Por uma publicidade que não cause estragos

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A essa altura, muita gente já sabe que a Boticário fez uma propaganda de Dia dos Namorados com um casal hétero e dois casais homossexuais - algo que acabou causando discussões diversas sobre vários aspectos da propaganda e da sociedade. Primeiro, claro, a movimentação dos fundamentalistas para tirar a propaganda do ar e punir a empresa; depois, o apoio de muitos grupos dos movimentos sociais; e, finalmente, muitas críticas sobre o aspecto capitalista da propaganda, a ausência de casais ou até mesmo pessoas negras, entre outras questões relevantes. Foram levantadas muitas questões importantes, mas não pelos fundamentalistas religiosos. Realmente, a publicidade serve a um propósito de mercado e é óbvio que está em busca de lucro. De fato, pessoas negras pouco aparecem nas propagandas brasileiras e isso causa impactos na sociedade. Por mais que uma empresa faça uma peça publicitária considerada positiva em alguns aspectos, quase sempre algo mais fica faltando; as propagandas têm um longo histórico de utilizar somente pessoas brancas, heterossexuais, magras e sem nenhum tipo de deficiência como exemplos positivos. Talvez nem mesmo essas características deem conta de explicar o quanto a publicidade cria e perpetua padrões restritivos. Os atrasos estão acumuladíssimos. De qualquer forma, esse é um dos pontos que devem ser separados para reflexão. Afinal, o problema da publicidade brasileira é que ela gera prejuízos para as pessoas enquanto traz lucro para as empresas. O fato de apenas pessoas magras serem retratadas como bonitas e saudáveis, a ausência de pessoas negras, a heteronormatividade dos casais que são mostrados, tudo isso gera consequências, seja reforçando ideias que já existem e que fazem mal às pessoas, seja criando novos padrões e novas "modas" excludentes. Nossa sociedade é capitalista e extremamente consumista - isso certamente pode ser questionado e, acredito, deve ser mudado. Nossas relações e momentos de lazer, ou até mesmo aquilo que consideramos ser a felicidade, precisam ter a chance de não se associarem com a compra compulsiva para que existam em plenitude. No entanto, enquanto isso, a publicidade continua vendendo produtos e transmitindo às pessoas mensagens e ideias profundamente nocivas. Ou seja, da forma como as propagandas são hoje, elas causam estragos. É perfeitamente compreensível o fato de que muitos gays e lésbicas comemorem a presença ainda raríssima de casais homossexuais na televisão, assim como é compreensível quando algumas feministas se animam ao ver uma peça publicitária que não apenas não promove misoginia, mas que também passa uma mensagem positiva sobre as mulheres. O mesmo vale para quem tem cabelo crespo e pele escura e, finalmente, vê uma propaganda que mostra pessoas negras sorrindo com seus cabelos naturais. A carência de representatividade e os buracos causados por nunca enxergar alguém semelhante em veículos de comunicação têm, sem dúvida, papéis importantes nessas equações. De modo similar, é imprescindível que as pessoas se acostumem a não se conformar, a não enxergar algo como suficiente e definitivo, mas que possam acreditar que sempre dá para melhorar alguns pontos. Enquanto as empresas buscarem lucratividade, a publicidade continuará existindo. Produtos serão vendidos, ideias reproduzidas e tendências de comportamento criadas e estimuladas. O conteúdo dessas peças publicitárias pode ser nocivo e continuar gerando lucro, mas enfrentará, cada vez mais, a pressão das pessoas que já não engolem qualquer porcaria e nem deixam que ideias discriminatórias passem batidas. Ou o conteúdo pode ser positivo, pode ter a intenção de repassar alguma responsabilidade social, ou ainda reconhecer que os consumidores de um certo produto são diversos. Há quem celebre, há quem não se impressione. De qualquer forma, a obrigação de toda e qualquer empresa é não prejudicar a vida das pessoas, não enganar os consumidores e, claro, não reproduzir preconceitos. Aqueles que estão na televisão, que formam opinião e estimulam comportamentos, não podem, sob hipótese alguma, ensinar que o machismo, a homofobia, a transfobia, o racismo, entre outros tipos de discriminação são coisas positivas e que trazem felicidade. Uma publicidade que não cause estragos deve ser a regra, não a exceção. E isso é apenas o mínimo nesse grande leque de debates.   Gosta dos meus textos? Contribua: www.jaridarraes.com/contribua   Foto de capa: Reprodução / Youtube