Protestos egípcios não passam pela cortina da mídia

Enquanto civis morriam nos protestos, a imprensa estatal e a maior parte da mídia privada comemoravam a operação de segurança contra os “terroristas”, que “ameaçavam a segurança nacional”

Desde que Morsi foi expulso do governo pelos militares, no dia 3, tiveram início manifestações não violentas em todo o Egito. (Foto Hisham Allam/IPS)
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Enquanto civis morriam nos protestos, a imprensa estatal e a maior parte da mídia privada comemoravam a operação de segurança contra os “terroristas”, que “ameaçavam a segurança nacional” Por Adam Morrow e Khaled Moussa al-Omrani, da IPS/Envolverde Conforme se agrava a crise política no Egito, partidários do deposto presidente Mohammad Morsi acusam os meios de comunicação locais, estatais e privados, de ignorarem os protestos e ocultar maciços abusos dos direitos humanos. “A televisão egípcia procura desesperadamente encobrir o assassinato de centenas de manifestantes desarmados na Praça Rabaa al-Adawiya, no Cairo.”, disse Qutb al Arabi, dirigente da Irmandade Muçulmana. “Inclusive, procura tenta apresentar os manifestantes como ‘terroristas’”, afirmou à IPS. No dia 15, as forças de segurança dispersaram violentamente, com fogo real e gás lacrimogêneo, dois protestos no Cairo que exigiam a recondução de Morsi à Presidência e já entravam em sua sexta semana. No dia seguinte, o Ministério da Saúde informou que 288 pessoas morreram na repressão na Praça Rabaa al-Adawiya, onde acontecia a maior das duas manifestações em favor de Morsi. [caption id="attachment_29214" align="alignright" width="360"] Desde que Morsi foi expulso do governo pelos militares, no dia 3, tiveram início manifestações não violentas em todo o Egito. (Foto Hisham Allam/IPS)[/caption] No entanto, a Aliança Nacional para a Defesa da Legitimidade, partidária de Morsi, disse que o número de vítimas fatais, na verdade, passa de mil. Neste momento, parece impossível verificar qual é o número correto. Pelo menos quatro jornalistas, incluindo um cinegrafista da British Sky News, morreram em razão da violência. A repressão, por sua vez, desatou enfrentamentos em todo o país entre partidários de Morsi e efetivos da segurança, estes últimos muitas vezes em roupas civis. Várias delegacias em todo o país foram alvo de saques e incêndios. Enquanto isso, a imprensa estatal e a maior parte da mídia privada comemoravam a operação de segurança contra os “terroristas”, que “ameaçavam a segurança nacional”. A televisão egípcia mostrou armas supostamente apreendidas nos lugares onde houve protesto. “Os meios de comunicação locais procuram mostrar os manifestantes pacíficos como violentos terroristas, sem darem provas concretas disso”, afirmou Al Arabi. As armas que supostamente foram encontradas em locais de protesto são parte de uma montagem das forças de segurança com a cumplicidade da mídia, ressaltou. Desde que Morsi foi expulso do governo pelos militares, no dia 3, tiveram início manifestações não violentas em todo o Egito. Os veículos de comunicação tentam minimizar ou ignorar completamente estes protestos. “Grande número de egípcios está nas ruas de todo o país exigindo a restauração da legitimidade democrática e condenando o massacre do dia 14”, afirmou Al Arabi. “No entanto, é impossível avaliar o número exato, já que as mobilizações a favor de Morsi, especialmente as que acontecem fora do Cairo, não recebem nenhum tipo de cobertura jornalística”, acrescentou. Hasan Ali, professor de meios de comunicação na Universidade do Cairo, concorda com Al Arabi. “Os veículos de comunicação egípcios ignoram as manifestações e as marchas, sem importar seu tamanho, e se concentram exclusivamente nas atividades contra Morsi”, disse à IPS. O jornalismo no Egito “perdeu toda aparência de objetividade ou profissionalismo”, ressaltou. Por sua vez, Mahmoud Sallem, engenheiro de 30 anos que participou dos protestos a favor de Morsi, disse à IPS que “a televisão egípcia ignora completamente nossas manifestações com a esperança de convencer o público de que não há oposição popular ao golpe militar”. No dia 5 deste mês, as novas autoridades egípcias proibiram a entrada no país da iemenita Tawakul Kerman, prêmio Nobel da Paz. No dia seguinte, a jornalista e ativista afirmou: “Só os que apoiam o golpe militar no Egito têm voz nos meios de comunicação”. Segundo Al Arabi, também membro do Conselho Supremo de Jornalismo (responsável pela administração da imprensa estatal), disse que a censura aos partidários de Morsi é parte de uma grande campanha contra os islâmicos. “Depois do golpe a imprensa estatal deixou imediatamente de divulgar tudo o que fosse de escritores islâmicos, enquanto os canais de televisão estatais, e a maioria dos privados, deixaram de convidar comentaristas muçulmanos”, afirmou. Após a queda de Morsi as autoridades fecharam imediatamente os canais de televisão islâmicos, acusando-os de “incitarem à violência”. As forças de segurança também invadiram os escritórios da rede árabe de televisão Al Jazeera no Cairo. Por outro lado, permanecem intocados canais privados conhecidos por sua linha anti-islâmica. Estas emissoras de TV, que têm sua sede na Media Production City, nos subúrbios do Cairo, são propriedade, em sua maioria, de empresários que estiveram vinculados ao regime de Hosni Mubarak (1981-2011). “Também tiveram um papel central em mobilizar o público para as manifestações de 30 de junho contra Morsi, que precederam o golpe”, indicou. No começo deste mês, dezenas de partidários do presidente deposto foram presos quanto tentavam realizar uma manifestação diante da Media Production City, exigindo um “expurgo” nos meios de comunicação. No entanto, poucos canais de televisão não egípcios que cobrem as manifestações a favor de Morsi foram alvo de frequentes assédios e interferências. No dia 13, o canal de televisão Al Quds, com sede central em Gaza, informou que as forças de segurança egípcias fizeram uma blitz em seu escritório no Cairo e detiveram um de seus empregados. O Al Quds é administrado pelo grupo palestino Hamás (Movimento de Resistência Islâmica), vinculado à Irmandade Muçulmana. No ano passado, Morsi, candidato da Irmandade, se converteu no primeiro presidente egípcio eleito de forma livre. No dia 3 de julho deste ano, foi derrubado pelas poderosas forças armadas, após maciços protestos contra seu governo na Praça Tahrir, no Cairo. Seus críticos dizem que sua queda é uma “segunda revolução” que segue a mesma linha do levante de janeiro de 2011, que terminou com o regime de Mubarak. No entanto, os partidários de Morsi consideram que se trata claramente de um golpe militar contra um presidente eleito, uma “contrarrevolução” realizada pelo “Estado profundo” de Mubarak. Além do Al Quds, o governo também tirou do ar outros poucos canais que cobriam as manifestações a favor de Morsi, como Al Jazeera, Al Yarmouk, com sede na Jordânia, e Al Hiwar, com sede na Grã-Bretanha. Os manifestantes exigem a volta de Morsi ao poder, a restauração da Constituição, suspensa pelos militares, e do Conselho Shura (câmara alta do parlamento), bem como o julgamento dos responsáveis pela morte de civis.