Opinião: A Educação como campo de disputa política

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Os meses de abril e março vêm sendo marcados por uma intensa batalha de posições no jogo político, tendo a Educação como foco da cena. Ainda no final do mês de março, um artigo do Ministro Fernando Haddad ateou fogo ao debate por classificar como progressistas e conservadoras, posições tomadas no campo da educação onde, evidentemente, colocava as políticas do governo Lula no campo progressista e estocava as políticas do PSDB/DEM do Estado e Município de São Paulo como dentro do campo conservador. Afirmava que os conservadores - tucanos e democratas – defendem menores volumes de recursos, acusando os adversários por trabalhar contra a vinculação constitucional dos recursos para a educação. Confrontava a utilização das avaliações como mecanismo para premiar e punir trabalhadores da educação por parte da oposição, enquanto o MEC amplia os recursos daqueles que, a partir dos resultados, se comprometem com melhorias pedagógicas e de valorização do professorado. Por fim, acusa os conservadores de colocar toda a culpa dos males do ensino nas costas dos professores e sua formação, não assumindo a parte de responsabilidade que cabe ao poder público, enquanto o MEC está preocupado em valorizar o professorado e punir as agências formadoras que não cumprem com a qualidade necessária.

Dias depois, o secretário municipal de Educação de São Paulo, Alexandre Schneider, respondeu ao ministro, também em artigo publicado no mesmo jornal, desqualificando a classificação de conservadores e progressistas, acusando-o de simplificar e politizar a questão educacional. Ironicamente acusa o ministro de proclamar resultados utilizando as mesmas políticas do PSDB/DEM, de defender aumento de recursos no final da sua gestão para aumentar os encargos dos governos que virão, e saiu em defesa das políticas do governo Serra de bônus ao professorado como uma “forma de premiar aqueles que cumprem melhor o seu papel: educar”.



Reforço no time

Ainda no mês de março, novos lances ocorreram. No dia 11, o ministro Fernando Haddad anunciou, em solenidade na Andifes - A Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior, a proposta de mudança no acesso às universidades pelo novo Enen. . No dia 30, as diretrizes da proposta foram enviadas formalmente à associação e a discussão ganhou visibilidade pública provocando polêmicas entre os principais contendores da batalha política

O governo Serra, por sua vez, substituiu a secretária de Educação Maria Helena Guimarães pelo ex-ministro do governo FHC e atual deputado federal, Paulo Renato de Souza. Depois de uma desastrada gestão, que culminou com a distribuição de livros didáticos com mapas onde havia dois países com nome de Paraguai e o Equador não existia, Maria Helena Guimarães saiu para dar lugar a um profissional da política, um dos caciques do PSDB, que chegou com a clara intenção de reforçar a campanha do Governador Serra.

Na sua primeira entrevista, Paulo Renato afirmou que sua chegada à secretaria é "compromisso partidário em um momento delicado da vida política do país". Quanto às políticas educacionais da sua antecessora, nada muda, pois o ex-ministro não só elogiou como convidou sua colega a permanecer como auxiliar das suas ações, assim como já havia ocorrido no tempo de ministro, quando Maria Helena foi uma das principais colaboradoras e técnicas. Quanto ao novo Enem, o secretário disparou em entrevista ao jornal FSP: “ A proposta tem méritos, mas está mal formulada...O exame hoje avalia competências e habilidades gerais. Não serve para selecionar candidatos para cem vagas disputadas. Ele ficará descaracterizado.”



Sindicatos e movimentos sociais também em cena

Mas o ambiente de disputa não se encerra no âmbito dos principais partidos e entre os pólos do governo federal e o governo estadual e municipal de São Paulo. Os movimentos sociais e sindicais saíram a campo para se posicionar sobre temas variados que impactam os pólos políticos em disputa.

Depois dos intensos protestos nacionais pelo fechamento das escolas itinerantes do estado do Rio Grande do Sul, governado pelo PSDB de Ieda Crusius, em função da decisão do Ministério Público daquele Estado, o secretário de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do MEC, André Lázaro, manifestou sua contrariedade com o fato durante audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos do Senado. Em solidariedade ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o secretário defendeu a prioridade do direito à educação das crianças e alunos privados de freqüentar as escolas.

Em São Paulo, ao mesmo tempo em que ocorria a mudança na Secretaria do Estado, os movimentos estudantis UNE e UBES saíram às ruas em passeata para apoiar o fim do vestibular, mas em defesa de um Enem que fosse seriado e não apenas no último ano, como forma de aprimorar o ensino médio. As manifestações dos estudantes deixaram claramente uma marca de oposição e crítica ao novo secretário Paulo Renato de Souza.

No plano federal a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE pediu audiência ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, para acelerar o processo de julgamento do novo piso salarial. Com paralisação dos professores marcada para o dia 24 de abril, a CNTE defende a proposta governamental do piso salarial nacional com um terço das horas dedicadas a atividades externas à sala de aula, como preparação de aulas, correção de material e reuniões pedagógicas. Alguns governos estaduais, particularmente os de oposição, questionam no supremo o seu mérito.



Fiel da balança?

O que está em jogo em meio a estas lutas de posições? Por um lado, o governo Serra e sua candidatura à presidência da República. A Educação é um dos pontos mais criticados da gestão tucana, que em 15 anos no poder do estado mais rico da federação poucos resultados têm a apresentar. Depois de inúmeros secretários e secretárias, com propostas e estilos completamente diversos, que vai do carismático-religioso secretário Gabriel Chalita à truculência da secretária Maria Helena Guimarães, o governo tucano não conseguiu conferir identidade à política educacional do Estado de modo a impor suas orientações programáticas e prever resultados. Nem mesmo resultados quantitativos, como ocorreram na época do Governo FHC, quando uma equipe permanente e coordenada ideologicamente logrou impor suas políticas em acordo com as orientações neoliberais do momento.

No outro pólo o governo Lula, com o Ministro Fernando Haddad, um dos candidatos do PT ao governo do Estado. Diferentemente do que ocorre no governo Serra, a área educacional do governo Lula tem sido uma das mais bem avaliadas pelas pesquisas de opinião, apesar de estarmos muito longe de um bom sistema educacional. Depois de um primeiro mandato com 3 ministros em 4 anos, sem uma atuação coordenada e lógica que mostrasse uma política educacional petista, e que pudesse confrontar o arrumado discurso neoliberal do governo anterior, o segundo mandato mostrou mais estabilidade, com um discurso mais coerente e algumas ações inclusivas e diferenciadas, com resultados ainda por serem avaliados.



Quem manda?

Por trás destes pólos de luta política, há o regime federativo, um dos nós da política educacional brasileira e para o sistema nacional de educação. O governo federal tem dificuldades em gerir políticas nacionais na educação básica, pois a responsabilidade é dos estados e municípios. Muitas das propostas nacionais promovidas pelo governo federal encontram resistências, principalmente nos governos estaduais de oposição, que acabam por questionar inclusive a constitucionalidade destas medidas. Assim foi e tem sido com a proposta do piso salarial nacional, com a implementação de uma política nacional de formação de professores, com o novo Enem, com os modelos de avaliação. Sem entrar no mérito destas medidas, o que se percebe é que o regime federativo, por suas características, tem sido instrumento nesta batalha de posições.

Resta, portanto, ao cidadão comum, aos movimentos sociais e sindicais, e à população em geral, influir para que a disputa política eleitoral, que tem na educação um campo agora privilegiado, seja voltado para algo que é central: uma política de Estado que tome nas mãos a responsabilidade por universalizar a oferta e garantir a qualidade do ensino.


Sérgio Haddad é economista, doutor em educação, coordenador geral da Ação Educativa e Diretor Presidente do Fundo Brasil de Direitos Humanos

(Originalmente publicado no Brasil de Fato)