O Estado para reduzir as desigualdades

Tânia Bacelar, especialista em desenvolvimento regional, fala sobre governança, participação e a postura estatal para atuar na redução das desigualdades

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Tânia Bacelar, especialista em desenvolvimento regional, fala sobre governança, participação e a postura estatal para atuar na redução das desigualdades

Por Adriana Delorenzo

A economista e socióloga Tânia Bacelar foi um dos destaques do Fórum Social Temático da Bahia. Especialista em desenvolvimento regional, em entrevista concedida à Fórum – em parceria com a organização do Seminário Crises e Oportunidades –, ela falou sobre o papel do Estado no atual cenário global e também discutiu o aprofundamento dos mecanismos de participação democrática e a necessária mudança das práticas de governança atuais. Confira trechos da entrevista abaixo.

Qual Estado? O Estado continua tendo importância nos países ditos mais desenvolvidos, e nessa onda liberal que passou pelo mundo recomendavam que a gente o desmontasse, principalmente os Estados Nacionais dos países mais frágeis. E é um caminho equivocado, temos que fortalecer os Estados nacionais, principalmente em países como o Brasil, ainda em processo de ocupação do seu território e em consolidação do uso dos seus potenciais.

O desafio não é desmontar o Estado, o desafio é como usar esse Estado, definir a favor de quem ele vai operar. Então ele precisa ter presença, estar bem estruturado e ter controle social. Então o desafio é tudo, é estruturar o Estado, discutir para que ele serve, como deve atuar e ter uma sociedade civil educada, consciente do que quer para que ela controle esse aparato.

Governança e democracia No Brasil e no mundo hoje a gente discute o modelo democrático e consideramos que a governança tem que dar espaço para que a democracia se consolide. A democracia é o melhor regime que a gente conseguiu construir. Tem seus defeitos, mas não existe outro sistema melhor. Só que estamos aprendendo a combinar democracia representativa e democracia participativa, e acho que essa é a novidade. As principais nações do mundo desenvolveram bem a democracia representativa, mas, principalmente em sociedades heterogêneas como a do Brasil, muito desiguais, a democracia representativa mostra seus limites com mais rapidez, então o que estamos tentando no Brasil depois da democratização é aprender como combinar melhor a democracia representativa com a democracia participativa.

Um exemplo que gosto de dar é o do Orçamento Participativo na esfera dos municípios. Ele não desmontou o poder das câmaras municipais, mas articulou um outro tipo de participação que se dá nos fóruns dos bairros, para que as pessoas possam escolher os investimentos que vão ser feitos naquele lugar. Para isso ele é muito bom; agora, para ter a visão geral da cidade, já começa a ter alguns problemas porque é preciso ter uma leitura de conjunto da cidade, que naquela assembleia local nem sempre se consegue ter. Então ele é um bom instrumento, mas também tem seus limites, estamos aprendendo a fazer isso, ainda é uma experiência recente.

Construir de baixo

Hoje há experiências que tentam combinar políticas públicas que são construídas no Brasil a partir de conferências municipais, estaduais, nacionais. Quem deu o exemplo foi a Saúde, depois muitas outras políticas públicas, como cultura, educação, defesa social, passaram a ser construídas com esse mecanismo. Nós não estamos dispensando o Congresso Nacional, estamos aproveitando essa energia e esse conhecimento da sociedade brasileira para construir políticas mais de acordo com os anseios da sociedade brasileira e com o que é a diversidade do país. O Brasil não é fácil, é muito desigual, e as necessidades e potencialidades de cada lugar não são as mesmas. Esse discurso de vir de baixo, de construir a partir da visão de cada município até chegar a uma discussão considerando o que é diverso e nacionalmente relevante, localizando nossos pontos de unidade, é uma boa maneira de construir política pública e o Brasil tem feito isso e acho que com muita competência.

A redução das desigualdades

Durante muitos anos o trabalhador rural brasileiro não tinha Previdência, a Assembleia Constituinte definiu que esse direito é do trabalhador rural, e o governo teve que assumir essa transferência de renda. Nós vamos tirar de outros contribuintes para levar a esses contribuintes. Sou defensora dessa iniciativa, muita gente foi contra porque disse que ia falir a Previdência, até que a gente consiga que as próximas gerações não precisem dele, essa geração está precisando. Eu entendo isso como direito, portanto o Estado tem que servir para isso, tem que tirar de quem pode mais e disponibilizar a receita pública para quem não pode nada. Ele deve ser um patrocinador dessa redução das desigualdades sociais, essa tem que ser a atribuição de um Estado que se quer democrático.

A lógica do capitalismo e a lógica da natureza

A lógica natural do capitalismo é a lógica da geração da desigualdade. Ele convive melhor com a igualdade exatamente onde a sociedade é mais democrática, onde as organizações têm mais força e conseguem empurrar programas e políticas de redução da desigualdade, então depende da organização da sociedade que força o governo e as próprias empresas a isso. Em uma sociedade capitalista, a empresa busca o lucro e tem um foco muito grande no curto prazo. Se ela não sobreviver no curto prazo, ela está ferrada. E a natureza se desenvolve no longo prazo, para você recriar um ecossistema às vezes são necessários milênios, então as duas lógicas não são adequadas uma à outra. Aí, de novo é preciso que a sociedade tenha consciência ambiental e que regule o uso da natureza pelas empresas capitalistas. E é possível fazer isso, é possível explorar recursos sem depredar a natureza.

Um exemplo que gosto de dar é um que representa um cuidado mínimo. Você quer explorar a floresta? Então não passe a motosserra embaixo, porque passando embaixo você está matando as árvores que estão nascendo e as árvores que estão maduras. Pode explorar, desde que se faça o corte seletivo e replante. Tem que se estudar a lógica daquele ser vivo que está ali, qual é a sua lei de reprodução e respeitá-la, aproveitando economicamente porque aquilo vai atender a necessidades humanas. Não sou contra aproveitar; agora, a forma de aproveitar é que é a discussão, e para isso é preciso uma sociedade consciente de que você não pode depredar. Acho que nos dois casos é necessário que a sociedade se mobilize para defender tanto uma sociedade mais justa como o uso mais adequado de recursos que são bens comuns, e não de alguns. Embora possa existir a propriedade privada sobre eles, o uso não pode ser do jeito que cada um quer.

Essa matéria é parte integrante da edição impressa da Fórum 84. Nas bancas.