Opinião: Não, o Estado brasileiro não é grande

Como pode-se dizer que é grande um Estado que não oferece a coleta de esgoto à metade da população, que deixa 3 de cada 4 cidadãos à mercê de um sistema de saúde precário e em que mais da metade dos formandos no ensino público são analfabetos funcionais? Pode ser ineficiente e certamente muito injusto, mas grande não é.

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Por André Levy, em seu blog Como pode-se dizer que é grande um Estado que não oferece a coleta de esgoto à metade da população, que deixa 3 de cada 4 cidadãos à mercê de um sistema de saúde precário e em que mais da metade dos formandos no ensino público são analfabetos funcionais? Pode ser ineficiente e certamente muito injusto, mas grande não é. Quando se fala de tamanho do Estado no Brasil, frequentemente fala-se da carga tributária. E frequentemente quando se fala de carga tributária, fala-se de arrecadação fiscal como percentual do PIB. Mas serviço público não é custo variável; não fica mais barato quando o PIB decresce. O Estado continua pagando o mesmo número de professores, médicos, enfermeiros, policiais… Falar de carga tributária como percentual de PIB é como colocar o aluguel da padaria no custo do pãozinho. A carga tributária média mensal brasileira é Int$403 per capita¹. É a 5ª menor entre as 20 maiores economias do mundo, depois de China, Índia, Indonésia e Irã. Mas mesmo como percentual do PIB, a arrecadação fiscal do Brasil é menor que a da Dinamarca, Bélgica, Suécia, França, Noruega, Finlândia, Áustria, Itália, Alemanha, Islândia, Holanda, Eslovênia, Hungria, Grã Bretanha, Espanha, Argentina, Portugal, Israel, Luxemburgo, Rep. Tcheca, Nova Zelândia e Bulgária. Frequentemente, quando se aponta que mesmo percentualmente a arrecadação fiscal brasileira não é alta comparada a estes países, contra-argumenta-se que no Brasil paga-se impostos escandinavos para receber serviços públicos africanos. Há um truque retórico aí. É como se quisesse dizer: “com serviços públicos assim, não vale a pena; prefiro não pagar”. Então ao invés de melhorar a qualidade dos serviços públicos, fica todo mundo sem, e cada um que se vire. Para dar um ar científico para o sofisma, aponta-se para o IRBES (Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade) do IBPT (Instituto Brasileiro de Pesquisa Tributária). O índice é calculado como a soma de 85% do IDH e 15% da arrecadação em percentual do PIB. O que se conclui disso? Praticamente nada. Primeiro, quanto maior for a arrecadação fiscal, maior o retorno. Ou seja, um país que tributa 80% do seu PIB e tem IDH igual a 0,1, tem melhor “retorno” que um que tributa 10% e tem IDH de 0,2. Não faz o menor sentido. Segundo, o IDH de um país tem muito mais a ver com a sua história do que com a sua arrecadação fiscal, especialmente em percentual do PIB uma vez que já vimos que serviços públicos são custo fixo, não variável. O Brasil, com sua história colonial, escravagista por 400 anos, a mais longa de toda a América, tem uma enorme dívida social. Sem falar que tem dimensões continentais, a 4ª maior população do mundo, e uma das mais diversas. Não dá para comparar com país escandinavo de loiros com olhos azuis. Há muito pouca correlação entre IDH e arrecadação fiscal, mas na pouca correlação que há, o Brasil está perfeitamente em linha.

Argumenta-se então que o Estado brasileiro é inchado. Aponta-se os 39 ministérios e o número de cargos comissionados. Sem dúvida, há problemas. E problemas sérios. Mas a tese de que o Estado brasileiro é inchado não se verifica se olharmos para quantas pessoas trabalham no setor público. O Estado brasileiro emprega pouco mais que 10% do mercado de trabalho; na Noruega e na Dinamarca, pelo menos 1 de cada 3 trabalhadores são funcionários públicos. Mesmo o Chile, frequentemente citado como modelo de eficiência no setor público na América do Sul, emprega uma parcela do seu mercado 50% maior que o Brasil.

 Mas então para onde vai o imposto, se os serviços são tão ruins? A grande maioria retorna em transferências diretas para os próprios cidadãos. Já de início quase um terço (31%) da arrecadação vai para pagar INSS e previdência. Juros são mais 14%, somando 45%. Do que sobra, há muito o que se melhorar na eficiência e no combate a desvios, mas é bom ter em mente que metade do que pagamos já tem endereço certo.

 E para quem vai o resto? Na educação, por exemplo, 30% vai para o ensino superior:

E de fato, em 2009, gastou-se por aluno no ensino superior no Brasil cinco vezes mais do para cada aluno do ensino básico. É tão mais que em outros países que nem cabe no gráfico:

Gasto no ensino médio e superior comparado ao ensino fundamental, 2009

Entre inscritos no INSS, servidores públicos aposentados e universitários, começa a ficar claro para onde vai o dinheiro dos impostos no Brasil: a classe média. O outro ralo para onde vai o dinheiro é a “renúncia fiscal” da sonegação. O Sinprofaz estima que em 2014 sonegou-se R$500 bilhões. Em 1 só ano, os sonegadores tomam para si do patrimônio público o equivalente a 20 anos de Bolsa Família. Então quem paga o imposto?

Quem ganha até 2 salários mínimos paga quase metade (49%) da sua renda em imposto; quem ganha mais de 30 paga pouco mais que um quarto (26,3%). Para quem ganha bem, o Brasil é praticamente um paraíso fiscal (especialmente dadas as oportunidades de evasão). E quem ganha pouco é quem realmente mais contribui do que tem, e que menos recebe em troca. O Estado brasileiro não é grande; é injusto. E muito.
¹Int$ são dólares internacionais, uma moeda de referência que re-equaliza as moedas pelo poder de compra de cada uma em seu país.