O thriller policial que pautará as eleições na Argentina

Buenos Aires despertou na última segunda-feira sacudida por uma morte de proporções internacionais. A cena e o contexto reuniam todos os elementos do suspense perfeito: o corpo do promotor Alberto Nisman foi encontrado sem vida, no banheiro de seu apartamento em Puerto Madero.

(Foto: Reprodução/Facebook)
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Buenos Aires despertou na última segunda-feira sacudida por uma morte de proporções internacionais. A cena e o contexto reuniam todos os elementos do suspense perfeito: o corpo do promotor Alberto Nisman foi encontrado sem vida, no banheiro de seu apartamento em Puerto Madero

Por Victor Farinelli, no Rede LatinAmerica

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Quem viu e gostou do filme Tese Sobre um Homicídio, uma dessas brilhantes obras cinematográficas argentinas com o protagonismo do infaltável Ricardo Darín, não perde por esperar o pleito presidencial deste ano. Juntem todos os escritores de novelas policiais numa sala e vejam se conseguem bolar uma trama que supere a realidade.

Buenos Aires despertou na segunda-feira (19/01) sacudida por uma morte de proporções internacionais. A cena e o contexto reuniam todos os elementos do suspense perfeito: o corpo do promotor Alberto Nisman foi encontrado sem vida, no banheiro de seu apartamento em Puerto Madero, com um buraco de bala dois centímetros acima de uma das orelhas e um revólver calibre 22 no chão próximo ao cadáver, que jazia ao lado da porta, dificultando a entrada dos peritos investigadores. Sinais que apontavam o suicídio como primeira hipótese para o caso.

Pelo apartamento, as evidências mais confundiam que esclareciam. Segundo as análises divulgadas até o momento, não havia nenhum sinal de intervenção de terceiros, nem uma porta forçada, tudo estava muito ordenado, inclusive as centenas de folhas que iria levar a uma audiência no Congresso Nacional, naquela mesma segunda, para sustentar a acusação bombástica que havia feito na semana anterior: de que a presidenta Cristina Fernández de Kirchner e o chanceler Héctor Timerman teriam costurado um acordo comercial com o Irã que envolvia o encobrimento dos iranianos suspeitos pelo atentado contra a AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina).

Esse último detalhe colocou em cheque a tese de homicídio e aumentou ainda mais os contrastes com relação à sua morte. A denúncia feita contra a mandatária foi uma surpresa, já que Nisman não era um opositor ao governo. Vamos ao contexto: o atentado contra a AMIA ocorreu julho de 1994 e produziu 85 mortes e centenas de feridos, foi um dos piores ataques terroristas ocorridos na Argentina. Nisman era o fiscal responsável pelo caso, designado pelo ex-presidente Néstor Kirchner. Os principais suspeitos do caso eram ex-funcionários diplomáticos e do governo iraniano, que possuem mandado de captura emitido pela Interpol em 2007, após Kirchner denunciar o Irã à ONU por obstrução ao trabalho judicial.

Cristina Kirchner também sempre foi muito atuante em favor das investigações a respeito da verdade no Caso AMIA, desde os tempos de parlamentar, nos Anos 90. Porém, o chamado Memorando de Entendimento estabelecido com o Irã em 2013 (que consistia comercialmente na troca de petróleo persa por alimentos sul-americanos) desagradou a comunidade judia argentina, a maior da América Latina e quinta maior do mundo, mudando sua postura com relação ao governo.

Dias depois de apresentar a denúncia, Nisman deu entrevistas para meios argentinos dizendo que “estou jogando minha vida neste processo”, dando a entender que sua vida corria perigo. Faltam evidências no local que apontem a uma tentativa de assassinato, até porque o apartamento mantinha custódia especial há anos, e na noite de domingo (18/01) havia dez agentes federais e outros empregados de sua segurança pessoal no edifício.

Tampouco há provas que apontem mais claramente à tese de suicídio, já que não há resíduos de pólvora em suas mãos e o bilhete encontrado na cozinha do apartamento era uma lista de comprar deixada à empregada. Ainda está por ser confirmada a versão de que um dos seguranças pessoais havia entregue ao promotor a arma calibre 22 encontrada no banheiro, que ele mesmo havia solicitado para sua segurança pessoal, na véspera de sua morte.

Outro elemento intrigante no caso é o surpreendente regresso de Nisman, que estava em férias com a filha na Europa desde o natal passado, tinha planejado voltar ao país no dia 20 de janeiro, mas retornou no dia 12 e apresentou sua acusação contra a presidenta e o chanceler dias depois. Não está clara a razão pela qual adiantou a volta.

Uma morte cheia de dúvidas já é um suspense ideal, mais ainda se tem complexos desdobramentos políticos, e se esses desdobramentos terão um desenlace eleitoral em breve, está armado o cenário perfeito. Em outubro, a Argentina terá sua primeira eleição presidencial deste século sem um candidato Kirchner, mas com um clima de plebiscito ao kirchnerismo.

Pode parecer exagerado comparar Alberto Nisman a Eduardo Campos, já que o promotor argentino não era candidato, mas sua morte e a investigação do caso certamente terá fortes efeitos eleitorais, de acordo ao rumo que tomarão as investigações de sua morte e as denúncias que havia feito contra a presidenta e o chanceler, que foram assumidas por seu principal assessor, o promotor Alberto Gentili.

As reações nas redes sociais não tardaram, de defensores e críticos do governo, alguns usando a hashtag #YoSoyNisman. Os canais de televisão, principalmente os de notícias, não falam de outro assunto desde a descoberta do cadáver, e se dividem entre as novas informações do caso e as reiteradas tentativas dos presidenciáveis opositores Mauricio Macri (prefeito de Buenos Aires e líder da direita argentina) e Sergio Massa (ex-kirchnerista, que foi chefe de gabinete no primeiro ano de governo de Cristina, mas que hoje representa uma terceira via disssidente do kirchnerismo), de se aproveitar do caso, exigindo justiça para Nisman.

Os candidatos kirchneristas (Daniel Scioli e Sergio Urribarri, entre outros que terão que decidir em primárias quem será o representante governista) mantiveram silêncio. O governo se manifestou, autorizando a desclassificação dos documentos secretos da SIDE (Secretaria de Inteligência do Estado Argentino) relacionadas ao atentado de 1994. Mas as palavras foram da presidenta Cristina Kirchner, através de uma longa carta, na qual diz, entre outras coisas, que a cobertura da morte pelos meios de comunicação, especialmente o jornal Clarín, tem sido tendenciosa, lembrou sua atuação a favor do esclarecimento do Caso AMIA como senadora e presidenta e o fato de que o chanceler Héctor Timerman, um dos acusados, é judeu.

Cristina, em sua carta, lembrou que o primeiro caso de encobrimento de responsabilidades no Caso AMIA apontava a funcionários do governo de Carlos Menem, que era o presidente na época do atentado, e diz: “hoje, mais do que nunca, não se deve permitir que, uma vez mais, se faça do processo de encobrimento o que já se fez com a causa principal (do Caso AMIA). Porque se descobrirá os autores do atentado quando se descubra quem foram os que o encobriram”.

A última mensagem enviada por Nisman, por whatsapp, para um grupo de amigos, dizia o seguinte: “Tive que interromper repentinamente a viagem à Europa com minha filha, vocês imaginam o que isso significa. Mas às vezes nós não escolhemos os momentos na vida, eles simplesmente acontecem. Alguns de vocês sabem do que estou falando, outros terão vaga ideia ou nem imaginam. Estou jogando tudo nisso, em minha vida sempre tomei grandes decisões e desta vez não será diferente. Estou convencido do que faço e sei que não será fácil, muito pelo contrário. Mas cedo ou tarde a verdade triunfará, tenho muita confiança e farei tudo o que estiver ao meu alcance, sem importar quem eu tenho em frente. Obrigado a todos. Se fará Justiça! PS.: aproveito para esclarecer que não estou louco nem nada parecido, estou melhor que nunca, hahaha”.

Como no filme de Darín, o desfecho do caso da morte do promotor está em aberto, assim como a corrida eleitoral presidencial, e ambos os cenários convidam os espectadores a fazer suas próprias teorias e apostas. Faça as suas.