Quem tem medo das doações?

Tentativa de criminalizar arrecadações dos réus da AP 470 procura esconder críticas cada vez maiores ao julgamento

Fonte: Blog da Cidadania
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Tentativa de criminalizar arrecadações dos réus da AP 470 procura esconder críticas cada vez maiores ao julgamento Por Paulo Moreira Leite, em seu blog [caption id="attachment_41376" align="alignleft" width="300"] Para o ministro Gilmar Mendes, há suspeita de "lavagem de dinheiro" nas doações
(Fonte Blog da Cidadania)[/caption] Só quem ainda não entendeu o que está acontecendo com a ação penal 470 implica com as doações recebidas por Genoino e Delúbio Soares. Basta fazer uma conta de aritmética simples para entender que são números compatíveis, por exemplo, com o número de filiados ao PT. Eles somam 1,7 milhão de brasileiros. Em teoria, bastaria que cada filiado doasse R$ 1 para que o total fosse atingido. Claro que não foi isso o que ocorreu mas essa estimativa dá uma ideia do processo. Sem que se tenha provado nenhuma irregularidade nas arrecadações, a divulgação da (suspeita? denuncia? calunia? mentira? ) sobre lavagem de dinheiro e os pedidos de investigação são apenas tentativas de esconder um fato político de primeira ordem: a visão de muitos brasileiros sobre o “maior julgamento da história” está mudando – e rapidamente. Em vez atender ao grotesco pedido de Joaquim Barbosa, estes cidadãos mostram que os condenados não serão punidos com o esquecimento. Pelo contrário. Tem gente que é capaz de colocar a mão no bolso para dizer que serão lembrados. O esforço para criminalizar as doações é apenas uma tentativa de criminalizar um movimento político legítimo e, do ponto de vista de muitas pessoas, necessário. Não há nada de novo aqui, quando recordamos qual era o sentido a ação penal 470: criminalizar lideranças de um governo que, com todas as falhas e defeitos, mostrou-se capaz de realizar diversas mudanças urgentes, de interesse da maioria da população. O sinal novo, que não se quer enxergar, encontra-se nas doações. Abatidos, derrotados e desmoralizados depois do julgamento, os eleitores de Lula, os filiados ao PT,  sindicalistas e milhares de  cidadãos de convicções democráticas mostram que não perderam a capacidade de incomodar-se diante de uma injustiça cada vez mais visível. Perderam o medo de mostrar seu inconformismo. É por isso que as doações incomodam, quando deveriam ser celebradas. Elas expressam uma força que nossos vira-latas da sociologia barata tanto elogiam nos países desenvolvidos – a presença, em nossa sociedade, de homens e mulheres que não se dobram nem se submetem. Já vimos, inúmeras vezes, como essa capacidade de resistência tem importância em nossa história. O processo está se repetindo, e a arrecadação é apenas um sinal. As doações mostram, essencialmente, que cresce o número de pessoas convencidas de que tivemos um julgamento injusto, partidarizado e contraditório. Não é para menos. Está cada vez mais evidente que não era possível impedir o desmembramento da ação penal 470 depois de garantir esse direito aos réus do mensalão PSDB-MG. A decisão de manter sob sigilo as provas reunidas nos 78 volumes do inquérito 2474, que pode ser acompanhada num vídeo disponível na internet, mostra-se tão ilegítima como suspeita. Pergunta-se: se as provas da acusação contra eram tão boas e tão consistentes, por que deveriam ficar escondidas? Além de serem condenados por uma doutrina que dispensa provas individuais contra cada um dos réus, como manda o Direito Penal, os réus agora enfrentam penas agravadas artificialmente, apenas para garantir que eles ficassem submetidos a longas temporadas sob regime fechado. O voo de 15 de novembro, a guerra de laudos médicos, a tensão fabricada contra prisioneiros do AP 470 e os demais apenados,  numa tentativa tosca de denunciar “privilégios” que nunca se mostram, apenas demonstra um esforço para desmoralizar os réus, e criar um estigma político para impedir e uma discussão serena e necessária sobre o julgamento. O ponto é este. As pessoas que criminalizam as doações temem, acima de tudo, serem criminalizadas pela própria consciência. Sabem que poderão ser cobrados pelo silêncio, pela omissão, pela hipocrisia. Mais uma vez, e há uma ironia amarga, aqui, é a noção de que todos são inocentes até que se prove o contrário que está em jogo aqui.