O reconhecimento de boas práticas

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* Publico a seguir, matéria que saiu na revista Fórum 105, de dezembro, sobre o prêmio da Fundação Banco do Brasil, que apoia várias ações de tecnologia social.

O reconhecimento de boas práticas

Prêmio Fundação Banco do Brasil tem recorde de inscrições de iniciativas de grande impacto local

As soluções são simples. A vontade de fazê-las dar certo é enorme. Com esse espírito, centenas de iniciativas estão transformando comunidades pelo Brasil afora. O Prêmio Fundação Banco de Brasil de Tecnologias Sociais mostra que essa afirmação é real. Somente na edição de 2011, foram 1.116 inscrições de projetos em andamento. Desses, 264 foram certificados e passaram a integrar o Banco de Tecnologias Sociais (BTS) mantido pela entidade. No final de novembro, os 27 finalistas, selecionados por uma comissão julgadora, estiveram em Brasília para participar de um seminário, onde se discutiu o potencial do que eles estão fazendo. Os representantes dessas experiências também foram à capital federal para a cerimônia de premiação, quando foram conhecidas as nove tecnologias sociais vencedoras desta que foi a sexta edição do concurso da Fundação.

Numa sala de um hotel em Brasília, no dia anterior à grande festa, a riqueza da diversidade do território brasileiro se afirmava como uma grande arma contra a pobreza e a desigualdade. Esse, segundo o presidente da FBB, Jorge Streit, é o sentido de incentivar essas atividades chamadas de tecnologias sociais. “Se existe um tipo de tecnologia que pode contribuir para a superação da pobreza é a social”, disse ele.

Isoladas, essas atividades podem não mudar o mundo, mas são capazes de gerar transformações importantes para uma escola, um bairro, uma cidade, uma região. E, quando dá certo, por que não transformar a experiência em política pública? Esse é o grande objetivo. Reaplicar a tecnologia social para o Brasil e o mundo. E, ainda, articulá-las com outras políticas públicas.

A Fundação elegeu as tecnologias sociais como carro-chefe de suas ações desde 2003. Além de manter o banco, promover o Prêmio a cada dois anos, e o Concurso Aprender e Ensinar – TS em parceria com a revista Fórum, a FBB fornece ajuda financeira a algumas tecnologias. É o caso da Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (PAIS), que junto com o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do governo federal, pode garantir renda aos produtores e preservação ambiental.

Para Streit, as tecnologias sociais são as que mais se enquadram aos princípios da economia solidária e sustentabilidade. Ao contrário da tecnologia de ponta ou proprietária, a TS é livre e voltada para a promoção de impactos locais. Um dos pré-requisitos para ganhar o prêmio da fundação é ser de domínio público, sem patentes. Seu objetivo não é ter lucros, é resolver o problema e multiplicar a solução.

Incentivo e pesquisa

Multiplicação foi o que aconteceu com duas tecnologias sociais premiadas pela fundação em edições anteriores. É o caso da técnica de silagem de colostro, desenvolvida pela veterinária e agricultora Mara Saafeld, no interior do Rio Grande do Sul. O procedimento é simples e permite um aumento na renda dos pequenos produtores de leite. A partir da fermentação do colostro por sete dias numa garrafa pet, esse primeiro leite pode ser utilizado na alimentação dos bezerros por um período mais longo, em vez de ser jogado fora. Além de ser um alimento mais nutritivo, o colostro ainda poluía o ambiente. Presente no encontro que reuniu os finalistas deste ano, Mara contou que antes de vencer o prêmio tentou levar a técnica à universidade, mas seu projeto de pesquisa não foi aceito para virar uma tese de doutorado na área de zootecnia. “Era uma técnica em que ninguém acreditava; depois do prêmio, ganhamos visibilidade e credibilidade”, afirmou ela, atual doutoranda.

Segundo o professor da Universidade de Brasília, Ricardo Neder, a pesquisa das tecnologias sociais nas universidades não tem recebido o mesmo incentivo que as tecnologias “de ponta”. Ele defende que os órgãos educacionais, como a Comissão de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes), incorporem mais professores e pesquisadores que se dediquem ao assunto.

“Os critérios de seleção de projetos de pesquisa para financiamento público e de avaliação de pesquisadores não atendem as necessidades do movimento pela tecnologia social, considerado problema local pouco interessante para a ciência e tecnologia universal”, afirmou. O professor ainda destacou que a Lei de Inovação (10.973/04), que trata sobre incentivos e pesquisa científica e tecnológica, prioriza parcerias entre universidades e empresas, deixando de fora as entidades civis, movimentos sociais e terceiro setor.

Estudo realizado entre as 555 tecnologias sociais que compunham o Banco da FBB mostrou que a maior parte delas (65%) era desenvolvida por entidades civis ou cooperativas; 15% eram mantidas por instituições de ensino público ou privada e o sistema “S” (Sesi, Senai, etc); 15% por órgãos governamentais; e apenas 5% por empresas. Após revisitar todos esses projetos, que integravam o banco desde a primeira edição do Prêmio, foi constatado que 119 iniciativas não estão mais em andamento. Por isso, Neder defende que o fomento continuado às TS é um ponto-chave para a sua manutenção. Ele ainda acredita que sociedades com fins lucrativos não deveriam receber recursos públicos e doações.

Apesar das dificuldades enfrentadas no dia a dia, as TS vêm crescendo. Em 2011, o número de inscritos ao Prêmio foi recorde. Como alerta Streit, muitas vezes as tecnologias não são necessariamente um artefato, mas uma metodologia, desenvolvida com a interação da comunidade.

Um bom exemplo de uma metodologia criada com base nos princípios da TS é a técnica de ensino da Matemática para deficientes visuais. O professor de Matemática Rubens Ferronato desenvolveu o método, quando teve um aluno deficiente visual em uma classe de mais de trinta. Sem saber o que fazer, o professor começou a utilizar uma placa de eucatex e elástico. Deu tão certo que hoje o método é adotado em mais de cinco mil escolas do Brasil. “A inclusão não é apenas ter um aluno com deficiência na sala de aula, é ele poder participar”, afirmou.

São muitos os exemplos, inclusive, de pessoas que estão desenvolvendo tecnologia social e desconhecem esse termo e sua filosofia. “Nosso objetivo é reconhecer o trabalho realizado por essas pessoas”, definiu o gerente de Parcerias, Articulações e Tecnologia Social da FBB, Jefferson de Oliveira. Cada uma das nove iniciativas vencedoras de 2011 foi contemplada com R$ 80 mil e recebeu um material de divulgação (vídeo institucional e 2 mil folhetos).

Conheça as nove iniciativas vencedoras

Norte – Banco Comunitário Muiraquitã (Santarém/PA)

O projeto é desenvolvido na Grande Santarém, região que enfrenta dificuldades típicas de bairros periféricos brasileiros. Os idealizadores acreditam na inclusão digital para a transformação dessa realidade. Cada quilo de resíduo vale um muiraquitã, que pode ser usado para a compra de produtos metarreciclados e serviços, como oficinas de informática e software livre.

Nordeste – Bancos de Sementes Comunitários (Teixeira/PB)

Os agricultores da região implantaram roçados comunitários, que fornecem as primeiras sementes para o banco. Cada comunidade estabelece uma forma de gerir o banco de sementes. A cada colheita, os agricultores devolvem o que foi retirado e acrescem um porcentual. A tecnologia resgata sementes crioulas abandonadas pelos sertanejos e garante a segurança alimentar das famílias.

Centro-Oeste – Construção de Habitação em Assentamentos (Campo Grande/MS)

Toda a comunidade participa do mutirão para a construção de casas. Tudo é decidido coletivamente, do projeto à lista de quem terá prioridade. A casa, de 72 m2, é construída com uma técnica que dispensa o emprego de colunas, com um crédito de R$ 15 mil que cada família recebe do Incra. Com gerenciamento coletivo dos recursos, o dinheiro rende mais.

Sudeste – Ecos do Bem – Educação Ambiental no Território do Bem (Vitória/ES)

Por meio de mutirões, os moradores do bairro transformam terrenos baldios em espaços de convivência, preservação e cidadania. Após mapear as áreas críticas, o Mutirão do Bem executa a intervenção, retirando os resíduos e revitalizando a área. Desse esforço, surgiram hortas comunitárias e jardins, onde antes só havia lixo.

Sul – Visão de Liberdade (Maringá/PR)

A experiência une os deficientes visuais, que enfrentam dificuldades na educação por não terem acesso a diversos conteúdos, e os apenados do sistema prisional. Um grupo de detentos foi qualificado para a produção de material didático em braile, áudio e alto-relevo. Enquanto o material auxilia deficientes visuais do Brasil e Portugal a terminar seus estudos, cada participante qualifica-se profissionalmente e reduz um dia de pena a cada três trabalhados.

Categoria – TS na Construção de Políticas Públicas para a Erradicação da Pobreza – Horta Comunitária (Maringá/PR)

A prefeitura de Maringá transforma a comunidade em parceira na conservação e aproveitamento de terrenos baldios que se tornam depósitos de lixo e entulho. Por meio de hortas comunitárias agroecológicas, oferece segurança alimentar e geração de renda para as famílias.

Categoria – Participação de Mulheres na Gestão de TS – Mulheres da Amazônia (Juruena/MT)

Reunidas em uma associação, 87 mulheres do assentamento Vale do Amanhecer descobriram no extrativismo e na produção de alimentos à base de castanha uma forma de gerar renda e conviver de forma harmoniosa com a natureza. A cooperativa ajudou a aumentar em quase sete vezes o valor pago ao extrativista por um quilo de castanha.

Categoria – Direitos da Criança e do Adolescente e Protagonismo Juvenil – Fazendo Minha História (São Paulo/SP)

A tecnologia busca, por meio da literatura, interagir com crianças de abrigos e acolhimento, para que elas possam se expressar e dialogar com sua história de vida. Cada um monta um álbum colorido, no qual registra um pouco de seu passado, seu presente no abrigo e seus sonhos para o futuro.

Categoria – Gestão de Recursos Hídricos – Cisternas nas Escolas (Irece/BA)

No semi-árido baiano, não falta mais água para o consumo dos alunos e para irrigar as hortas escolares, que produzem alimentos orgânicos. Com a instalação de cisternas nas escolas, pela própria comunidade, são captadas as águas da chuva. O sistema ainda é utilizado como recurso pedagógico.