Política de (in)segurança no Rio de Janeiro

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Matheus Rodrigues, de 8 anos, saía de casa, na Baixa do Sapateiro, Maré, em direção à padaria. Policiais que faziam ronda no local atiraram contra o menino, que nem sequer teve tempo de terminar de abrir o portão de sua casa. Seu corpo ficou caído nos dois degraus que separavam a casa da calçada. Esta já não é a primeira vez que isso acontece. Nos últimos dois anos, pelo menos duas crianças, assim como Matheus, morreram da mesma forma no Complexo da Maré.

A moeda de R$ 1 no centro de sua pequena mão entreaberta era um sinal de que o tiro que o atingiu o matou na hora. A bala, de fuzil, desfigurou o rosto da criança. A polícia afirma que no momento havia confronto entre facções rivais e que os policiais quando chegaram trocaram tiros com os traficantes. Que tiros? Nem a família, nem vizinhos ouviu qualquer outro barulho. Que confronto? Onde estão as marcas de tiros nas paredes das casas, os projéteis caídos no chão? Qual mãe pediria que o filho fosse comprar pão durante um tiroteio?

O único som que se ouviu naquela manhã foi o de um disparo. Apenas um, mas certeiro, capaz de roubar a vida de uma Manifestação no Riocriança, marcando não só o no rosto do menino, a calçada ensangüentada, mas a todos os familiares e moradores da região. Moradores inconformados gritavam por justiça. Faixas e cartazes foram confeccionados. Protestos foram realizados nas Linhas Vermelha e Amarela, um carro foi incendiado. Desespero e profunda tristeza acompanharam o caso.

O enterro também foi acompanhado de muita emoção e de protestos. Cartazes com as inscrições: "Paz"; "Mais uma de nossas crianças foi assassinada"; "Até quando?", acompanhavam o cortejo no cemitério do Caju. A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro colocou seu corpo jurídico à disposição da família.

Infelizmente, essas duras histórias não param de se repetir em favelas do Rio de Janeiro. A Política Pública de (In)Segurança do Rio de Janeiro é uma política de extermínio do favelado que ceifa a vida de quem está pela frente, ou, no caso, de costas. A política de segurança pública deveria, por princípio, resguardar a vida. Entretanto, o que se vê, são policiais explicando e justificando o inexplicável e o injustificável. Trata-se de um sistema que não leva em consideração a cidadania e nem o direito humano à vida.

Mais casos sem acaso

Não por acaso, essa fatalidade remete a outros casos de crianças que foram alvejadas em condições muito semelhantes à morte de Matheus. Claro que estaremos cometendo injustiça em não citar outras vítimas, mas as que serão citadas a seguir foram assassinadas brutalmente em menos de 15 dias do ano de 2006. São elas: Renan da Costa Ribeiro, 3 anos, morto dia primeiro de outubro de 2006, com um tiro de fuzil na barriga, na Nova Holanda, Complexo da Maré. Lohan de Souza Santos, 9 anos, morto por uma bala de fuzil na cabeça no dia 16 de setembro de 2006, no Morro do Borel. Guilherme Custódio Morais, 8 anos, morto dia 20 de setembro de 2006, por bala perdida na Favela do Guarabu, na Ilha do Governador. Paulo Vinícius de Oliveira Chaves, 7 anos, morto atropelado por uma viatura da Polícia Militar, dia 20 de setembro de 2006, em Vigário Geral. Moisés Alves Tinim, 16 anos, morto dia dois de outubro de 2006, com um tiro de fuzil, no Morro da Esperança, Complexo do Alemão.

Não podemos esquecer essas vidas que para nós têm nomes, não são apenas números como tratam as estatísticas. A Gabriela Prado, jovem de classe média assassinada em assalto no metrô da São Francisco Xavier em 2003, ganhou nome de rua na Tijuca. E os nomes das crianças da favela, onde serão lembrados? Nos nossos corações sempre serão lembrados, temos memória.

Maré em luto

Obviamente os mareenses sentiram na pele a dor da perda de mais uma de suas crias. Nesse momento, importantes organizações da Maré se unem para gritar por justiça. Reuniões estão sendo realizadas, atos já foram feitos, um deles nos 60 anos dos Direitos Humanos, realizado dia 10 de dezembro, no centro do Rio. E o objetivo não é parar, é o de mover a Maré, o Rio e o mundo para lutar contra essas injustiças sociais, contra essas realidades cruéis que só nos deixam dor.

Depoimento de Vânia Bento, denunciando o que vive...

A fotógrafa Vânia Bento, de 24 anos, moradora da Maré, acompanhou todo o caso. Ela, por meio de seu olhar tentou demonstrar tudo aquilo que sentiu, que viu e vê todos os dias.

"O assassinato do Matheus é mais um exemplo de injustiça. Me chocou enquanto ser humano, poderia ter sido meu irmão. Esses fatos só nos confirmam que as atitudes dos governantes não são em benefícios para as comunidades e seus moradores, em que a maioria são trabalhadores, mas que não se justifica morte, assassinato nenhum, de ninguém.

Comecei a me interessar pela fotografia quando percebi que através dela poderia contribuir de alguma forma em minha comunidade. Denunciar injustiças e até mesmo mostrar que nós que moramos aqui temos os mesmos direitos que qualquer outra pessoa. Já que a imagem tem um papel também informativo, resolvi então me entregar ao mundo da fotografia. Quem mora nas favelas do Rio de Janeiro, ou em qualquer outra do Brasil, percebe que não existe, pelo menos para nós, uma política de segurança eficiente, que nos atenda".

Com informações da Revista Viração.