#OcupaEstudantes: A escola precisa ser mais humana

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Hoje, blogs, sites e colunistas estão abrindo seus espaços para que estudantes de São Paulo possam falar, usando suas próprias vozes, sobre a experiência que estão vivendo de se juntar e lutar contra o projeto de reorganização das escolas da rede pública de ensino do Estado de São Paulo. Todos os textos serão reunidos pela hashtag #OcupaEstudantes. Tenho a honra de abrir espaço para Pamella Pereira de Matos, aluna da Escola Estadual Manoel Ciridião Buarque:   Meu nome é Pamella, tenho 16 anos e estudo na escola Estadual Manoel Ciridião Buarque, localizada na Vila Ipojuca – alto da Lapa, que está ocupada desde o dia 23 de novembro. Resolvi escrever esse texto – um relato, na verdade - para esclarecer o que é uma ocupação, por que fazer uma ocupação e o ponto de vista de alguém que viveu e, por enquanto, ainda vive dentro de uma. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, no inicio de setembro desse ano, apresentou uma proposta para “reorganizar” as cinco mil escolas da rede estadual de ensino. No início do ano letivo de 2016, as unidades com três ciclos de ensino (1º ao 5º, do Fundamental, 6º ao 9º do Fundamental e Ensino Médio) deverão ser reduzidas para que aumente a quantidade de escolas com apenas um ciclo. É necessário esclarecer que nem todas as escolas sofrerão diretamente com a “reorganização” – é o caso da minha. A questão é: essa proposta de “reorganizar” o ensino público foi feita de forma vertical, sem ao menos consultar os atores envolvidos e nem entender o cenário das escolas públicas, afetando a vida dos estudantes, dos pais dos estudantes, dos profissionais que trabalham nas escolas. Enfim, prejudicando a vida de toda a comunidade e o ciclo pedagógico construído dentro das instituições de ensino público. A minha proposta nesse texto não é explicar objetivamente a proposta de “reorganização”, mas sim relatar experiências da ocupação. Após a notícia dessa proposta, houve dezenas de manifestações em prol das escolas, contra a re(des)organização. No inicio de novembro, diversas escolas foram ocupadas por estudantes, como forma de enfrentar e revogar a decisão do governador. Desde o começo, foi perceptível a repressão com que os estudantes foram recebidos. Cordões de polícia em volta das escolas ocupadas, bloqueio da passagem de alunos para dentro dos espaços educacionais. Não houve diálogo, somente truculência de uma polícia capataz de um Estado que reprime qualquer grupo ou pessoa que não aceita suas decisões. A minha escola não sofrerá com a reorganização diretamente, porém, muitas salas irão superlotar, o rendimento do aprendizado cairá. Será quase impossível dar e assistir aula numa sala com mais de quarenta e cinco alunos. O Ciridião foi ocupado no dia 23 de novembro. Quando eu cheguei, fiquei surpresa. Jamais imaginei que uma escola tão ‘tradicional’ e rígida iria reagir contra o projeto. O que me deixou mais feliz foi ver que quem estava por detrás desse movimento eram meninas. As meninas organizaram tudo. As meninas bateram de frente com aqueles que sempre nos ensinaram que eram as autoridades. Apontaram o dedo na cara da diretora e disseram que ocupação não é invasão. O protagonismo e a força dessas meninas, que sabiam o que estavam fazendo e por que estavam fazendo e que tomaram frente de tudo, me devolveram todas as esperanças que eu já havia perdido de mudar alguma coisa. Outro ponto importante a destacar foi a atuação de pessoas de fora do movimento. A ajuda que recebemos, seja com alimento, com palestras, aulas, atividades, conversas foi significativamente importante, não só para manter a ocupação, mas para nos motivar. Como mulher, estudante de escola pública e moradora da perifeira, sempre conheci o machismo. Sempre via, mesmo não sentindo, o que é o racismo, a homofobia e todo tipo de preconceito. Dentro da ocupação, nós, alunos, construímos um mundo nosso. Um mundo longe de machismo. Longe de racismo, de homofobia, de transfobia, de gordofobia e de qualquer tipo de preconceito. Construímos um mundo de solidariedade e empatia. Um mundo onde existe utopia e dimensão do coletivo. Construímos um mundo de respeito, amor e carinho um pelo outro. Um mundo onde existe utopia e esperança de nunca desistir. É engraçado ver que boa parte da população não nos leva a sério. Parafraseando o Chorão, do Charlie Brown Junior: “o jovem no Brasil nunca é levado a sério”. E o que acontece é que muitos acham que dentro da ocupação acontecem baderna e orgia. E é muito pelo contrário. Nós reformamos o palco, limpamos a escola, temos o controle dos alunos que entram e que saem. Acontecem debates, aulas, palestras, atividades, etc. Nós trabalhamos em conjunto, de forma autônoma e horizontal. Sem hierarquia de poder. Dentro das ocupações não existem chefes, não existe ninguém melhor que ninguém. O que existem são pessoas. Pessoas lutando por um futuro e um presente melhor. Lutando para que nenhum passo seja dado para trás. Mesmo apanhado de PM, mesmo brigando com nossas famílias, mesmo sendo reprimidos e coagidos, nós continuamos e resistimos. Aliás, todos regimes autoritários só caíram após muita luta. Dentro dessa ocupação aprendi muito mais do que aprendi em dez anos de escola. Aprendi sobre compartilhar, sobre ter paciência e esperança. Conheci pessoas maravilhosas. Meninas que bateram de frente com a diretora, que nos repreendeu desde o começo, que nos deixou sem água, trancou a cozinha e todos os espaços. Aprendi a ter força e a lutar e que, juntos, somos fortes. E a cada gargalhada dada dentro daquela ocupação, uma utopia a ser almejada. A cada riso, um sonho compartilhado. A cada abraço, a felicidade do aconchego. Posso ousar em dizer que a escola se torna mais bela sendo dirigida pelos alunos. Nós não precisamos de espaços que nos reprimam. De cruel, já basta o resto do mundo. A escola precisa ser um lugar que acolha, que nos ensine, mas que também nos ouça. A escola precisa ser mais humana.   Imagem de capa: Reprodução / Facebook