Os shoppings estão falindo?

Pesquisas apontam falência de empreendimentos no Brasil e nos Estados Unidos, mas João Whitaker acredita que a rua ainda está longe de ser aceita novamente

Fotos de Seph Lawless reacenderam o debate sobre centros comerciais (Divulgação/Seph Lawless)
Escrito en BRASIL el
Pesquisas apontam falência de empreendimentos no Brasil e nos Estados Unidos, mas João Whitaker acredita que a rua ainda está longe de ser aceita novamente Por Isadora Otoni Números divulgados recentemente acenderam a esperança de que a cultura dos shoppings estava prestes a acabar. Nos Estados Unidos, por exemplo, cerca de 15% dos empreendimentos vão falir ou serão reformulados, de acordo com pesquisa da Green Street Advisors. Já no Brasil, o Ibope constatou que os 36 centros inaugurados em 2013 abriram com metade das lojas fechadas por falta de locatários. Para engrossar a crença no fim dos centros de compras, o fotógrafo Seph Lawless fez sucesso com uma série sobre shoppings abandonados. Apesar do ótimo resultado da obra, o fenômeno de falência total desse tipo de empreendimento ainda não está tão próximo, como explica o Professor Doutor de Arquitetura e Urbanismo da USP, João Whitaker. [caption id="attachment_46395" align="alignleft" width="300"](Divulgação/FAU-USP) Para Whitaker, a dupla consumismo e estruturação da cidade favorece os shoppings (Divulgação/FAU-USP)[/caption] O crescimento dos centros de compras pode até estar desacelerando, mas os motivos desse fenômeno nos Estados Unidos e no Brasil são diferentes. “Nos Estados Unidos, os grandes empreendimentos comerciais são proibidos de serem construídos nos centros urbanos. Quando você quer ir ao que eles chamam de malls, você tem que pegar o carro, e andar de 5 a 20 quilômetros, em regiões periféricas da cidade. Se você tem crise econômica, você pode ter menos uso do carro, menos ida ao shopping porque fica caro”, explica. Já no Brasil, Whitaker cita a dupla de consumismo e estruturação da cidade, que fortalece o mercado dos shoppings. “Nós estamos entre os 10 países que mais concentram renda, mas somos a sétima economia do mundo. Então, o nível de riqueza concentrado nas mãos dos mais ricos é muito grande”, comenta. Para ele, isso gera consumismo exacerbado. “O grau de consumismo no Brasil é esse: se paga qualquer coisa e se paga por futilidades”. O segundo ponto da dupla que favorece os empreendimentos é a negação das ruas. “A pessoa sai de casa no seu carro, se locomove na cidade sem um contato com a rua, entra no estacionamento e sai do carro no espaço de consumo que é o shopping center”. Associado a isso, temos uma péssimo controle de construção desses comércios, como cita Whitaker. “Não temos regulação nenhuma no ponto de vista urbanístico. Os shoppings são autorizados sem o menor constrangimento a serem construídos no meio da cidade”. O professor destaca, inclusive, os escândalos na aprovação de construções da gestão de Gilberto Kassab (DEM). No entanto, João Whitaker frisa que essa lógica é diferente nas cidades interioranas. “Sei de casos no interior de São Paulo, de cidades de 150 a 200 mil habitantes, em que você tem cidades com shoppings que demoraram anos para se firmar”. Ele explica: “Nessas cidades menores, as pessoas ainda têm o uso da rua, uso do comércio, do centro da cidade. E o grau de concentração de riqueza da cidade ainda não é tão significativo”. Volta às ruas O professor da USP conta que a negação das ruas leva à cultura do shopping e vice-versa, como um ciclo vicioso. “Tem empreendimentos que colocam dentro deles tudo aquilo que deveria ser feito no coletivo, na rua. A quadra de futebol, o lugar onde você anda, as árvores, a praça, tudo fica dentro dos condomínios. Com isso, você vai eliminando a importância da rua e alimenta o mito da insegurança”, justifica. “Por exemplo, o shopping mais chique de São Paulo, Cidade Jardim, tem uma rua interna com pedras. Eu nunca fui lá, é o que me falaram. Ou seja, ele recria a cidade. Você tem exceções que é a Oscar Freire, de alto luxo, que tenta utilizar o discurso da importância da rua”. [caption id="attachment_46397" align="alignleft" width="300"]Fotos de Seph Lawless reacenderam o debate sobre centros comerciais (Divulgação/Seph Lawless) Fotos de Seph Lawless reacenderam o debate sobre centros comerciais (Divulgação/Seph Lawless)[/caption] Whitaker esclarece a importância do fim desse ciclo. “A gente vive uma tragédia urbana que aparece nas manifestações de junho, que aparece nas televisões na hora das enchentes, que aparece no medo de assalto, que aparece nos engarrafamentos. É uma lógica de uma cidade que se estrutura negando-se a si mesmo”. Para ele, a cidade ideal é “plural, democrática, oferece espaços que sejam ocupados democraticamente, tem deslocamento fácil e mobilidade urbana”. Apesar de considerar que ainda está longe das ruas serem reocupadas, o professor consegue ser otimista. “Esse ciclo vai dar uma resfriada agora porque felizmente a regulação urbana da cidade voltou a existir. Segundo, acho que existe uma superoferta. Então vai ter um processo normal dentro da lógica capitalista de reajuste da oferta, ou seja, alguns shoppings vão dançar nessa história”, finaliza. (Foto de capa: Divulgação/Seph Lawless)