Proibida para menores

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Parte da programação matinal das principais redes de TV aberta é voltada ao público infantil. Seja em intervalos comerciais, seja em inserções na fala dos apresentadores e em eventuais premiações em competições, em todas as atrações há propaganda de brinquedos, redes de fast food e outros tipos de comida de valor nutricional questionável.
Depois de sete anos de tramitação, o projeto de lei no 5.921 de 2001, teve uma nova versão aprovada pelo Conselho de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados. O texto proíbe a veiculação de anúncios, banners, comerciais, spots em rádio e em páginas da internet, além de vedar o merchandising e embalagens para o público infantil – qualquer tipo de publicidade ou de comunicação mercadológica na televisão e no rádio durante programas cuja audiência seja na sua maioria constituída por crianças. Haveria ainda uma margem de 15 minutos antes e depois.
O projeto é de autoria do deputado federal de Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), teve substitutivo elaborado pela deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG) e terá de passar por outras comissões, incluindo a de Constituição e Justiça e de Cidadania, para só então ir a plenário. “Houve uma manobra para que [o projeto] fosse parar em comissões que nada têm a ver com ele, como Tecnologia e Ciências e Indústria e Comércio”, acusa o deputado Hauly. “Ações protelatórias dos parlamentares vão retardar ainda mais a aprovação”, lamenta.
Em paralelo, corre o projeto da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no 71 de 2006, que propõe normas mais rígidas no país para a propaganda de alimentos com quantidades elevadas de açúcar, gordura e sódio e de bebidas com baixo teor nutricional. Depois de 140 dias disponível para consulta na página eletrônica da agência, foram 248 contribuições do setor regulado, da sociedade organizada e de pessoas físicas. A próxima etapa consiste na elaboração de uma nova proposta incorporando as sugestões para a participação da sociedade em audiências públicas.

Influência sobre a criança
Mas em que medida a propaganda é danosa para a criança? De acordo com Carlos Tadeu de Oliveira, gerente de informação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a entidade apoia a proibição de publicidade para as crianças. “Não é proibição de venda nem caças às bruxas, é a redução de exposição para o menor do que é vendido, já que sabemos que exposição e grau de consumo estão correlacionados”, analisa.
Segundo Oliveira, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 36 coloca limites à publicidade, exigindo que ela seja fácil e imediatamente reconhecida. O código também considera publicidade enganosa ou abusiva aquela que “se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”. A propaganda voltada para crianças ainda ignora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
De acordo com a psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ana Cecília Marques, o comportamento nunca é influenciado por um único elemento. “Se a propaganda para o público infantil não existisse, a influência sobre a vontade de consumir da criança seria menor, mas não é só isso que conta. Existem as regras, os modelos, o código de ética que é montado para a criança pelos pais”, explica.
Ana Cecília Marques insiste que o pai e a mãe têm de aprender a dizer não e a serem moderados. “Um pai permissivo pode ser tão nocivo para seu filho quanto um autoritário”, analisa. O grande problema, ressalta a pesquisadora, é que há uma política disseminada de compulsão e consumismo, numa balança que pende ao contrário da vontade ou do orçamento dos pais, deixando-os desprotegidos.

Disputa
Mas há muita resistência à mudança por parte de anunciantes e do mercado publicitário. Uma das manifestações mais claras ocorreu na sede da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB), na 3ª reunião de 2008 do Centro de Estudos da Associação Brasileira de Licenciamento (Abral), em meados de novembro. Membros de cadeias de fast food e brinquedos seguidamente taxaram o projeto de antidemocrático e até ilegal.
De acordo com a advogada especializada em propriedade intelectual, Cecília Marana, ele tira os poderes de criar e educar dos pais e os passa ao Estado, o que entra em conflito com o disposto no Código Civil. Arnaldo Rabello, consultor especializado em marketing infantil, pondera que o ideal seria ensinar os cidadãos a consumir e não tolher a opção de escolher. Isso porque, no texto do substitutivo, não só a propaganda televisiva ou anúncios impressos são proibidos, como também as embalagens dos produtos e imagens nos pontos de venda.
Para Glenn Migliaccio, diretor de licenciamento da International Trading Consultants (ITC), o texto é um “ato de comunismo velado”. Ele considera que, uma vez colocada em prática, a proposta confere ao Estado o poder de compra, e abre a possibilidade de outras faixas etárias serem englobadas na restrição. Para o vice-presidente da Abral e presidente da Panini, José Eduardo Severo Martins, o “projeto é inconstitucional e gera caos social”, por conta das possíveis perdas causadas – como fechamento de empresas e demissões – pela restrição ao mercado publicitário para crianças e adolescentes. Ele acredita na eficácia de entidades como a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (Abrinq), o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), e o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), além da autorregulação.
Para a diretora comercial da Maurício de Sousa Produções, Mônica de Sousa, o consumo inadequado de produtos e serviços é de responsabilidade dos pais e não dos fornecedores, promotores de venda e prestadores de serviço. Ela centrou suas críticas no Instituto Alana, que encabeça as manifestações favoráveis ao projeto de lei.
Isabella Henriques, coordenadora do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana, ouvida pela Fórum, defende-se: “Achei agressivo e deselegante da parte destas empresas, não fomos ao menos chamados para discutir”. Segundo a ativista, entidades como a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) fizeram debates com a ONG, mantendo uma relação respeitosa.
À crítica apresentada durante o evento de que o Alana teria vínculos financeiros com o Banco Itaú, Isabella responde que há sim acionistas do banco que são doadores, mas eles não influenciam nas ações. “Temos transparência no nosso trabalho, nossa ONG é financiada somente por pessoas físicas, temos grandes doadores, que nos apoiam”, sustenta.
“Somos a favor da democracia e é ela que nos permite abrir a discussão para mudanças. Esta é a tendência de todos os países democráticos”, alega (ver box). Com o apoio do Conselho Federal de Psicologia (CFP), uma cartilha foi criada com intuito de conscientizar a população sobre a quem a publicidade beneficia – “a quem assiste ou a quem produz e vende o produto?”.
Segundo o documento, a criança até oito anos não sabe diferenciar publicidade de jogo ou programa infantil. Por isso, a ideia não é impedir ou acabar com a publicidade, mas que ela seja focada no adulto, que é quem decide a compra, e não na criança. “O setor tem de se adaptar e mudar. Os profissionais se agarram em argumentos de cerceamento da liberdade de expressão, da criatividade, sendo que eles não querem perder um filão que associa o produto a um conceito de felicidade”, analisa Isabella.
Uma pesquisa realizada em 2000 pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), intitulada Perspectivas sobre a Criança e a Mídia, aponta justamente a influência das crianças nas compras realizadas pelos pais nos Estados Unidos. O montante era equivalente a US$ 500 bilhões (aproximadamente R$ 1,2 trilhão).
O mesmo levantamento indicou que em todo o mundo, o tempo médio que a criança passa em frente à televisão é até 50% superior ao dedicado a outras atividades, como estudar, brincar e usar o computador. O meio de comunicação preferido de 88% das crianças é a televisão.


BOX

Pelo mundo

 Em diversos países existem restrições à publicidade voltada para crianças e adolescentes. Em alguns países, como a Grécia, é proibida a propaganda de brinquedos das 7h às 22h. Nenhum tipo de anúncio para crianças é permitido na Noruega e na Suécia eles só podem ser veiculados depois das 21h. O mesmo vale para a província do Quebec, no Canadá.
No país da América do Norte, há ainda limite de tempo de comercial por hora de programação (quatro minutos a cada meia hora). É vedada ainda a repetição de anúncio de um mesmo produto em menos de 30 minutos. Na Áustria, Portugal e Luxemburgo, há restrições apenas às escolas.
Nos Estados Unidos, entre outras restrições, existe a proibição do merchandising e o impedimento de exibição de peças em que apresentadores de TV ou atores apareçam nos intervalos das atrações de que participam.
Na Inglaterra, nada de publicidade de alimentos com alto teor de gordura, sal e açúcar dentro e durante a programação de TV com apelo ao público menor de 16 anos. Imagens com cortes rápidos e mudanças de ângulo também, para não confundir a criança espectadora. O mesmo vale para efeitos especiais que insinuem que o produto possa fazer mais do que efetivamente faz.

Propaganda e obesidade

Na vida real, o casal Silmara e Clécio Pavan tem de barganhar e conversar bastante com suas filhas Mariana, de nove anos, e Ana Luiza, de seis, quando elas pedem “com aquela cara de anjo” uma boneca, um batom ou até um notebook. A mais velha já tem celular e, como algumas das amiguinhas ganharam um computador portátil, por que ela não poderia ter, já que é gentil, estudiosa?
Silmara conta que suas filhas nunca ficaram doentes por nenhum brinquedo e nem fazem escândalo no supermercado quando querem alguma coisa. Ela e o marido tentam driblar os pedidos das meninas mostrando a real necessidade deles e deixando para datas especiais, como o aniversário e o Natal para presenteá-las, mesmo tendo condição financeira de fazê-lo fora desses momentos. Eles creditam esta postura de entendimento delas e do “não”da parte deles, ao processo de criação que eles dão e que também tiveram.
Se a influência em moda e brinquedos é grande sobre as crianças, imagine a de alimentos. O administrador de empresas, pai de Mariana e Ana Luiza, conta que “a menorzinha desde os dois anos já reconhece pelo símbolo o que é McDonald’s e o que é Carrefour”. Ele conta que sua família tem um padrão alimentar saudável, mas ele e as duas meninas têm de ficar de olho no colesterol.
Uma pesquisa de Shin-Yi Chou, Inas Rashad e Michael Grossman, publicada em novembro deste ano, no estadunidense Journal of Law & Economics, indica que, se os anúncios de fast food fossem banidos, haveria redução de 18% no número de crianças de três a 11 anos acima do peso. Na faixa etária dos 12 aos 18, a queda de jovens acima do peso seria de 14%.
No Brasil, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto analisaram a relação entre obesidade e a quantidade de propaganda de alimentos ricos em açúcar, gordura, óleo e sal exibidas na televisão. Foram acompanhadas 816 famílias com filhos de sete a 14 anos. O resultado, divulgado em 2007, mostrou que aproximadamente 27% da propaganda exibida eram de alimentos, dos quais 57% vendiam produtos como achocolatados, bolachas recheadas, refrigerantes e salgadinhos. E 24% das crianças avaliadas tinham sobrepeso ou obesidade.
Outro levantamento brasileiro de pesquisadoras do Departamento de Medicina Integral, Familiar e Comunitária da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) revela que as crianças e adolescentes brasileiros estão se aproximando dos estadunidenses em índices de obesidade.
Dos 260 alunos de dez a 19 anos de uma escola pública do Rio de Janeiro, 15,6% estavam acima do peso recomendado para a idade e 11,7% eram obesos. Nos Estados Unidos, o índice chega a 17% nesta faixa etária. É considerada acima do peso no Brasil a criança acima do percentil de 85 da curva de índice de massa corporal (IMC) para a sua faixa etária; já o obeso precisa ter mais de 95. O IMC é calculado pela divisão do peso em quilos pela altura da pessoa ao quadrado, mas sua aplicação até os 20 anos leva em conta o percentual dessa população com menos massa corporal. Nos Estados Unidos, o Centro para Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês) considera acima do peso acima do percentil 95.
Se a comparação da legislação atual brasileira com a sueca possa parecer descabida tendo em vista as diferenças socioculturais, demográficas e econômicas, com os Estados Unidos ou com países emergentes fica menos forçoso estabelecer uma comparação sobre como é a realidade de outro país e como pode ser a mudança de padrão nacional.