Obama x Republicanos: Faz diferença?

Escrito en NOTÍCIAS el
As eleições presidenciais de 2012 nos EUA podem ser vistas no contexto mais amplo da Primavera Árabe, do Movimento M-15 na Espanha, da mobilização grega e mesmo do ressurgimento do movimento popular no Brasil, de Jirau às Marchas da Liberdade. Apesar de bem diferentes, todos esses acontecimentos dão testemunho de uma profunda crise de representatividade do sistema político tradicional e da emergência de uma multidão que não se vê contemplada nos partidos. A mobilização nos Estados Unidos não é comparável, claro, com o que se tem visto em outras partes do mundo. A última greve estadunidense de impacto nacional foi a dos controladores de voo, em 1981. Ela foi brutalmente decepada por Ronald Reagan com demissões sumárias, em massa. As manifestações contra a guerra do Iraque, em 2003, foram tímidas em comparação com a avalanche popular que tomou as ruas da Europa. O fortalecimento do chauvinismo anti-árabe a partir do 11 de setembro de 2001 colocou a esquerda dos EUA na defensiva e tornou impensável um movimento antiguerra como o que ocupou as ruas e os campi universitários na época da invasão ao Vietnã, nos anos 1960. Mas há sinais de que os Estados Unidos não estão alheios ao ressurgimento das mobilizações populares. Os recentes protestos massivos em Wisconsin contra os cortes de pensão e o arrocho salarial aos funcionários públicos tiveram uma dimensão que não se via há tempos. O movimento passou por cima dos dois grandes partidos e mesmo do sindicato local, desmentindo aqueles que acreditavam que já não veríamos mobilizações da classe trabalhadora no país. A mesma crise de representação política que lança multidões às ruas na Europa causa um esvaziamento inédito em suas eleições parlamentares e presidenciais. As abstenções e os votos brancos e nulos atingiram percentuais recorde na recente eleição espanhola, por exemplo. Nos EUA, o quadro parece também evoluir neste sentido. Com certeza, não se verá uma repetição da enorme mobilização da juventude que precedeu a eleição de Barack Obama em 2008. O comparecimento às urnas deve ser menor, especialmente na base do Partido Democrata, desiludida com um governo que, em muitos sentidos, não se diferenciou significativamente do de George Bush. Apesar de tudo isso, Obama ainda é o franco favorito. O sistema eleitoral estadunidense favorece a situação e o campo de pré-candidatos republicanos não é exatamente forte. Sua popularidade, depois do momentâneo aumento advindo do assassinato de Bin Laden, retornou aos níveis de 46-48%, o que é zona de perigo para um presidente que tenta a reeleição. A boa notícia para Obama é que a popularidade da Câmara de Deputados republicana é ainda menor. O contexto econômico em que acontecem as eleições se configura desfavorável para o presidente. Embora a catástrofe tenha sido uma herança da desregulamentação desenfreada da era Bush, tempo suficiente já se passou para que a crise seja percebida como responsabilidade de Obama. A recuperação que se anunciava na virada do ano não se confirmou. A taxa de crescimento da economia não ultrapassa 1,8% no momento. Em maio, houve apenas 54 mil contratações no país todo, o menor número dos últimos oito meses. O desemprego oficial subiu para 9,1%, o que dá uma taxa real de, pelo menos, 16%, se contamos os trabalhadores que já desistiram de procurar e aqueles que trabalham menos horas do que gostariam. Desse universo, quase a metade está desempregada há mais de seis meses. 44 milhões de estadunidenses (um em cada sete) dependem dos humilhantes food stamps, um vale-comida oferecido pelo governo. Nada indica que esta situação se alterará significativamente até as eleições de novembro de 2012. Obama não deve ter opositores na primária democrata e será o candidato do seu partido. O campo de pré-candidatos republicanos ainda está confuso e, para entendê-lo melhor, cabe uma explicação sobre a dinâmica das primárias eleitorais estadunidenses. É comum que, durante as primárias, os pré-candidatos enfatizem mais as posições liberais, no caso democrata, e conservadoras, no caso republicano, para conquistar os votos da base mais radicalizada de seus respectivos partidos. Depois, caminham na direção do centro durante a eleição geral. É a lógica do bipartidarismo. A esquerda sabe que, por mais centrista (ou mesmo direitista) que seja o candidato democrata, o republicano será pior. A direita mais extremista sabe que, por mais moderado que seja o candidato republicano — como McCain, por exemplo, o era para muitos —, o democrata será ainda mais inaceitável. Isso instala uma dinâmica em que, basicamente, a luta na eleição geral é pelo eleitor centrista e independente. A única chance de se romper com essa lógica é mobilizar a própria base para um comparecimento recorde às urnas, já que o voto é facultativo. Essa foi, até certo ponto, a chave para a eleição de Obama em 2008. Negros, jovens e trabalhadores urbanos votaram em números inauditos. Essa pode ser também a chave em 2012, com sinal invertido. Obama é favorito, mas caso se acentue a apatia na base democrata e a direita mais extremista consiga mobilizar o voto religioso como fez em 2004, o atual presidente corre perigo. A escolha republicana Até agora, o líder das intenções de voto no campo republicano é o ex-governador de Massachusetts, Mitt Romney, que já foi pré-candidato a presidente em 2008. No Brasil, ele seria um político do DEM. Nos EUA, é um republicano moderado. Tem em comum, com todos os seus pares republicanos, o fato de que seu único plano econômico é a repetição da receita neoconservadora: cortar impostos, cortar impostos, cortar impostos. No estágio atual de descapitalização do Estado, seria suicídio a longo prazo. Mas a mensagem ecoa na classe média estadunidense, que traz um sentimento antigoverno bastante arraigado. Romney talvez seja o candidato republicano mais elegível, mas ele enfrentará pelo menos dois grandes obstáculos em primárias republicanas, nas quais a ultra-direita do Tea Party com certeza demonstrará força. Romney sancionou, quando era governador de Massachusetts, um plano estadual de saúde não muito diferente do aprovado por Obama e agora contestado pelos republicanos na Suprema Corte. Será atacado de forma violenta por isso durante as primárias, não há dúvidas. Caso ele conquiste a indicação, estará em condições muito precárias para criticar Obama na questão da saúde, que é um dos grandes pontos polarizadores entre republicanos e democratas no momento. Em segundo lugar, Romney é mórmon e dificilmente mobilizará a base republicana como um cristão evangélico seria capaz de fazer. São os seus dois grandes passivos na tentativa de manter a liderança nas primárias. No extremo oposto do campo político republicano, está a ultradireitista Michele Bachmann, a grande sensação da peleja até agora. Trata-se de uma deputada de Minnesota que iniciou a carreira política pregando contra a “doutrinação liberal” nos livros didáticos. É a favorita da base do Tea Party. Sua coleção de declarações a colocariam, se estivesse no Brasil, à direita de Bolsonaro. Já afirmou que gays são “coisa de Satã” e suas referências à homossexualidade como “distúrbio” ou “disfunção sexual” são constantes. Para Bachmann, Obama, que tem como assessores econômicos os neoconservadores Timothy Geithner e Lawrence Summers, representa o “último salto antes do socialismo” nos Estados Unidos. Ela propôs que deputados e senadores tenham suas vidas investigadas para detectar qualquer “atividade antiamericana” e disse ter encontrado indícios de um plano para ceder metade do Iraque ao Irã. Não acredita em aquecimento global e já afirmou que o dióxido de carbono é “algo que está acontecendo naturalmente na Terra” e que “não provoca danos”. Também disse que seria possível eliminar o desemprego abolindo o salário mínimo. Levantou recursos para a organização extremista “You can run but you cannot hide” (“Você pode correr, mas não pode se esconder”) que, entre outras coisas, já propôs o fuzilamento de gays. Evidentemente, Bachmann é anti-aborto e propõe a recusa completa do plano de saúde de Obama. Os outros candidatos incluem Tim Pawlenty, que exerceu dois mandatos como governador de Minnesota, Newt Gingrich, que foi presidente da Câmara dos Deputados durante o governo de Bill Clinton, em meados dos anos 1990, Rick Perry, governador do Texas que já chegou a propor a secessão do estado, o libertário e isolacionista radical Ron Paul, contrário a qualquer forma de presença do governo na vida dos cidadãos, Jon Huntsman, Jr., bilionário mórmon e ex-governador de Utah, e a indefectível Sarah Palin, candidata a vice-presidente na chapa de John McCain em 2008. O mais provável é que um desses oito pré-candidatos enfrentará Obama nas eleições do ano que vem. Pawlenty teve, no seu primeiro mandato em Minnesota, um perfil de republicano moderado mais próximo a Romney. No segundo mandato, ocorreu uma radical guinada à direita, marcada por uma violenta política de repressão ao crime e descapitalização dos serviços públicos. Na opinião da maioria dos analistas, a adoção de posições cada vez mais conservadoras já era indicativa de suas ambições presidenciais, posto que é difícil que alguém vença as primárias republicanas este ano sem fazer concessões significativas ao Tea Party. Ao contrário de Romney, Pawlenty jamais apoiou qualquer plano de saúde que tivesse semelhanças com o de Obama. Na eleição geral, ele não poderia ser atacado por esse flanco. Estaria livre para fazer o discurso de que o moderadíssimo plano de saúde de Obama é um “passo ao socialismo”. Sarah Palin tem a vantagem de trazer o reconhecimento de nome advindo da campanha eleitoral de 2008, mas possui taxa de rejeição altíssima e já se converteu numa figura quase folclórica. Sua base habitual, a ultradireita do Partido Republicano, parece mais entusiasmada com Michele Bachmann. De longe, Newt Gingrich é o mais preparado. Na grande vitória dos republicanos sobre Bill Clinton nas legislativas de 1994, ele surgiu como a grande estrela do que se propagandeou como “o novo século para a América”. Mas as táticas extremistas, como a de recusar um acordo orçamentário e forçar o governo a fechar as portas, acabaram destruindo o prestígio de Gingrich, e Bill Clinton se reelegeu com facilidade em 1996. Recentemente, Gingrich foi massacrado pela extrema-direita, quando declarou que o plano republicano para a Seguridade Social, que prevê uma virtual abolição do serviço, era extremista em excesso. A pancadaria foi de tal ordem que ele se retratou poucos dias depois. Sem dúvida, a figura mais singular é Ron Paul, isolacionista e ultralibertário — no sentido estadunidense da palavra, que designa aqueles que se opõem a qualquer presença do Estado na vida dos cidadãos, e que, portanto, defendem a legalização das drogas, o fim de qualquer ajuda estatal aos mais pobres e até mesmo a revogação de leis como a obrigatoriedade do cinto de segurança. Paul arrebatou um séquito leal e dedicado nas últimas eleições e tem a originalidade de defender posições que estão à esquerda do Partido Democrata em política internacional. Ele propõe, por exemplo, a retirada imediata e total das tropas dos EUA do Iraque e do Afeganistão. Também defende que os EUA se retirem da Organização Mundial do Comércio, da ONU e do FMI, além de propor um desmantelamento completo dos serviços estatais de assistência social. Corre por fora no Partido Republicano, sem dúvida, e não conta com uma campanha muito rica. Mas, no contexto atual, não dá para descartá-lo de antemão. A campanha democrata já sabe que alguns dos estados conquistados em 2008 serão perdidos. Parece difícil, por exemplo, que Obama repita sua vitória em Indiana, tradicional bastião republicano conquistado nas presidenciais de 2008, mas recuperado com folga pela direita nas legislativas de 2010. O desemprego em Indiana, como em quase todo o meio oeste, atinge níveis assustadores, bem acima dos números nacionais. Mesmo na Carolina do Norte, estado sulista e conservador que passou por grandes transformações demográficas nos últimos anos, com população mais jovem, urbana e ligada às novas tecnologias (base da vitória de Obama em 2008), o candidato republicano, seja ele quem for, será o favorito. Mas a direita depende da conquista de estados maiores, como Ohio ou Flórida, onde a disputa será bem mais dura. As perspectivas para Obama ainda são boas, em parte porque o campo republicano é fraco, e em parte porque a direita hoje tem dificuldades para unificar o conservadorismo fiscal (a defesa do Estado mínimo) e o conservadorismo social (o ataque ao aborto, ao casamento gay etc.). A terceira perna do projeto de direita que se impôs com sucesso na década passada, o conservadorismo “falcão” e intervencionista em política externa, deve cumprir um papel menos central nesta eleição, que ocorre numa época em que as guerras já são cada vez menos populares. Uma melhora, ainda que mínima, na economia pode decidir a parada para Obama. O que é certo é que, mesmo que essa vitória aconteça, ela será saudada dentro e fora dos EUA com muito menos entusiasmo e esperança do que foi o caso em 2008. O atual presidente deportou mais imigrantes que Bush, manteve as escutas ilegais sobre cidadãos estadunidenses suspeitos de “colaboração com o terrorismo”, foi tão violento contra o Wikileaks como teria sido qualquer republicano, não cumpriu a promessa de fechar Guantánamo, defendeu e aprovou um plano de saúde que sequer oferece uma alternativa pública às companhias de seguro, bombardeou o Paquistão mais vezes que Bush, aumentou o número de tropas no Afeganistão e estendeu os cortes de impostos para os ricos, inicialmente aprovados pelo seu antecessor como medida temporária. Só mesmo o delirante extremismo de alguns candidatos republicanos nos lembra que, talvez, a eleição faça alguma diferença.