Os defensores de Battisti

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A partir do momento em que o governo brasileiro negou a extradição do escritor italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpétua na Itália, um quase consenso midiático se fechou em torno do caso. Argumentos como as acusações de que o Brasil estaria afrontando a justiça de outro país e que o ativista, na verdade, teria praticado crimes comuns e não políticos, tomaram conta do noticiário e pouco ou quase nada se pôde ver ou ouvir na grande imprensa que tentasse explicar o outro lado.
Atualmente, Battisti está preso no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, onde aguarda o julgamento do seu pedido de extradição, pelo STF. Baseados na legislação brasileira, seus advogados de defesa alegam que os crimes pelos quais Battisti foi condenado na Itália já foram prescritos, sendo que ele nega a autoria dos quatro homicídios pelos quais foi condenado em um julgamento que considera fraudulento.
O italiano redigiu uma carta entregue em fevereiro ao Supremo Tribunal Federal – que pode determinar sua extradição – e lida no plenário do Senado por Eduardo Suplicy (PT-SP). O parlamentar, ao lado do deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) e da ex-prefeita de Fortaleza, Maria Luiza Fontenelle, é testemunha de defesa de Battisti e estão entre os que atribuem conotações políticas ao pedido de extradição.
“Pela primeira vez, terei oportunidade de ser ouvido plenamente pela mais alta corte desse país, inclusive para expor porque fui impedido de exercer minha defesa de maneira adequada nas ocasiões anteriores em que fui julgado”, sustenta o escritor. Na carta, o italiano narra as influências do pai comunista e sua entrada no Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), em 1976, movimento armado do qual era militante e que lhe rendeu prisões por roubo e subversão contra a ordem do estado na década de 70.
Fórum ouviu Eduardo Suplicy e Maria Luiza Fontenelle sobre o caso. Fernando Gabeira, a outra testemunha de defesa, foi contatado, mas se recusou a falar sobre o assunto.

Suplicy: Por que a Itália faz tanta pressão contra o governo brasileiro?
Fórum – O que levou o senhor a defender Battisti?
Eduardo Suplicy –
Primeiro, o Cesare afirma que não cometeu nenhum crime de sangue, mas ações de subversão contra o Estado italiano e que, por conta do episódio do sequestro e morte de Aldo Mouro (primeiro-ministro italiano assassinado em Roma em 1978, crime atribuído às Brigadas Vermelhas) resolveu não atingir mais qualquer pessoa.

Fórum – Partindo desse princípio, de que elementos o senhor dispõe para acreditar que Battisti está sendo julgado por um crime político e não por homicídio, como é acusado?
Suplicy –
Foi a escritora francesa Fred Vargas quem me relatou como os seus companheiros do PAC conseguiram a própria liberdade, pelo instrumento de delação premiada. Há ainda o fato de que no julgamento em terceira instância, ocorrido na Itália, houve o falseamento da procuração, comprovada inclusive por especialistas em grafologia, de que foram designados defensores falsos para Battisti, pois não fizeram efetivamente a sua defesa. Então, foi um julgamento com falhas muito graves.

Fórum – O senhor conhece o Battisti pessoalmente?
Suplicy –
Estive com ele umas três ou quatro vezes na Papuda, acompanhado da escritora e historiadora Fred Vargas.

Fórum – Na sua opinião, existe uma articulação de forças conservadoras da Itália e França para extraditar o Battisti?
Suplicy –
Para mim, basta lembrar o recente episódio do presidente da França Nicolas Sarkozy em conceder refúgio a Marina Petrella, (ativista do movimento “Brigadas Vermelhas”, tida como terrorista pelo estado italiano) condenada na Itália por ação subversiva contra o Estado. Nesse episódio, a Itália respeitou a decisão do governo francês em um caso semelhante. Por que agora faz tanta pressão contra o governo brasileiro?

Fórum – Quais são suas expectativas para o julgamento?
Suplicy –
Entreguei uma carta de Battisti ao STF, onde ele pela primeira vez ele apresenta sua defesa. Acredito que o STF vai dar razão ao ministro Tarso Genro de conceder refúgio político já que não há nenhuma comprovação de que Battisti tenha cometido os quatro crimes de que é acusado.


Fontenelle: Anular uma lei de refugiados é uma anomalia do Estado

Fórum – O que motivou a senhora defender Cesare Battisti?  
Maria Luiza Fontenelle –
Em primeiro lugar, quero lembrar que nós fomos fundadoras do movimento feminino pela anistia em 1975, o terceiro núcleo do Brasil, de onde vem essa compreensão da luta por liberdade. Quando eu me candidatei a deputada estadual em 1978, já tinha a intenção de divulgar a proposta da luta libertária, que ganhava corpo com o movimento pela Anistia, a partir da compreensão de que no Estado já tem embutido em si o aspecto repressor. Esses movimentos de libertação proliferaram no mundo todo a partir de 1968, nas ditaduras e democracias abertas, como no caso dos EUA. Então, eu já tinha o compromisso com a luta libertária, pela liberdade dos presos do Ceará e do Brasil na época da ditadura, acompanhando os casos dos familiares dos mortos e desaparecidos do Araguaia... Por isso, nossa compreensão é que o Cesare está sendo colocado como bode expiatório de uma questão muito mais ampla, pois anular uma lei de refugiados (como ocorreu na França) é uma anomalia do Estado. Ou seja, quando ele viveu a situação de exilado na França, em função da Doutrina Miterrand, estava na condição de escritor. Ele já tinha saído do PAC, abdicou de sua condição, pois a doutrina permitiu asilo a todas as pessoas que eram perseguidas e saíssem da luta armada. Ele nunca foi incriminado por questões específicas desse ou daquele crime. Os processos eram por questões políticas.

Fórum – De que elementos a senhora dispõe para acreditar que Battisti está sendo julgado por um crime político e não por homicídio, como é acusado?  
Fontenelle –
Não só o fato de que ele não foi incriminado na França, pois não existe nenhuma acusação anterior à delação premiada, mas a informação de que a situação do Cesare estava regularizada. Trata-se de uma questão forte. Segundo o comitê de apoio a ele, liderado pela escritora francesa Fred Vargas, trata-se de um cidadão comum, embora seus livros contenham esse elemento denunciador do Estado italiano. Então, trata-se de uma tentativa de negociar uma extradição como um troféu daqueles que mantêm a estrutura de poder e perseguição do Estado.

Fórum – Existe o argumento de que os outros condenados cumpriram parte da pena na Itália e estão soltos. Na sua opinião, por que no caso Battisti foi diferente?  
Fontenelle –
Primeiro, esses outros não são escritores. Foram pessoas que usaram de mecanismos do próprio Estado para continuarem libertos (no caso, a delação premiada). Diferentemente do caso do Cesare, que mesmo afastado da sua organização, continuou firme no princípio de denunciar a situação de repressão do seu país.

Fórum – A senhora participou de uma caravana que foi até Brasília para pedir liberdade a Battisti. Como estão essas mobilizações? 
Fontenelle –
Estão muito tão interessantes.Já fizemos uma visita ao presídio, onde Cesare está preso, fizemos contato com pessoas ligadas à universidade e à OAB. Estivemos com o ministro Tarso Genro e participamos do congresso da Contag. Na caravana, estão movimentos como a União das Mulheres Cearenses (UMC), que lidera o maior grupo de pessoas, o Movimento de Anistia 64-68, além de outros companheiros. Um momento importante foi a audiência pública realizada no Senado, com a Comissão de Relações Exteriores e de Direitos Humanos, que debateu o assunto durante cerca de quatro horas. Aqui em Brasília também já existe um Comitê de Apoio ao Battisti. A escritora francesa Fred Vargas, que escreveu o prefácio do livro, também está envolvida nas manifestações. F