Paquera à moda do Dops

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Usamos o verbo paquerar no sentido de demonstrar interesse por alguém, tentar atrair uma pessoa com intenções amorosas. Mas esse verbo tem origem bem caipira, era usado por caçadores de pacas. O sujeito ficava perto de um bebedouro d’água ou de alguma ceva e tinha que ter paciência, esperar a paca chegar no lugar certo, sem que ela percebesse caçador.

No final dos anos 60, alguns estudantes esquerdistas usavam noutro sentido: no início do ano letivo, ou mesmo antes, durante os vestibulares, os veteranos ligados a organizações políticas de esquerda começavam uma abordagem de leve nos calouros, tentando descobrir quais tinham potencial para virar militantes e iam se aproximando deles aos poucos, sem “cantar” logo e diretamente o sujeito, para não espantá-lo. Era preciso ter paciência, como um caçador de pacas e ou um sujeito que sente atração por uma moça mas sabe que se lhe passar uma cantada direta ela se espanta.

Pois, quem diria, os policiais do Dops também paqueravam. Mas a paquera – também paciente como essas outras – era meio parecida com a dos caçadores de paca. Segundo o dicionário Houaiss, um dos sentidos de paquera é observar com atenção, espreitar, vigiar. E era isso que faziam os agentes do Dops. Quando suspeitavam de alguém, iniciavam uma “paquera” nesse sentido. Ou mesmo quando já pensavam em prender uma pessoa, podiam iniciar uma paquera para ver quem pertencia à turma dela.

Nos arquivos do Dops existe um documento chamado “Normas de paquera”, orientando os agentes para extrair o máximo de informações sobre alguém, um grupo ou um local suspeito, sem que percebam. O paquerador policial tinha que passar despercebido pelos paquerados. Não podiam usar nada que chamasse a atenção sobre eles, pois o alvo desconfiaria se visse seguidamente o paquerador ali.
Lendo esse documento e lembrando dos policiais que ficavam de olho na gente, conclui que muitos deles não leram as normas de paquera, pois davam a maior bandeira. De vez em quando flagrávamos o sujeito encostado em algum poste fingindo ler um jornal e olhando o que fazíamos. Detalhe: não raro o jornal estava de cabeça pra baixo. Mas alguns faziam isso de propósito. Davam bandeira justamente para que víssemos que eram policiais e tentássemos fugir. Em vários momentos, na época, avaliei que fosse isso. Mas pensava também: “Não tenho a menor chance de escapar se sair correndo. Aí me pegam e vão me torturar para saber porque eu estava fugindo”. Então, disfarçava e ficava quieto, tentando parecer calmo e não ter motivos pra fugir deles.. F