançar o balão de ensaio e ver as reações de todos os lados. Segundo, e principalmente, realizar o objetivo principal da judicialização da política: o domínio total de espectro - manter a estratégia de soltar e apertar o torniquete de Lula e das esquerdas.

Em outros termos: novamente criar o fantasma da inelegibilidade de Lula e repetir em 2022 o mesmo cenário de 2018. Porém, com uma expectativa: de uma vez por todas, manufaturar alguma “grande esperança branca” de Centro como alternativa à “polarização populista” bolsopetista.

(b) Imaginário

Desde que as placas tectônicas se movimentaram na segunda-feira, durante toda o restante da semana a grande mídia explorou o imaginário da “libertação” do líder petista criando três Lulas imaginários. O objetivo óbvio é estender para o plano do imaginário do xadrez a tática de apertar e soltar o torniquete do Judiciário.

>>>>>Continue lendo no Cinegnose>>>>>>>