Poderes invisíveis de Brasília

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Na hora de um partido fechar apoio ao governo federal, interessa muito mais a presidência da Câmara que um punhado de cargos de segundo escalão em ministérios, certo? Nem sempre.

Por Por Daniel Merli   Na hora de um partido fechar apoio ao governo federal, interessa muito mais a presidência da Câmara que um punhado de cargos de segundo escalão em ministérios, certo? Nem sempre. Na negociação para a virada do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, o PMDB pode até abrir mão do terceiro cargo na sucessão presidencial. Desde que tenha vasta representação em cargos de segundo escalão, comentam alguns dos assessores partidários que negociam apoio no Congresso Nacional. Já aos partidos da base aliada – PT, PSB, PCdoB, PTB, PMDB e PP – não interessa apenas funções com status na mídia e no meio político. Muitos cargos na mira dessas legendas têm outros atrativos. Um assessor do Palácio do Planalto, experiente em negociações de cargos no primeiro mandato, cita alguns dos quesitos que são levados em consideração. Poder regional, representação em categorias de trabalho e grande orçamento em mãos são alguns dos aspectos que interessam aos partidos, algumas vezes mais do que aparecer na mídia como detentor de um cargo de status. Poder local “Todo político é eleito em seu estado, e tem interesse em ampliar sua influência junto a sua base eleitoral”, comenta o ex-assessor. O peso da federação em alguns estados é bastante claro. No Rio de Janeiro, por exemplo, há o dobro de funcionários públicos de carreira que em Brasília. Segundo levantamento do Ministério do Planejamento, 108 mil funcionários públicos federais trabalham em território fluminense, contra 54 mil no Distrito Federal. Nos ex-territórios, o peso também é grande. Em Roraima, 3% de todas as pessoas empregadas trabalha no governo federal. O percentual é o maior do país, ultrapassando o Distrito Federal (2,7%). Mas também há cargos regionais de órgãos federais que interessam a esse tipo de projeto político local. É o caso dos ministérios dos Transportes, Educação, Trabalho e Saúde, que têm estruturas regionais algumas vezes pouco conhecidas. Sob a responsabilidade do ministro dos Transportes estão as companhias de docas de Bahia, Ceará, Espírito Santo, São Paulo, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte. Além da Companhia de Navegação do rio São Francisco. O Ministério da Educação (MEC) é responsável por 33 centros federais de educação tecnológica, 36 escolas agrotécnicas federais, e, com o programa de expansão universitária, 31 universidades federais. Ao todo, o MEC emprega 175 mil funcionários diretos. É nada menos que um terço de todos os servidores do governo federal. No Ministério da Saúde, o poder da máquina também é forte. Seus 100 mil funcionários (20% de todo o governo federal) são responsáveis por órgãos como a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que cuida do controle de doenças epidemiológicas, isso a torna um órgão importante em estados menos urbanizados do Norte e Centro-Oeste. Ainda no caso da saúde, em alguns estados, como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, há hospitais públicos sob controle federal. “Nesses lugares, a indicação para o cargo [na direção do hospital] é algo bem importante”, afirma o assessor. Já no Ministério do Trabalho, as indicações para chefiar cada Delegacia Regional do Trabalho (DRT) são disputadas também. “Você garante poder de autuar as empresas ou ser conivente com elas. Isso interessa aos dois lados.” Interesses em lados opostos também levam à disputa por cargos regionais dentro do Ministério do Desenvolvimento Agrário. As superintendências regionais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) têm poder de tocar com mais agilidade a desapropriação de terras ou de travá-las de vez. Por isso, a indicação para o cargo de superintendente regional, segundo o assessor, é fonte de pressão tanto do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) quanto dos ruralistas, que pressionam contra alguns nomes. A indicação para chefiar as delegacias da Receita Federal também é motivo de pressão. “Há alguns lugares em que a Receita tem grande poder local, como fronteiras, portos e aeroportos”, afirma. O mesmo vale para as superintendências da Polícia Rodoviária Federal. Mas, nesse caso, há outro fator que entra em negociação: os deputados que têm base eleitoral entre os policiais. “Muitos políticos que têm base eleitoral junto a esse segmento disputam a indicação de um apoiador seu para o cargo, que é uma forma de reproduzir votos na hora da eleição.” Alguns ministérios, mesmo sem estrutura regional, despertam interesses locais. É o caso do Ministério das Cidades. Criada em 2003, a pasta não tem capilaridade nos estados e conta apenas com quatro secretarias e 444 funcionários. Mas ao lidar com verbas para saneamento e habitação, despertam forte cobiça. “Qualquer candidato a deputado, governador ou outro cargo eletivo quer aparecer em uma foto fazendo uma inauguração de obras desse tipo, financiadas pelo ministério.” Com estrutura mais antiga, mas também sem capilaridade regional, o Ministério da Integração Nacional desperta o mesmo tipo de interesse das Cidades. Apesar de não possuir delegacias regionais nem cargos nos estados, tem vários programas de relacionamento direto com as prefeituras, como o Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira ou o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido. Os programas chegam a oferecer verba para o desenvolvimento de cidades dessas regiões, permitindo aos prefeitos realizarem obras e a deputados federais estabelecerem uma relação com a base. A negociação de diretorias regionais e cargos dentro de cada ministério é praxe, porque é muito difícil a chamada política de “porteira fechada”. Nas negociações de compra e venda de fazenda, a expressão era usada para dizer que uma propriedade estava sendo vendida com tudo que continha dentro. No caso dos ministros, são poucos os que têm o privilégio de indicar seus favoritos para todos os cargos. Mesmo nos ministérios dos quais Lula tirou o PT para abrigar partidos aliados, a presença petista é grande. No das Cidades, por exemplo, a troca traumática de Olívio Dutra por um indicado do então presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP/PE), ficou restrita ao gabinete do ministro. Com exceção da secretária-executiva do ministério, que teve de ser desocupada por Ermínia Maricato, todas as outras secretarias continuaram chefiadas por petistas históricos, ligados ao movimento por moradia ou à discussão sobre saneamento. Desconhecida e disputada A Secretaria de Patrimônio da União é um bom exemplo de aparelho governamental sem nenhum status político, espaço na mídia ou apelo popular, mas que desperta a cobiça de vários partidos. Um dos órgãos mais antigos da república brasileira, a secretaria passou a ser motivo de disputa política apenas no governo Lula. Criada há mais de 100 anos, a secretaria sempre foi uma espécie de “grande imobiliária nacional”. Catalogava documentos de propriedade de terras da União repassadas a terceiros e funcionava mais como um cartório oficial nacional do que como um órgão de políticas públicas. Atualmente vinculada ao Ministério do Planejamento, a secretaria passou a ser mais ativa na promoção de políticas de ocupação do patrimônio da União. Não só passou a fiscalizar com mais seriedade a ocupação de áreas públicas por empresas, como adotou uma parceria com o Ministério das Cidades para regularizar diversas ocupações de sem-teto em prédios públicos. Com poder reforçado, a secretaria, praticamente desconhecida da população em geral, passou a ser motivo de disputa entre partidos, principalmente PT e PMDB. Uma funcionária da Esplanada dos Ministérios considera que o cargo de secretário de Patrimônio é hoje quase tão cotado quanto a pasta das Cidades. A secretaria é responsável por todas as terras de propriedade da União, o que inclui todas as praias, a Amazônia, as ilhas de Marajó e Fernando de Noronha. Com regionais em todos os estados, a secretaria responde por ações que vão desde a autorização para que se realizem os Jogos Pan-Americanos em praias do Rio de Janeiro até a avaliação quanto ao direito de uma empresa construir ou não um resort na beira da praia em Fortaleza. Essas regionais, atualmente, estão divididas entre petistas e peemedebistas. O cargo da secretaria é da cota pessoal do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, portanto, do PT. Mas o segundo lugar na direção da secretaria é indicação do PMDB. Mesmo assim, para o partido interessa mais as gerências regionais de patrimônio, pelo seu poder local. Principalmente em estados em que a Secretaria de Patrimônio tem um peso grande, como nos estados do Pará e Amazonas. Mas não é só em grandes extensões de terra que o cargo tem poder local. “No Rio de Janeiro, há muitos prédios da União, ainda do período quando era capital, então lá há um peso grande. Também em Santa Catarina e Espírito Santo, onde as áreas de praia sempre foram mal geridas, com construções irregulares.” Nesses dois estados, há um grande passivo de regularização, então são áreas de interesse, para barrar ou tocar a regularização de praias ocupadas por hotéis e até parques temáticos, como o Beto Carrero World, em Florianópolis. Também é importante no Ceará, onde a orla de Fortaleza foi ocupada por hotéis e resorts e também há um déficit de regularização. Outro grande chamariz da secretaria é seu plano para assentamento de até 1 milhão de famílias em áreas da União, a partir de projetos de regularização de áreas urbanas. Legislativo e Judiciário também entram na balança de negociações No quadro geral de negociações, não é só a indicação de cargos no Poder Executivo que interessa. O quadro geral também é fechado a partir de indicações para o Legislativo e o Judiciário. O PT, por exemplo, já fechou a indicação do deputado Paulo Delgado (MG) para a próxima vaga a ser aberta de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU). Apesar do TCU ser apenas um órgão auxiliar do Congresso Nacional e seus julgamentos não terem valor jurídico, qualquer relatório do tribunal tem efeito imediato na mídia e constrange políticos. Atualmente, a imensa maioria dos ministros do TCU é formada por indicados da época de Fernando Henrique Cardoso ou Sarney. Por isso, alguns ministros, antes filiados ao PSDB, costumam usar o tribunal como palanque para denúncias contra programas do governo federal. Antes mesmo de ter seu relatório julgado pelo TCU, alguns ministros têm vazado o material para a imprensa, como forma de constranger algumas políticas do governo federal. Contrabalançar o plenário com ministros também petistas foi uma das definições da bancada governista após a reeleição de Lula. Diretoria de estatais “Qualquer diretoria da Petrobras, até a menos importante, é disputadíssima”, analisa um ex-assessor do Planalto, que já passou pela negociação de cargos. O orçamento da maior empresa brasileira faz com que qualquer cadeira da estatal seja disputada a tapa pelos partidos. “Você tem o poder, como ocorreu agora, de definir se um complexo petroquímico vai para o Rio de Janeiro, Bahia ou Pernambuco. Isso tem conseqüências políticas enormes para seus aliados na região.” Assim como a Petrobras, também interessa qualquer diretoria de Correios, Banco do Brasil ou Caixa Econômica. No caso dos Correios, há grande interesse pelas superintendências regionais. “É uma pessoa que tem de ser do quadro da estatal, mas óbvio que sempre é uma indicação política.” Segundo o ex-assessor, esses “pequenos nichos de poder” ganham um peso enorme pelo orçamento que manejam. F