Questões de gênero na reta final da eleição presidencial

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De acordo com os dados mais recentes da pesquisa Vox Populi, Dilma está à frente de Aécio com 52% dos votos válidos no segundo turno das eleições, sendo que sua vantagem entre as mulheres aumentou para cerca de 5 pontos. O apoio feminino que Dilma recebe vai além dos movimentos feministas que se posicionam a favor da candidata petista - ele é também reflexo da percepção feminina sobre a postura de Aécio Neves, que vem sendo categorizado como machista nessa disputa eleitoral. Aécio finalmente percebeu que as questões de gênero são relevantes para conquistar votos e começou a falar sobre igualdade entre os sexos. No último dia 19, por exemplo, sua campanha publicou no Facebook  uma proposta que incluiria mais mulheres nas Forças Armadas. O problema é que a proposta recai em um clichê sexista e mais reforça a desigualdade do que promove o combate ao machismo, já que insiste na ideia de catalogar toda as mulheres como "pacificadoras" - como se fossem naturalmente mais passivas ou sensíveis.  No fim das contas, Aécio não convence quem atua na área de direitos da mulher, pois nem ele nem seu partido possuem histórico de defesa das pautas feministas. Pelo contrário, a imagem do candidato parece estar bem distante dessa ideia. Esse assunto tomou tamanha proporção que até mesmo a página oficial do PT no Facebook mencionou o machismo de Aécio: foram publicados uma imagem e um texto citando as agressões proferidas contra Dilma Rousseff durante sua chegada para o primeiro debate do segundo turno na Band, quando apoiadores de Aécio a chamaram de "vaca" repetidas vezes. Além disso, a exemplo dos embates com Luciana Genro ou a própria Dilma Rousseff, Aécio parece sempre adotar tons moralistas e paternalistas na hora de levantar sua voz; a palavra favorita de seu vocabulário, especialmente oferecida às candidatas do sexo feminino, é "leviana". Usando como referência uma grande variedade de dicionários da língua portuguesa disponíveis atualmente, uma pessoa leviana é o mesmo que uma pessoa imprudente, precipitada e impulsiva, que age sem refletir e se preocupa com coisas fúteis. Presente também no uso popular, ou mesmo em músicas nacionalmente conhecidas, a palavra "leviana" também significa "namoradeira" e "inconstante". É verdade que um homem também pode ser chamado de leviano e outros termos similares, porém, historicamente, todos esses adjetivos sempre foram especialmente direcionados às mulheres, sobretudo quando ousam romper com os papéis que lhes foram designados. No início do século XX, muitas dessas mulheres foram diagnosticadas como histéricas por psiquiatras e psicanalistas - rótulo que até hoje é utilizado na tentativa de desqualificar os argumentos e as atitudes das mulheres. Por isso, ao chamar Dilma Rousseff de leviana e proferir as mesmas palavras contra Luciana Genro, Aécio reproduziu um tipo de sexismo histórico que já foi profundamente debatido por feministas, até mesmo por filósofas mundialmente reconhecidas como Simone de Beauvoir. Seu comportamento perante mulheres fortes não é nenhuma novidade; certamente, ambas as candidatas já se depararam com muitos homens com atitudes idênticas. É fato que as mulheres que optam pela vida política e pela luta por direitos conhecem intimamente os mecanismos usados pelos machistas para atacá-las e desmoralizá-las teatralmente. O fato é que a postura de Aécio é notada pelas eleitoras brasileiras; afinal, o machismo é rotina presente na vida de muitas. Ainda vivemos em uma cultura misógina, que se utiliza de paradigmas machistas na tentativa de manter as mulheres em posições subalternas. Aquelas que notam essas situações e não se conformam com elas também se sentem incomodadas e até mesmo agredidas pela personalidade de Aécio. Afinal, só uma mulher que já conviveu com um homem explosivo, que constantemente xinga as mulheres e as trata como mentirosas natas, sabe o tipo de prejuízo psicológico que isso pode causar. Além de todos esses fatores que perpassam muito mais questões subjetivas e percepções individuais de cada mulher, há também a polêmica que relaciona Aécio com um caso de violência contra uma mulher: segundo diversos portais de notícias e jornais brasileiros, entre eles o blog do jornalista Juca Kfouri e a coluna de Joyce Pascowitch, Aécio bateu em sua atual esposa - até então namorada - durante uma festa exclusiva no Hotel Fasano, no Rio de Janeiro. A namorada, estapeada, caiu no chão e tentou revidar enquanto as pessoas em sua volta "separavam" o casal e o clima tornava-se pesado no evento. Aécio afirma que é tudo mentira e calúnia e chegou a pressionar o jornalista Juca Kfouri, que manteve a publicação. Como bem questionado pelo editor da revista Fórum, Renato Rovai, se tudo se trata de calúnia e mentira, por que Aécio não processa Kfouri, que foi um dos mais convictos da acusação? O roteiro do machismo é previsível e repetido, pois sempre encontra no gênero uma suposta fraqueza da mulher. Afinal, para atacar uma mulher, ridicularizá-la e amedrontá-la, os paradigmas impostos ao sexo feminino são sempre recorrentes. A simbologia da violência física é um deles, assim como a terrível ameaça do estupro e a intimidação sexual. Aécio, em suas considerações finais no debate promovido pelo SBT no último dia 16, olhou para Dilma Rousseff e afirmou que ela "receberá sempre o olhar altivo de um homem de bem". Esse antiquíssimo discurso pautado na imagem do patriarca resume muito bem o apoio feminino e feminista à Dilma. Talvez seja tarde demais para que Aécio se recupere e mude sua imagem quando o assunto é gênero, de modo que nem mesmo a presença de suas parentes do sexo feminino em seus palanques possa fazer a diferença nessa reta final. É difícil afirmar se isso será suficiente para que venha a perder a eleição; mas sem dúvida alguma, os movimentos sociais de mulheres não aceitam Aécio como representante. Foto de capa: Reprodução