O xadrez político de China e Japão

Apesar de um conflito entre os dois países por conta de arquipélago não ser considerado uma possibilidade real, belicosidade dos líderes asiáticos pode ser um mau sinal para o futuro

Duas das ilhas que formam o arquipélago em disputa (BehBeh/Wikimedia Commons)
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Apesar de um conflito entre os dois países por conta de arquipélago não ser considerado uma possibilidade real, belicosidade dos líderes asiáticos pode ser um mau sinal para o futuro

Por Vinicius Gomes Melo

São apenas oito ilhotas desabitadas. Sua soberania vem mudando de mãos desde 1895, mas foi apenas nos últimos dias que a escalada da tensão chegou ao seu nível mais alto desde a Segunda Guerra Mundial e colocou Japão e China – além dos EUA, arrastados sem querer – em um impasse diplomático naquela que é considerada uma das regiões mais complicadas e estratégicas atualmente. As ilhas em questão fazem parte do chamado Arquipélago Diaoyu, assim chamado pelos chineses, ou de Arquipélago Senkaku, pelos japoneses.

A tensão entre Tóquio e Pequim vem aumentando desde que o Japão “comprou” três das oito ilhas, em setembro de 2012. Mas foi a decisão unilateral da China em estabelecer uma zona de controle aéreo, designado de Zona de Identificação de Defesa Aérea (ADIZ) no Mar da China Oriental que aumentou o nível de alerta. Apesar de o arquipélago aparentemente não ser tão atrativo, mesmo com prospectos de petróleo em seu entorno, ele está localizado exatamente entre Japão, Coreia do Sul, China, e sua “província rebelde”, Taiwan, em uma das principais rotas comerciais – aéreas e marítimas – e de importância militar da Ásia.

Desde o estabelecimento de tal zona de defesa aérea, Pequim exige que todos os voos, civis ou militares, devem submeter seus planos a sua aprovação. Exigência essa que Washington aconselhou a suas companhias aéreas para cumprirem, mas que não se estendeu a suas ações militares. Os EUA, assim como o Japão, continuaram a enviar aviões militares para sobrevoar a zona proibida, o que foi prontamente respondido por Pequim, também enviando seus aviões para a área. Mas nenhum contato, nem por rádio, foi feito entre as aeronaves.

[caption id="attachment_37424" align="alignleft" width="384"] Duas das ilhas que formam o arquipélago em disputa (BehBeh/Wikimedia Commons)[/caption]

Com a Guerra Fria, o Japão e a Coreia do Sul se tornaram os principais aliados dos Estados Unidos no Extremo Oriente. Seus compromissos militares de defesa mútua são os mais sólidos e importantes para Washington. Os EUA possuem diversas bases militares pelo Japão e seu maior efetivo militar – 28,5 mil soldados – em terras estrangeiras está na fronteira da Coreia do Sul com a vizinha do Norte, ironicamente chamada “Zona Desmilitarizada da Coreia”.

Duelo de novos líderes

No entanto, os reais motivos de Pequim ainda não são claros. Principalmente pelo timing da decisão chinesa: o vice-presidente Joe Biden estava com viagem marcada para o início de dezembro para Japão, China e Coreia do Sul, quando a ADIZ foi estabelecida. Segundo, Shen Dingli, professor pela Universidade Fudan em Xangai, diz que o conceito e prática da ADIZ não são uma invenção chinesa, e sim americana. E que a inclusão das ilhas em disputa na zona aérea também não é exclusividade chinesa, uma vez que o Japão também possui sua própria ADIZ contendo o arquipélago. O professor também diz que, “desde que Xi Jinping assumiu [em março de 2013], ele tem remodelado a política externa chinesa no que concerne à soberania e à estabilidade”.

O corresponde no Japão do The Guardian, Simon Tisdall, aponta o nacionalismo do – também eleito recentemente – primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, mas destaca que o líder japonês teria como plano encerrar as Constituições pacifistas que o país tem desde 1945 e passar ter um papel maior no cenário mundial, aumentando acordos de defesa com seus vizinhos. No que ele conclui ser “um retrocesso de volta aos maus dias do imperialismo japonês”.

Resumindo as duas visões, temos a jornalista e especialista na China, Isabel Hilton. “O valor simbólico das ilhas Diaoyu/Senkaku agora está anexada em uma competição imprevisível de orgulho nacional [com o Japão]”. Ambos os países sempre foram vizinhos complicados e em nenhum outro lugar no mundo a agressão japonesa, antes e durante a Segunda Guerra, é mais lembrada do que na China.

Histórico

A disputa pelas ilhas tem sido debatida pelo Direito Internacional há mais de um século. Cronologicamente, elas passaram da China para o Japão em 1895, com a assinatura do Tratado de Shimonoseki. A situação começou a complicar após a vitória dos Aliados na Europa, onde China, EUA e Reino Unido emitem a Declaração de Potsdam em 1945. De acordo com Xiong Jie, professor na Universidade Nova York, a China teria bases jurídicas na disputa pelas ilhas, uma vez que a Declaração de Potsdam estabelecia que a Declaração de Cairo, de 1943, estipulava que a soberania japonesa limitava-se as suas principais ilhas e que a soberania das “ilhas menores” seria determinadas pelos países aliados.

Em contrapartida, os japoneses entendem que o verdadeiro tratado que definiu efetivamente o território japonês do Pós-guerra, foi o Tratado de São Francisco, de 1951, no qual as ilhas Senkaku não eram renunciadas pelo Japão, simplesmente teriam sido transferidas para o controle dos EUA. Este, por sua vez, as teria repassado para o Japão em 1972, já no contexto da Guerra Fria. Para complicar mais ainda, Taiwan também alega soberania sobre as ilhas, o que também é aceito pela China, entretanto, o que o país não reconhece é a autonomia de Taiwan sobre si própria, consequentemente, as ilhas seriam suas.

O jogo de xadrez político no Mar Oriental da China e sua resolução ainda são imprevisíveis. Apesar de um conflito entre os dois países não ser considerado uma possibilidade real – uma vez que os EUA seriam inevitavelmente tragados juntos para o embate – o fato dos dois estadistas asiáticos estarem querendo mostrar mão forte, do lado japonês e, poder de barganha, do lado chinês, no primeiro ano de mandato de ambos, leva tensão a uma região que não precisaria disso no momento.