Opinião: Licença maternidade de 6 meses: solução ou retrocesso?

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A ampliação da licença maternidade de 120 para 180 dias traz inúmeras inquietações. A medida, resultado da iniciativa e do apoio de setores do governo, como o ministério da Saúde, e de setores parlamentares, não é uma reivindicação dos movimentos de mulheres, como vem sendo anunciado na mídia. Para nós, mulheres, a Lei significa em muitos aspectos um não avanço ou mesmo um retrocesso. Vão aí alguns pontos críticos nesse sentido. 

Em primeiro lugar, a lei faz todo sentido se analisada no contexto de ofensiva patriarcal contra as mulheres, no qual que vivemos. A concepção que embasa a Lei parece estar de acordo com a perspectiva conservadora no parlamento brasileiro. De todos os lados, a imposição da maternidade como um destino e como uma responsabilidade exclusiva das mulheres. Assim, ao invés de serem discutidas medidas no sentido de garantir a responsabilidade do Estado com a reprodução social e com a infância - com políticas universais como creches, pré-escolas, escolas em tempo integral mais uma vez é sobre as mulheres que pesa a responsabilidade com o desenvolvimento das crianças. 

Em segundo lugar, a adoção da medida é facultativa, destinada a empresas privadas não beneficiadas pelo Simples (ou seja, não entram aqui as trabalhadoras de micro e pequenas empresas) ou empresas públicas. A decisão, como bem ressalta Lena Lavinas, é antes da empresa, e não das mulheres e, portanto, está sujeita à iniciativa de um outro empresário. 

A medida também mantém e reproduz a injusta divisão sexual do trabalho entre homens e mulheres. Não se mexe na licença paternidade, hoje ainda de 5 dias; e não se discute a licença parental, isto é, o afastamento em igual período de homens e mulheres para o cuidado com a/o recém-nascida/o, medida que seria bastante salutar para ambos e para a criança. 

Cria-se mais um mecanismo de renúncia fiscal, retirando recursos do orçamento da seguridade social, política que, esta sim, seria capaz de garantir acesso universal das mulheres aos equipamentos públicos, garantindo a partilha e o enfrentamento da sobrecarga das mulheres com o trabalho doméstico. Hoje, no Brasil, apenas 15% das crianças têm acesso a creches. O cuidado das crianças é resolvido na esfera privada e pelas mulheres, sem nenhum amparo do Estado. A expansão da licença maternidade, portanto, não resolve a situação. E pode, inclusive, agravá-la, uma vez que, durante os dois meses a mais de licença, as mulheres não podem colocar seus filhos em creches públicas. O que coloca o problema da adaptação com a creche pela criança quando a mãe voltar para o trabalho.

Injustiça e desigualdade
Findo o período da licença maternidade, restam às mulheres enfrentarem o duro drama da dupla jornada de trabalho. As mulheres de classe média poderão amenizá-lo com a contratação de uma babá. Esta mesma babá, por sua vez, se estiver (ou quando ficar) grávida e parir, não terá acesso ao mesmo direito. Esta mesma babá que cuidará da criança citada, também teve de deixar seu/sua filho/a com uma pessoa da família, mãe, filha, irmã, para poder trabalhar, porque não conta com o apoio de uma creche.

Este exemplo mostra o tamanho da injustiça e da desigualdade criada pela Lei. Cria uma segregação e beneficia uma minoria de trabalhadoras, em detrimento da grande maioria das mulheres que trabalham. Pois, a situação das babás é da grande maioria das trabalhadoras brasileiras. São mulheres empregadas no mercado informal, na grande maioria das vezes sem carteira assinada, que enfrentam jornadas extensas de trabalho e que resolvem, sozinhas, sem a ajuda dos homens e sem o amparo do Estado, o problema que a maternidade implica para elas, numa sociedade injusta e desigual como a sociedade brasileira. Essas mulheres seguem desprotegidas socialmente, sem acesso a nenhum direito trabalhista e previdenciário. 

Isto porque, no Brasil, hoje, o acesso aos direitos previdenciários está condicionado à
contribuição para o INSS. A desproteção social significa, entre outras coisas, não ter acesso à licença maternidade quando se têm filhos/as. Assim, a ampliação de mais 2 meses de licença maternidade não significa nada para a maioria das trabalhadoras brasileiras que hoje, na prática, não tem acesso a um só dia de licença maternidade. Trata-se de mais de metade da população economicamente ativa (PEA) feminina e cerca de 70% do mercado informal brasileiro. 

A ampliação do período da licença maternidade mascara – e nós devemos revelar - a situação de desproteção a que está submetida a grande maioria das mulheres trabalhadoras. Reforça, para nós, a premência da luta por um sistema de proteção social que garanta os direitos previdenciários, como a licença maternidade, a quem não pode contribuir. Isto, sim, faria uma grande diferença e seria uma medida justa, porque para todas as trabalhadoras, sobretudo aquelas que vivem em situação de maior precariedade. Reforça, portanto, a necessidade de defendermos o direito universal à Seguridade Social no Brasil.

Contexto internacional
Em alguns países da Europa, em que a iniciativa se espelha para ganhar ares de modernidade, tem crescido os incentivos financeiros e a ampliação das licenças maternidade como medidas voltadas para a conciliação entre trabalho e família - pelas mulheres - e como uma das soluções para o cuidado com a infância. Mas esta modernidade não se sustenta quando analisamos os impactos destas medidas para as mulheres e as comparamos com políticas desenvolvidas em outros países.

A Dinamarca e a Suécia, por exemplo, enfrentam a questão através de sistemas universais de cuidado infantil. As creches e préescolas são, nestes países, uma alternativa para as mulheres que não queiram abdicar de sua carreira profissional, de sua fonte de renda e de sua vida pública para dedicar-se, tão somente, ao cuidado de seus filhos/as e para garantir o pleno desenvolvimento das crianças. 

Na Dinamarca, por exemplo, 91% das crianças de 0 a 5 anos têm acesso a creches; na Suécia, 70%1. Este estudo mostra que nos países em que a política de cuidado está centrada na expansão da licença-maternidade (como Alemanha e Portugal) e no pouco investimento em creches, há uma maior inserção das mulheres no trabalho parcial, com menores salários e, portanto, um maior prejuízo de sua entrada ou permanência no mercado de trabalho. A lei brasileira, nesse sentido, apresenta uma grave lacuna. Amplia o período de afastamento possível da mãe para seis meses enquanto a estabilidade gestante (período após o parto em que a mulher não pode ser demitida) continua a ser fixada em 5 meses.

Política de creches
A expansão da licença maternidade reproduz a divisão sexual do trabalho e não ajuda a solucionar totalmente os arranjos que a maternidade colocam na vida de todas as trabalhadoras. A política de creches é avaliada por essas estudiosas como o mecanismo mais eficaz para garantir condições de inserção no mercado de trabalho às mulheres e assegurar a responsabilidade do Estado no cuidado com as crianças. 

O cuidado e pleno desenvolvimento das crianças não é garantido apenas pela amamentação e, portanto, não se resolve em dois meses, mas nos anos da infância, em que educação, proteção e saúde devem ser asseguradas. No Brasil, não temos um sistema de cuidado infantil capaz de garantir a proteção social à infância e a Lei reforça a visão de que este é um problema exclusivo das mães. 

Essa é a luta que nós feministas temos travado na luta pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos profissionais da Educação (Fundeb), na luta por Seguridade Social e na luta por políticas universais que garantam a responsabilidade do Estado com a reprodução social e para enfrentar a sobrecarga das mulheres – creches, pré-escolas, escolas em tempo integral. Não estamos negando que os dois meses a mais podem significar muito, e certamente significa, para as mulheres que puderem optar pela ampliação como forma de estarem perto e poder cuidar dos/as bebês, sobretudo quando só contam consigo mesmas para isso. 

Mas nem para estas mulheres resolve o problema, pois as saídas continuam sendo individuais, privadas e, muitas vezes, solitárias para mães. Por todas essas questões, avaliamos que a Lei não resolve os dilemas que a maternidade coloca para a vida das mulheres e, tampouco, garante o crescimento saudável e pleno das crianças, que não se resolve só no peito. Em uma palavra: para nós, feministas, a maternidade deve ser partilhada, com os homens e com o Estado. Partilhada e livre!

Verônica Ferreira é pesquisadora do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia. O artigo foi originalmente publicado na Articulação de Mulheres Brasileiras