A objetificação e hipersexualização da mulher negra

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Por Jarid Arraes A sexualidade é um campo diverso e subjetivo e, por isso, nada a seu respeito é unânime. A construção sexual de cada pessoa é única, não podendo jamais ser caracterizada de forma universal. No entanto, a reação da sociedade com relação à sexualidade feminina costuma ser bastante retrógrada; e enquanto esse sistema de organização social subjuga todas as mulheres, o quadro é especialmente complicado para as mulheres negras. Todas as mulheres são objetificadas culturalmente e usurpadas de qualquer autonomia. Para o gênero feminino, há um processo compulsório a ser vivido para que a soberania sobre a própria sexualidade seja retomada. É necessário um esforço extremamente desgastante para conseguir sair da posição de objeto, sem direito a voz, e obter competência sobre a própria vida sexual. A forma como a manutenção sobre a sexualidade feminina é exercida varia de acordo com as outras intersecionalidades da mulher em questão - essa diferença na percepção das situações não é livre de influências socioculturais e é por isso que uma mulher negra sofre os efeitos do machismo de forma tão específica. A mulher negra é cercada de dicotomias quando o assunto é seu corpo: por um lado, há um misto de invisibilidade e indesejabilidade quando o corpo feminino é negro, pois no mercado erótico, nas revistas masculinas e na representação midiática prevalecem as mulheres brancas e loiras como mulheres desejáveis. Mamilos, axilas e genitais negros, por exemplo, são considerados asquerosos, havendo uma infinidade de produtos com o fim de clarear essas partes. As qualidades sexualmente desejáveis são sempre aquelas associadas ao corpo da mulher branca e mesmo as características consideradas ruins, como o cabelo crespo ou nariz largo, são muito mais toleradas em uma mulher de pele clara. Nas raras ocasiões em que a sociedade expressa algum desejo por mulheres negras, é quase sempre pela ideia de que a mulher negra é um “sabor diferente” e “mais apimentado” de mulher. O corpo feminino negro é hipersexualizado, considerado exótico e pecaminoso. Quem nunca ouviu falar que a mulher negra tem a “cor do pecado”? Essa é a brecha que sobrou para que o racismo continue a ser imposto às mulheres negras: a dicotomia do gostoso, exótico e diferente, mas que ao mesmo tempo é proibido, impensável, pecaminoso e não serve para o matrimônio ou monogamia. Nossa sociedade já considera geralmente que o racismo é algo ruim; o problema, em grande parte, está em identificar o racismo dentro de atitudes e políticas do dia a dia. E segregar sexualmente as mulheres negras também é uma forma de racismo, embora socialmente aceitável atualmente. As meninas e adolescentes negras são vistas sob um olhar objetificador, são as maiores vítimas da exploração sexual e, uma vez que a grande maioria provém das camadas mais pobres – vestígios racistas inegáveis de uma sociedade escravocrata -, são inseridas muito cedo no mercado da prostituição. Por esses fatores, a garota negra cresce com o estigma de ser promíscua. E a verdade é que a sociedade não reflete sobre a objetificação e exploração que impõe às garotas negras, ela apenas reforça seus conceitos racistas de exotificação e condena a mulher negra a uma vida em que sua sexualidade será sempre sua algoz. É essa garota negra que será usada como bode expiatório para opiniões machistas sobre gravidez na adolescência e também é essa mulher negra que será considerada eternamente a mãe solteira, sem marido e sem moral. O fato é que seria incoerente analisar a sexualidade da mulher negra com a mesma ótica que observamos a mulher branca. Há fenômenos socioculturais específicos de uma população negra, especialmente dentro de um contexto de segregação e classe social - e essas especificidades podem funcionar ao mesmo tempo como opressoras e empoderadoras para mulheres negras. No final do dia, nenhuma mulher está livre das imposições culturais machistas. A necessidade não é de negar a objetificação, exploração e violência cometidas contra qualquer mulher, mas sim de saber que há diversidade nos contextos. É preciso lidar diretamente com as especificidades de cada grupo e promover discussões mais abrangentes, expondo os valores racistas enraizados e estabelecendo um ambiente onde as mulheres negras possam se empoderar. Foto de capa: Reprodução