Opinião: Um andar sobre Gaza

Em Gaza, há restrições absurdas e indecentes ao acesso da população aos serviços médicos, restrições tais que são cruciais nas situações de emergência, como as emergências maternas, perinatais, infantis e da população idosa

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Em Gaza, há restrições absurdas e indecentes ao acesso da população aos serviços médicos, restrições tais que são cruciais nas situações de emergência, como as emergências maternas, perinatais, infantis e da população idosa

Por Cláudia Palmeira

Falar de Gaza poderia ser apenas falar da Palestina que vemos em nossos sonhos, da Palestina de nossos amigos oriundos daquele lugar, da Palestina de mulheres falantes, fortes, inteligentes e generosas, da comida que desperta o paladar, do chá, das inúmeras histórias contadas aos visitantes, enfim, de tudo que pode ser idealizado e vivido através da imaginação.

Mas vamos à Gaza atual, massacrada, sofrida, invadida, vamos à triste realidade de um povo, realidade esta que não cabe em sonhos porque já é um pesadelo. Em Gaza, 40% da população é de mulheres em idade reprodutiva e crianças menores que cinco anos, os homens e idosos compõem os restantes 60%. Após o cruel boicote imposto por alguns países seguido às eleições de 2006, as condições de vida vinham piorando consideravelmente. Pobreza em Gaza é uma condição real, e mais de um terço da população é considerada como ??food insecure??, não tem segurança quanto à alimentação.

Em Gaza, há restrições absurdas e indecentes ao acesso da população aos serviços médicos, restrições tais que são cruciais nas situações de emergência, como as emergências maternas, perinatais, infantis e da população idosa.

As condições de vida das mulheres, homens, idosos, jovens e crianças felizmente são protegidas, mesmo diante da barbárie imposta pelo Estado Sionista de Israel, graças à coesa união e solidariedade dos moradores de Gaza. No entanto, apesar desse fator positivo, pobreza, desnutrição com prejuízo da função cognitiva das crianças, aumento de infecções, depressão em homens, mulheres e idosos e estresse pós-traumático vêm apresentando uma progressão alarmante.

Após o último bombardeio de Israel sobre Gaza, que deixou mais de 1300 mortos e milhares de feridos, muitos dos quais com sequelas permanentes, temos um cenário mais que desolador com a quase completa deterioração das condições socioeconômicas, um desemprego sem precedentes e o aumento absurdo nos preços dos alimentos, precárias condições sanitárias com 300.000 m2 de esgoto sem tratamento, contaminação da terra e da água, deficiência de abrigos e sensação de desamparo quase generalizada.

Em Gaza, 56% da população não tem como se alimentar de forma adequada, pois dependem de ajuda humanitária. Muitos habitantes não têm itens básicos de higiene, somando-se a isso o número elevado de pessoas que não tem mais suas casas e vivem agora em tendas de plástico.

A ausência de eletricidade faz parte do dia-dia dos moradores. Cerca de 63% dela vem de Israel, que como punição à população impede o fornecimento adequado de energia.

A humilhação sofrida em Gaza é um ultraje a todos que acreditam na dignidade humana, pois é impossível não perceber a opressão constante e a insegurança de um povo, principalmente entre os jovens do sexo masculino, que têm consciência do enorme risco que correm de serem assassinados em plena luz do dia.

Nos hospitais, o cenário é desolador ao se deparar com os inúmeros feridos, grande parte com queimaduras de segundo e terceiro graus, e amputações devido às inúmeras bombas. Muitos pacientes já apresentam consequências dos traumas físicos e psicológicos sofridos, como alterações emocionais importantes, principalmente entre as crianças, dores por lesões e necessidade de cuidados de reabilitação, o que é extremamente difícil numa situação de bloqueio, já que Israel dificulta a chegada dos equipamentos necessários, bem como de medicamentos, analgésicos, antibióticos e próteses, e do modo mais vil se recusa a respeitar às solicitações quanto à entrada de ajuda humanitária. A dificuldade também é presente na fronteira com o Egito, em Rafah, pois encontra-se fechada a maior parte do tempo, aberta apenas um ou dois dias por semana, não muito diferente do que acontecia no período do bombardeio, detalhe que explica o pequeno número de pessoas que puderam sair para tratamento no Egito, apenas 266 pacientes.

Graças à ação dos grupos de ajuda humanitária, como da UNRWA, UM Relief and Works Agency, e UK Charity Medical Aid for Palestine, e muitos outros, como médicos voluntários de várias partes do mundo, os moradores de Gaza podem receber algum tratamento e apoio. No entanto, é necessário que se divulgue o sofrimento de toda uma população e que haja pressão suficiente para se alcançar uma ação concreta capaz de promover justiça.

Cláudia Palmeira, médica anestesiologista.

O artigo foi originalmente publicado no site ICArabe