Uruguai avança na questão das drogas. Já o Brasil...

Denis Burgierman comenta a aprovação da legalização e regulamentação da maconha pelo Congresso uruguaio e afirma que o país está estacionado nesta questão

Escrito en GLOBAL el

Denis Burgierman comenta a aprovação da legalização e regulamentação da maconha pelo Congresso uruguaio e afirma que o país está estacionado nesta questão

Por Felipe Rousselet

[caption id="attachment_28159" align="alignleft" width="300"] José Mujica, presidente do Uruguai, é contrário à maconha, mas favorável ao consumo regulamentado (Foto: Wilson Dias/ABr)[/caption]

Nesta quarta-feira, 31, a Câmara dos Deputados do Uruguai aprovou, por 50 votos de um total de 96 parlamentares, o projeto que legaliza e regulamenta a venda e o consumo de maconha no país. Foram mais de 11 horas de discussão antes da votação. O projeto agora segue para o Senado, onde o governo do presidente José Mujica, autor da proposta, possui uma maioria confortável.

O texto prevê a criação do Instituto de Regulação e Controle da Maconha, que terá a função de fiscalizar a produção e a distribuição da droga, impor punições aos infratores e criar políticas educacionais sobre os seus riscos.

Se aprovado no Senado uruguaio, o usuário de maconha poderá, após realizar um cadastro, comprar até 40 gramas de maconha por mês nas farmácias. O projeto ainda autoriza o cultivo para consumo próprio de, no máximo, seis plantas por pessoa e 480 gramas por colheita.

Denis Russo Burgierman, jornalista e autor do livro O Fim da Guerra, sobre a política de drogas em diversos países, acredita que o projeto de lei aprovado no Uruguai amadureceu e melhorou a partir de uma ampla discussão com a sociedade. “É um modelo muito interessante que eu acho que tem tudo para funcionar. Quando o Mujica falou pela primeira vez no projeto ficou a sensação de que ele estava propondo um modelo estatizante demais. Mas a proposta melhorou muito desde a primeira ideia. A coisa foi levada a sério. Foi um debate racional, o tipo de coisa que não conseguimos fazer aqui [no Brasl]. Os projetos de lei aqui são tirados da cartola e discutidos a portas fechadas”, disse.

Apesar de acreditar que o projeto uruguaio será bem sucedido, Burgierman defende que não existe um modelo ideal de política de drogas. “Um dos maiores erros em relação à política de drogas é essa ilusão de que só existe um modelo ideal. É o que nós temos hoje no mundo. A ONU como guardiã mundial e todos os países do mundo, independente da suas especificidades, sua história e sua cultura, tem de seguir as mesmas regras que foram definidas nos anos 60 sob um forte lobby americano”, declarou. “Talvez o mais interessante do modelo uruguaio é que ele inaugura uma época de experimentação. Nos EUA, o Colorado e Washington estão em regulamentação de modelos bem diferentes, mas que também regulamentam o mercado de maconha. O que vamos ver à partir de agora é uma explosão de experimentação e vamos poder, finalmente, ver o que funciona melhor”, completou.

Brasil

Enquanto o Uruguai está em vias de legalizar a produção e o consumo de maconha, o Brasil está próximo de aprovar o projeto de lei 7.663/2010, do deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS), considerado por juristas e especialistas da área da saúde como um retrocesso em relação à política de drogas no país. O PL propõe uma nova classificação das drogas com base na sua capacidade de gerar dependência, vinculando a esta característica o aumento das penas de tráfico para substâncias que provocam maior dependência.

O texto do projeto também sugere a retomada da política de internação compulsória e involuntária como ponto central para o tratamento do uso abusivo de drogas e o credenciamento de comunidades terapêuticas, muitas delas geridas por entidades religiosas, para tratar dependentes de drogas, criando assim um sistema paralelo ao SUS. Além disso, o projeto mantém a falta de critérios claros para diferenciar traficantes de usuários.

“É basicamente um modelo de transferência de dinheiro para igrejas evangélicas tratarem dependentes sem nenhuma competência para isso”, critica Burgierman. “É consenso que a dependência é uma doença. Imagina se o governo decide que agora são as igrejas evangélicas que poderão tratar pessoas com câncer, que assim como a dependência é uma doença. E sem ao menos definir como devem ser tratados. É mais ou menos isso que está acontecendo. As pessoas não se dão conta do absurdo que é esse projeto”, completou.

Segundo Burgierman, como o governo não quer bater de frente com setores políticos conservadores que apoiam o projeto do deputado Osmar Terra, ele tem adotado a estratégia de esvaziar o PL 7.663/10. “O projeto é menos pior hoje do que era antes. No final das contas, o que sobrou nele foi o aumento de pena para traficantes, o que é um problema porque estamos com superlotação das cadeias e a gente não definiu a diferença entre usuário e traficante. Nós já percebemos que considerar o tráfico de drogas como crime hediondo está fazendo que só gente pobre, dos níveis mais baixos das organizações criminosas, seja presa. O encarceramento de mulheres nunca foi tão alto, uma vez que estão sendo enquadradas como traficantes por fazerem serviços subalternos muito desimportantes para o tráfico, mas aí o delegado considera que elas são traficantes. O projeto vai agravar todos esses problemas e o Brasil vai caminhar muito rapidamente para ter a maior população carcerária do mundo”, diz.

De acordo com Burgieman, a razão base que interdita o debate sobre a legalização das drogas é o sistema político brasileiro, regido por um modelo de democracia de coalizão. “Esse debate dentro do nosso sistema legislativo está interditado, você não consegue discutir esse assunto a sério. Acho que uma razão básica diz respeito a uma crise representativa. Nosso sistema político está travado por causa desse modelo de democracia de coalizão, que você só consegue eleger alguém com uma ampla coalizão partidária. No caso do governo atual, ele não pode fazer nada que desagrade a bancada evangélica, que é 30% do Congresso. Os políticos não estão legislando em nome daquilo que interessa ao Brasil. Estão pensando nos seus pequenos interesse. Não é à toa que o Brasil foi todo para as ruas”, aponta. “A América Latina está avançando e no Brasil a discussão, quando acontece, é no sentido do retrocesso”, conclui Burgierman.

(Foto de capa: United States Fish and Wildlife Service / Wikimedia Commons)