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Por Brunna Rosa
Nesta sexta-feira, 13 de julho, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 17 anos. A lei, que foi promulgada em 1990, tem diversos pontos que são descumpridos, como aponta a socióloga Lúcia Pinheiro, em entrevista à Fórum.
Para Lúcia, o constante aumento do número de adolescentes em conflito com a lei provém do não cumprimento pelo Estado de suas obrigações. A socióloga condena também a discussão sobre a diminuição da maioridade penal e afirma que esta é uma forma de calar os jovens quanto à falta de perspectiva.
Lúcia Pinheiro é coordenadora da Fundação Projeto Travessia, organização social criada pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, que atua desde 1995 na defesa dos direitos da infância e juventude.
Fórum – O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa 17 anos. Qual sua avaliação quanto ao cumprimento do ECA?
Lúcia Pinheiro – O fato de o ECA existir é um avanço, mas estamos muito longe de conseguir cumpri-lo. Um exemplo é o artigo IV, que diz que a criança é prioridade absoluta do Estado e deve-se assegurar a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Já por este artigo podemos verificar o quanto estamos distantes do respeito aos direitos das crianças e dos adolescentes. Estamos vivendo uma situação paradoxal e absurda, que chega a ser bizarra. Os aspectos mais graves do descumprimento do ECA se notam quanto ao tratamento dos adolescentes em conflito com a lei, a persistência do trabalho infantil – inclusive em suas piores formas, como a prática do abuso e da exploração sexual, da violência letal que tem como maiores vítimas os jovens de 15 a 24 anos e as altas taxas de desnutrição e mortalidade infantil em regiões como o Semi-Árido brasileiro.
Temos a convicção de que se o Estado estivesse cumprindo, minimamente, o que está previsto no Estatuto nós não teríamos adolescentes, cada vez mais, em conflito com a lei.
Fórum – A discussão sobre a diminuição da maioridade penal deslegitima o ECA. Qual a opinião da senhora sobre o assunto?
Pinheiro – Com relação à questão do adolescente em conflito com a lei, ou o adolescente infrator, não só não temos o cumprido o ECA como se delineia um retrocesso, que é a redução da maioridade penal. Esta discussão está jogando por terra a cláusula pétrea de nossa Constituição, que é a questão da maioridade aos 18 anos. Além de ser inconstitucional, a discussão está desconsiderando a questão de o adolescente estar em condição peculiar de desenvolvimento. Está se tentando punir o adolescente através da redução da idade penal pelo fato de o Estado não cumprir com o seu dever.
A impressão que temos é que o governo não tem perspectiva com os jovens e, quando o jovem se rebela questionando, pois não tem perspectiva, ele enclausura o jovem para calá-lo.
Vivemos um momento muito triste e a sociedade, por meio da imprensa, que infelizmente forma opinião, tem contribuído para formar a opinião de que o jovem que comete uma infração é um bandido, porque nasceu bandido; não se questiona a falta de presença do Estado, a falta de condições para que o jovem se desenvolva de uma forma diferente.
Fórum – Como foi o processo de formulação do ECA?
Pinheiro – Foi um processo extremamente rico para os movimentos sociais, movimentos pela infância, que já estavam atuando anteriormente contra o Código do Menores. Educadores, especialistas na área de infância, conselheiros tutelares e juízes participaram ativamente da construção do ECA. O movimento, que foi nacional, juntou pessoas que tinham e têm compromissos com a área da infância e que entendiam que em relação a outros países o Brasil estava extremamente atrasado.
Não foi um estatuto tirado de gabinete, foi escrito a partir de um movimento, uma atuação de movimentos que têm seu envolvimento com crianças e adolescentes.
Fórum – Quais são os principais avanços do ECA em relação ao código de menores?
Pinheiro – O Código de Menores cumpriu um papel até um determinado período, mas se mostrou uma legislação ultrapassada, até porque não considerava o menor. O ECA é uma legislação mais adequada, principalmente em considerar a criança e o adolescente como sujeitos de direito, apesar de considerá-los uma pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. Diferentemente do que se fala, o ECA não é uma legislação para ser conivente com os erros das crianças e adolescentes, ao contrário, na medida em que os considera como sujeitos de direito, o Estatuto faz com que os adolescentes respondam às ações e sejam punidos por elas.