Pontos para uma gestão cultural transformadora (parte 3)

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Quando a educação afasta-se da cultura, ela perde sua alma e quando a cultura se afasta da educação, ela perde seu corpo.

Por Célio Turino 

3 – Cultura como educação

“O grande desafio do país está na qualidade de sua educação”. Dificilmente algum político se elegeria sem repetir esta frase. Mas as premissas consideradas necessariamente evidentes e verdadeiras nem sempre o são. Educação é um direito do cidadão, dever do Estado; todos a defendem, todos se unem por ela. Mesmo assim, continuamos derrapando. E continuaremos derrapando enquanto não percebermos a educação como um método de transmissão de cultura. Educação é ferramenta, assim como a pedagogia. Mas não é assim que a educação se vê e talvez ela seja o caso mais emblemático de como os meios suplantam – e deformam – o conteúdo.

Quando a educação afasta-se da cultura, ela perde sua alma e quando a cultura se afasta da educação, ela perde seu corpo. Os métodos aplicados na educação mais adaptam que transformam, tornando-se cada vez mais instrumentais. Uma redução educacional que cada vez empobrece mais o aprendizado, contentando-se em ensinar as primeiras letras para uma leitura e escrita cada vez mais rasa; há também a matemática, as primeiras contas, sem as quais não se maneja uma máquina, seja um robô ou computador. E tudo mais vai se tornando dispensável. A educação não ganha qualidade com esta redução. Basta observar. Educação sem história, filosofia ou ciências não localiza as pessoas no mundo. Educação sem arte não aproxima o sensível da razão. E os modernos pedagogos da educação instrumental retornam seu ofício à origem etimológica da profissão, do grego antigoPaedagogus, “escravo que acompanha as crianças”. Nossas crianças, jovens, adultos e velhos não precisam de escravos que escravizem, querem uma educação que liberte.

Os melhores resultados em educação apontam para outro caminho. O ensino de xadrez nas escolas eleva entre 15% e 20% o aprendizado do estudante, comprovam pesquisas realizadas no Leste Europeu; por isso lá o ensino de xadrez é obrigatório. Ver cinema, fazer arte, visitar museus, brincar, tudo é educação. A educação não pode se restringir a um período da vida, precisa ser entendida enquanto um processo permanente; em que todos participam e invertem papéis, ora educando, ora educador. Como fazer isto para além das intenções? A “cidade educadora” é um bom caminho, uma educação que vai além da sala de aula, dos muros da escola, que se faz na rua, nas praças, ocupando todos os equipamentos disponíveis; e com toda gente.

Educação em tempo integral, sempre. Mas não necessariamente em tempo integral na escola. Uma “cidade educadora” pode ser realidade em pouco tempo, o Brasil já conta com experiências neste sentido. Aplica-se menos em prédios e mais em gente, aproveitando todos que se disponham e tudo de que se disponha para educar. E só a cultura está presente em tudo e em todos.

Célio Turino é historiador, escritor e gestor de políticas públicas. Servidor Público há mais de 30 anos, exerceu funções como Secretário de Cultura e Turismo em Campinas,SP (1990/92), Diretor de Promoções Esportivas e Lazer em São Paulo, SP (2001/04) e Secretário da Cidadania Cultural no Ministério da Cultura (2004/10). Idealizador e gestor de diversas políticas públicas inovadoras, entre elas o programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura, atualmente em processo de implantação em diversos países. Autor e organizador de inúmeros livros e ensaios, entre os quais: NA TRILHA DE MACUNAÍMA – ócio e trabalho na cidade (Ed. SENAC, 2005) e PONTO DE CULTURA, o Brasil de baixo para cima (Ed. Anita Garibaldi, 2009). Este é o terceiro texto de uma série de cinco artigos sobre políticas públicas para a cultura, adaptados do livro “Ponto de Cultura – o Brasil de baixo para cima” (Ed. Anita Garibaldi, 2009). Célio estreia com a série sua coluna no SPressoSP e na Revista Fórum.

Foto: Cortejo da Nação Griô, na Teia de Fortaleza de 2010, evento que reuniu milhares de representantes dos pontos de cultura do Brasil inteiro.