A política externa brasileira às escuras

Sob a liderança do ex-presidente Lula e do ex-ministro de Relações Exteriores Celso Amorim (2003-2010), o Brasil gerou rendimentos em várias áreas. Hoje, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) tem enfrentado tempos difíceis com o investimento de míseros 0,2% do PIB na política externa

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Sob a liderança do ex-presidente Lula e do ex-ministro de Relações Exteriores Celso Amorim (2003-2010), o Brasil gerou rendimentos em várias áreas. Hoje, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) tem enfrentado tempos difíceis com o investimento de míseros 0,2% do PIB na política externa Por Robert Muggah e Eduarda Hamann* Um bom momento para o Brasil reforçar a sua presença por meio da política externa é justamente agora. Conflitos internacionais, pandemias e mudanças climáticas exigem atenção urgente dos principais atores do sistema, inclusive da potência sul-americana. O Brasil poderia desempenhar um importante papel na promoção da estabilidade neste mundo tão incerto. Mas não tem sido fácil encontrar o país por aí. A política externa brasileira está às escuras. Para tornar a situação ainda mais difícil, a economia do país não vai bem. O novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, previu que a economia do Brasil deve se manter estagnada in 2015. O país é agora um dos chamados “Fragile Five” (os “cinco frágeis”), junto com África do Sul, Indonésia, Rússia e Turquia. Analistas brasileiros são pessimistas quanto a uma política externa mais ativa. Eles prezam pelas tão necessárias reformas domésticas para aumentar a produtividade e a competitividade. Mas eles estão enganados: a reforma doméstica não deve ocorrer à revelia da política externa. O Brasil precisa, com urgência, repensar e renovar os seus interesses estratégicos em seus vizinhos e em outros países. Meia década é capaz de fazer muita diferença. Sob a liderança do ex-presidente Lula e do ex-ministro de Relações Exteriores Celso Amorim (2003-2010), o Brasil gerou rendimentos em várias áreas. Lula e sua equipe priorizaram a expansão da presença diplomática do Brasil, juntamente com o engajamento comercial e a cooperação para o desenvolvimento. Se o governo de Lula foi a era de ouro da política externa, então a administração da presidente Rousseff denota a idade da pedra. A presidente tem pouca paciência para assuntos internacionais, priorizando questões domésticas. O Ministério das Relações Exteriores (MRE), antes um dos mais respeitados da América Latina, tem enfrentado tempos difíceis com o investimento de míseros 0,2% do orçamento federal em política externa. É evidente que o mundo atual é mais incerto do que o de 10 anos atrás. Mesmo diante da recessão global de 2008, o Brasil foi capaz de prosperar. Desde 2012, porém, o país começou a andar para trás.  As missões diplomáticas para “vender o Brasil” diminuíram de 180 em 2013 para apenas 40 em 2014. Ao contrário de seu antecessor, a presidente Dilma fez apenas um punhado de visitas ao exterior em seu primeiro mandato. A administração de Dilma não está apenas ausente dos debates globais – ela está efetivamente desarticulando o legado de Lula. Isso inclui o afastamento deliberado do engajamento construtivo com o Oriente Médio – tanto com Irã, como com a Palestina ou a Síria. Esquivou-se também de assumir papeis de liderança na ONU e em seu Conselho de Segurança, espaços que já foram pilares da política externa brasileira. Ao longo do processo, a presidente ainda cortou o orçamento do MRE de US$ 3.3 bilhões em 2010 para cerca de US$ 1.1 bilhão nos dias atuais. Se uma vez já foi considerado um bom cidadão global, hoje o Brasil não se envolve em eventos que definem a agenda, como as cúpulas do G-20, o Fórum Econômico Mundial e algumas negociações de paz. É ainda notável que o Brasil tenha deixado de pagar suas contribuições obrigatórias às Nações Unidas, hoje estimadas em mais de BRL 662 milhões (US$ 258 milhões), dívida que só aumenta. O país não está se ausentando somente da mesa; ele saiu da sala. A negligência em relação à política externa é evidente. As embaixadas e os consulados no Canadá, Estados Unidos, Guiné, Japão, Paraguai e Portugal não conseguem pagar suas contas de água e eletricidade, literalmente. Em Benin, a Embaixada tem apenas US$ 83 no caixa e a equipe é forçada a ficar em casa para evitar os mosquitos transmissores da malária. É surpreendente saber que as missões diplomáticas brasileiras receberam uma ordem recente de cortar seus gastos pela metade. A presente situação não diz respeito a uma política externa inspiradora e inovadora. O Brasil já apoiou de maneira ativa as instituições multilaterais. Já se levantou contra países mais ricos em nome dos países de menor desenvolvimento relativo. Era evidente que os diplomatas brasileiros estavam entre os melhores e mais bem preparados do mundo. Hoje, porém, muitos deles estão desmoralizados e consideram a mudança. Além disso, durante um debate diplomático com Israel em 2014, o Brasil foi descrito como “anão diplomático” – a alegação está hoje muito próxima da desconfortável realidade. Tudo isso gera más notícias para o Brasil e seus aliados. A influência do país nas relações internacionais é altamente positiva. O comprometimento do Brasil com questões de longo prazo, como a prevenção de conflitos e a consolidação da paz, nunca foi tão necessário. E a crítica construtiva do país em relação ao unilateralismo ocidental ainda seria bem-vinda por muitos. A retirada do Brasil em tempos de instabilidade global é motivo de grande preocupação não apenas no Brasil, mas em todo o mundo. O país só poderá recuperar a sua reputação política e econômica mediante o fortalecimento de sua política exterior. *Robert Muggah e Eduarda Hamann, Diretor de Pesquisa e Coordenadora do Programa de Cooperação Internacional do Instituto Igarapé. Foto: Blog do Planalto