Proposta do Minicom recebe críticas e levanta polêmica sobre multiprogramação

Escrito en NOTÍCIAS el

No último dia 25, o Ministério das Comunicações divulgou a “Norma Geral para Execução dos Serviços de Televisão Pública Digital”. Ela restringiu a multiprogramação (veiculação de mais de uma programação em um canal digital) apenas aos canais outorgados aos poderes da União ou a órgãos da Administração Indireta, proibindo a prática para o restante das emissoras, incluindo as públicas não-federais, universitárias, comunitárias e comerciais.

O ministro das comunicações, Hélio Costa, justificou a medida como forma de coibir possíveis abusos das televisões, como o aluguel de programações inteiras para terceiros. "Nós sentimos que, se não fizéssemos alguma coisa, haveria uma proliferação [de transmissões não autorizadas]. Queremos evitar os abusos dos inconseqüentes e que vão se aproveitar para fazer proselitismos de todos os tipos", disse ao noticiário Tela Viva News.

A iniciativa foi mal recebida pelos mais diversos setores. A Associação Brasileira de Radiodifusão (Abra), que reúne emissoras associadas à Bandeirantes e à RedeTV!, classificou-a de “absurda”. “A entidade [Abra] considera inadequada a medida do governo, uma vez que o padrão escolhido para a TV Digital, a partir do japonês e adaptado às necessidades do Brasil, tem como principal característica o multicanal. Não faz sentido proibir a utilização de uma das características principais do sistema brasileiro de TV digital”.

Interesses ‘globais’
Na avaliação de Valério Brittos, professor da Unisinos e autor de um livro sobre o tema, a publicação da Norma atende aos interesses do principal grupo de televisão do país: a Rede Globo. “Parece-me claro que a norma não interessa às grandes redes, mas especialmente à Globo. Ela não tem projeto de fazer multiprogramação e vê os possíveis novos agentes como prejudiciais ao seu negócio”. Para o professor, subordinar a regulamentação de um serviço importante como este a um grupo “é um problema sério”, pois ela responde às demandas de apenas um operador, desconsiderando os interesses da sociedade como um todo.

O acadêmico vê a reação das demais redes comerciais como algo normal, pois várias delas se beneficiariam do uso da veiculação de programações adicionais. Ele cita explicitamente a Band, que já possui o BandSports e a BandNews no cabo e poderia transmiti-los em seus canais digitais. O mesmo vale para a Record, que também oferta no cabo a RecordNews. Os regramentos instituídos pela Norma, na avaliação de Brittos, são uma forma artificial de “manter um feudo” no cenário convergente, onde deveriam ser buscados outros modelos de negócios diferentes e um ambiente com maior diversidade de agentes.

Ilegalidade e desperdício de espectro
Para Diogo Moysés, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a Norma tem um equívoco central: regulamentar um uso do serviço de televisão que é ilegal. Segundo a legislação atual, “uma concessão é sinônimo de uma programação”, explica. Isso porque as novas programações seriam novos serviços de radiodifusão de sons e imagens (televisão) executados sem que tenham sido autorizados pelo Estado, ente responsável pela concessão de outorgas para a exploração de canais de rádio e TV. “Não é o operador que tem que decidir isso”, endossa Valério Brittos.
Outro problema, segundo Moysés, é o fato da Norma aprofundar um grave defeito do Decreto 5.820/2006, que criou o Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (SBTVD-T): o desperdício de espaço no espectro de radiofreqüências. “O fato de os concessionários terem recebido 6 MHz para a exploração do canal digital promove um brutal desperdício deste bem público e finito. Hoje, as emissoras que estão transmitindo o sinal digital não ocupam nem 20% da capacidade de transporte do canal. Mesmo que o sinal seja em alta definição, há desperdício de espectro, já que caberiam pelo menos mais duas programações”, critica.

Limitações às emissoras públicas
Além de receber críticas de radiodifusores, ativistas e acadêmicos, a Norma também foi considerada limitada por parte dos dirigentes de TVs públicas. “Não concordo com a exclusão [da possibilidade de realizar multiprogramacão] das TVs públicas de natureza estadual e universitária que estejam efetivamente subordinadas ao controle social e não aos empresários de educação”, afirma a presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Tereza Cruvinel.

A Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec) também viu com reticências a iniciativa. As TVs afiliadas à associação, em sua maioria estaduais, serão as principais prejudicadas com a restrição trazida pela Norma, pois, diferentemente dos veículos federais, não poderão construir parcerias parar transmitir em multiprogramação. No Rio Grande do Sul, já havia negociações para lançar um canal digital com a TVE-RS e a TV da Assembléia Legislativa do estado.

Gustavo Gindre, integrante do Comitê Gestor da Internet e pesquisador sobre o tema, alerta que a limitação da Norma ocorre até mesmo no nível federal. “Ela não cita a inclusão da NBr [o canal do governo federal] e do Canal Saúde [mantido pela FioCruz, fundação ligada ao Ministério da Saúde], que são, como os demais, explorados diretamente pela União”.

Segundo Tereza Cruvinel, o texto não foi negociado com as emissoras públicas e sua publicação repentina é estranha, pois não há urgência deste campo na normatização da possibilidade de veicular programações adicionais. “Não sei a que urgência ela [a Norma] estava respondendo, sem dúvida não era a das TVs públicas. Queremos a multiprogramação, mas não estamos preparados para praticá-la neste momento”, diz.

Novas regras
A presidente da EBC disse ao Observatório do Direito à Comunicação que já está em curso uma articulação entre as TVs públicas para que a norma seja revista e contemple também as emissoras estaduais. O mesmo movimento foi patrocinado pelos radiodifusores comerciais, que cobraram do ministro Hélio Costa mudanças radicais nas regras sobre multiprogramação.

As pressões levaram o titular do Ministério das Comunicações a anunciar, no último dia 2, que o órgão deverá apresentar uma nova proposta de regulamento em até 90 dias. Para os entrevistados pelo Observatório, no entanto, ajustes pontuais não irão resolver a questão.

Isso porque, sendo a multiprogramação ilegal, apenas uma nova lei poderia regulamentar este tipo de serviço. “O fato é que a introdução da TV digital deveria ser tratada com mais seriedade do ponto de vista legislativo, pois na prática se trata de um novo serviço, com especificidades inimagináveis no ambiente analógico”, analisa Diogo Moysés. Para Tereza Cruvinel, os novos diplomas legais sobre o tema precisam de fato regulamentar a multiprogramação nas emissoras públicas, firmando princípios, limites e obrigações para seu uso.

Para Gustavo Gindre, uma nova legislação precisaria estender a noção de operador de rede a todo o sistema. “A Norma publicada pelo Minicom demonstra que o operador de rede é importante para otimizar o uso do espectro e poupar recursos públicos (permitindo construir apenas uma única infra-estrutura de transmissão). Ora, por que o mesmo raciocínio não se aplica às emissoras privadas, que também usarão o bem público e finito do espectro e recursos públicos para construir suas antenas de trnasmissão (através do Pro-TVD do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social])?”, questiona.

Valério Brittos vai ainda mais longe. Na opinião do acadêmico, não basta uma lei para a TV digital, mas deve ser discutida uma nova legislação para a comunicação social eletrônica incluindo não só a TV e o rádio digitais como a relação destes serviços com as novas plataformas convergentes.

Com informações do Observatório da Comunicação.