Rafael Correa, mais uma vez

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Pela primeira vez desde o retorno do sistema democrático no Equador, em 1979, um presidente no pleno exercício de suas funções poderá concorrer à re-eleição. Rafael Correa, um economista de 45 anos que saiu dos quadros docentes da maior universidade privada do país para, depois de uma rápida passagem pelo Ministério de Economia e Finanças, chegar à presidência, tem grandes chances de permanecer por pelo menos mais quatro anos no comando do governo equatoriano.

Correa vem sendo considerado por muitos – inclusive por membros da oposição – como um candidato imbatível. Por uma série de motivos, que vão desde características pessoais e boas estratégias de comunicação até o desejo popular por mudança que entra em perfeita sintonia com algumas medidas implementadas nestes dois anos em que ocupou o Palácio de Carondelet, em Quito. No entanto, talvez o que mais pese a favor de seu favoritismo na hora da votação seja a falta de concorrentes à altura.

“Às vésperas das eleições, vemos que não há candidatos habilitados para derrotar Correa. O presidente conseguiu inculcar na população a ideia de um novo projeto para o país e fazer com que o povo votasse pela mudança. Além disso, foi capaz de cutucar a ferida dos partidos políticos tradicionais”, analisa Ruth Hidalgo, diretora do observatório eleitoral Participación Ciudadana. Para a analista, no entanto, se não existe um adversário capaz de ameaçar o presidente, é também porque os grupos políticos que agora se encontram na oposição ainda não entenderam que devem se questionar sobre seus próprios estatutos e trabalhar a partir de um novo projeto político. “Ainda estão pensando em recuperar velhas práticas. Enquanto esse for o pensamento dos partidos tradicionais, não haverá para eles possibilidade de vitória.”

O Equador passa por um período de transição que se materializou institucionalmente durante o governo Correa. Os antecedentes mais imediatos dessa onda de mudanças, entretanto, se encontram na década passada. Há mais de dez anos que o país não tinha um governo estável. Abdala Bucaram, Alarcón Rivera e Jamil Mahuad passaram pela presidência entre 1996 e 2000, quando um golpe de Estado instaurou um triunvirato que não durou nem uma semana. Então vieram Gustavo Noboa, Lucio Gutiérrez, Alfredo Palácio e, finalmente, em 2007, Correa, cuja vitória não pode ser interpretada fora do contexto das recorrentes crises políticas em que estava mergulhado o país.

À frente do movimento Alianza País, Correa venceu as eleições pela primeira vez prometendo desencadear uma “revolução cidadã”. O projeto teria como carro-chefe a convocação de uma Assembleia Constituinte e a aprovação de uma nova Carta que rompesse com os ordenamentos institucionais da anterior, elaborada em 1998. “Os seguidos golpes cívico-militares, as mobilizações populares e levantes indígenas de alguma forma haviam colocado em evidência a necessidade de re-estruturação do aparato jurídico-administrativo do Estado”, explica Alex Zapatta, professor da Universidade Central do Equador e membro do Centro de Pesquisas para o Desenvolvimento, em Quito. Zapatta afirma que as condições de governabilidade estavam esgotadas e que a estrutura dos partidos políticos tradicionais já não permitia conduzir as inquietudes sociais: faltava um novo esquema.

“A Constituição de 1998, ao mesmo tempo em que reconhece direitos coletivos e olha para as minorias, institucionaliza no Equador a implementação das políticas de re-estruturação macroeconômica de acordo com o modelo fomentado pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. Todas as mobilizações realizadas nos últimos anos, junto com demandas específicas de cada grupo social, colocaram em questão a lógica neoliberal”, analisa Zapatta. Para o pesquisador, a convocatória da Assembleia Constituinte responde à necessidade de elaborar um novo marco institucional diferente daquele que havia servido de base de sustentação às políticas de ajuste estrutural e desmantelamento do Estado.

De fato, a Constituição aprovada no referendo em setembro de 2008 guarda diferenças importantes em relação à anterior. Antes de tudo, declara que o “sistema econômico é social e solidário”, em vez de “economia social de mercado”, e proíbe formas precárias de trabalho, como a terceirização e a contratação por horas. Também vincula a política agrária aos princípios da soberania alimentar e reforça uma série de direitos, alguns deles inéditos. “A Natureza ou Pacha Mama, onde se reproduz e se realiza a vida, tem direito a ser respeitada integralmente em sua existência, preservação e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos”, diz o texto constitucional. Além disso, o Equador se define como um Estado Plurinacional, o que em teoria significa que todas as etnias do país – sobretudo as indígenas – estão livres para exercer suas especificidades culturais, linguísticas e econômicas ao invés de se submeterem ao padrão de matriz europeia imposto ao longo dos séculos pelas classes dominantes.

A exploração mineral e os movimentos indígenas “Como acontece em quase todas as sociedades, uma coisa é o que está escrito nas leis e, evidentemente, outra coisa é a política dos Estados”, constata o professor Alex Zapatta. Em janeiro, o Congresso de transição aprovou uma nova Lei Mineira. Patrocinado pelo governo de Rafael Correa, o texto abre caminho para a exploração das reservas de ouro e cobre descobertas em áreas de proteção ambiental na Amazônia equatoriana e na Cordilheira do Condor. As escavações seriam realizadas por grandes transnacionais. Nesse sentido, houve um recente encontro do presidente com empresários canadenses do setor mineiro e energético, aos quais confidenciou que “aqui há muitas oportunidades de negócios”. 

A decisão oficial de abrir caminho à exploração transnacional das reservas minerais do país entra em aparente contradição com os princípios de soberania nacional e os “direitos da natureza” previstos na Constituição. Também vai na contramão de algumas medidas ecológicas do governo, como o projeto de buscar créditos internacionais para manter o petróleo das jazidas amazônicas de Yasuní embaixo da terra e, assim, preservar a floresta.

“Toda pessoa, comunidade, povo ou nacionalidade poderá exigir da autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza.” Invocando essa determinação constitucional, a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) retirou o apoio dado a Correa nas eleições de 2006 e no referendo do ano passado. Uma das principais críticas de Miguel Guatemala, vice-presidente da organização, é a arrogância do presidente frente à oposição dos movimentos sociais. “Correa disse que éramos minorias, noveleiros, infantis e muitas outras coisas. E as ofensas não se destinaram apenas ao movimento indígena, mas sim a todos os grupos que se contrapuseram a suas propostas. Também ameaçou reprimir-nos com o uso das Forcas Armadas. Esse não é o sentimento de um governo do povo.”

O líder indígena acredita que Correa não está pensando a longo prazo – ainda que uma das principais justificativas do governo para abrir caminho à extração mineral tenha sido um possível esgotamento das reservas petrolíferas equatorianas dentro de 25 anos. A Conaie pensa a questão por outro ponto de vista. “[Com a nova Lei Mineira,] Certamente haverá recursos econômicos durante o mandato do presidente. No entanto estes recursos não vão sanear o dano que sofrerá o meio ambiente. Como ficará o país daqui a 100 anos? Agora existem recursos que podem ser vendidos, mas não vão durar para sempre. E então teremos destruído a natureza e haverá mais pobreza, mais fome e não haverá emprego”, reflete Guatemala.

O movimento indígena surgiu no Equador – com suas características atuais – no ano de 1990. Na ocasião, um levante paralisou uma boa parte do país com as bandeiras étnicas e culturais dos povos originários para trazer novos valores à já desacreditada política equatoriana. “Este já não era o mesmo movimento indígena dos anos 1950 e 1960, que se expressava a partir de uma visão campesina e basicamente reivindicava o acesso à terra. A década de 90 traz um deslocamento de suas demandas para uma revalorização da identidade cultural”, explica Alex Zapatta.

A partir daí, o movimento indígena começa a capitanear as reivindicações sociais no país. A Conaie assume importância como ator político e ganha um braço partidário, o Pachakutik, cuja campanha eleitoral propunha a união dos movimentos sociais em busca de um governo para todos os equatorianos, sem privilégios nem privilegiados. Também criticava a práxis política reinante no país lançando mão de lemas como ama quilla, ama shua e ama llulla, que em quéchua significam “não mentir, não roubar, não ser ocioso”.

“Com o surgimento do Pachakutik, as lideranças indígenas começam a ocupar cargos públicos e costurar alianças com outros setores da política nacional, o que levou os indígenas a pactuarem com o governo de Lucio Gutiérrez”, observa Zapatta. “Então, a exigência ética que nasce do mundo indígena – no momento em que o movimento se projetava como sujeito de transformação – tende a ser diluída quando este assume a postura de ator político, que implica acordos, entendimentos, favores etc.”

Favoritismo total
Apesar das críticas ao governo, os institutos equatorianos de pesquisa de opinião dão a Rafael Correa uma média de 65% de popularidade. Em geral, ele é visto como um mandatário “inteligente e honesto”. O fato de estar sempre sorrindo também o ajuda, assim como seus pronunciamentos em cadeia nacional de rádio, nas manhãs de todos os sábados, e de TV, às segundas-feiras. O presidente também percorre cidades e povoados em contato direto com os eleitores. Correa criou um estilo de governar e uma imagem presidencial que, ainda que classificada por muitos como populista, é inédita no Equador e – principalmente – agrada aos cidadãos.

Mas o correísmo não é apenas marketing. Sua administração tem desenvolvido diversos programas sociais nas áreas como moradia, saúde, educação, créditos populares e desenvolvimento humano. Aos mais necessitados, oferece auxílio financeiro para pagar aluguel e outras despesas básicas. De uma maneira geral, Correa foi o primeiro entre muitos presidentes equatorianos a manter-se fiel às promessas de campanha: além da aprovação de uma nova Constituição, os contratos de exploração petrolífera foram renegociados em benefício do Estado, a dívida externa passa por uma auditoria geral que promete pagar apenas dividendos “legítimos” e “legais”, a política externa é dirigida de maneira soberana, os mais ricos foram obrigados a saldar impostos que deviam ao erário, o consumo de produtos hecho en Ecuador vem sendo incentivado como caminho para desenvolver a indústria nacional. E a população sente que o mandatário constantemente lhe presta contas do que faz. A juventude de Correa e sua desvinculação com a elite política tradicional lhe possibilitaram encarnar uma das muitas faces da mudança que a população equatoriana esperava depois de 12 anos de instabilidade política e oito governos diferentes.

Entretanto, o caminho de Correa à re-eleição pode ser atrapalhado por uma série de revelações que ligam ex-membros do governo à atuação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) em território equatoriano. Em março do ano passado, o exército colombiano bombardeou um acampamento nas proximidades do município de Angostura, já dentro das fronteiras equatorianas. Raúl Reyes, um dos principais líderes da guerrilha, caiu vítima do ataque. Correa imediatamente reagiu contra a invasão e cortou relações diplomáticas com o governo de Álvaro Uribe. Bogotá, por sua vez, argumentou que havia atravessado a fronteira de maneira unilateral porque Quito não estava contribuindo no combate à atividade da guerrilha dentro de seu território.

Sabe-se agora que o subsecretário do Ministério de Governo equatoriano na época, Ignácio Chauvín, era amigo pessoal de Raúl Reyes e realizou sete visitas ao “embaixador das Farc” antes de sua morte. O que está em dúvida é o palco dos encontros. O ex-funcionário do governo afirma que suas entrevistas com Reyes aconteceram em acampamentos da guerrilha na selva colombiana, e tinham como objetivo exclusivo articular a liberação de reféns em posse das Farc. Porém, o governo colombiano afirma – supostamente com base em informações contidas nos computadores de Reyes, apreendidos pelo exército durante a operação na selva equatoriana – que o líder das Farc se encontrava no Equador já há alguns meses antes dos encontros. Para as autoridades, não faz sentido, portanto, que Reyes tenha se deslocado do Equador até a Colômbia para dialogar com um funcionário do governo equatoriano. Chauvín atualmente se encontra detido e o caso está sendo investigado.

A crise econômica
Esta é outra pedra no sapato de Correa. Ainda que a opinião pública tenha consciência de que a recessão teve origem na insustentabilidade do sistema capitalista financeiro e esteja com suas raízes muito bem fincadas nos países desenvolvidos, o presidente vem sendo criticado por ter gasto as parcas reservas internacionais do Equador em suas andanças pelo país, programas de rádio e publicidade oficial. Tanto que uma das maiores justificativas do governo para a péssima situação das estradas nesta época de chuvas – que deixou a capital Quito incomunicável com o litoral durante dois dias – foi a falta de dinheiro em caixa.

O barril do petróleo cotado em US$ 30 também não ajuda. Some-se a isso a queda no envio de remessas internacionais ao país, importante fonte de renda para a parcela da população que possui familiares trabalhando principalmente nos Estados Unidos, Espanha e Itália. Segundo a Organização Internacional para as Migrações, pelo menos 1 milhão de equatorianos vive fora do país. O Banco Central do Equador afirma que no quarto trimestre de 2008 os imigrantes foram responsáveis pelo ingresso de US$ 644 milhões na economia nacional, uma redução de 22% em comparação com o mesmo período de 2007.

A falta de dinheiro em caixa para combater a crise que se avizinha fez com que Correa tomasse iniciativas que, para muitos, também contradizem os princípios de seu governo e alguns pontos da Constituição. O governo recentemente anunciou a venda do Banco do Pacífico e cogita a possibilidade de se desfazer de outras empresas estatais que não deem lucros significativos. As vacas magras tampouco impediram Correa de promover uma reaproximação com organismos internacionais de crédito. Qualquer negociação com o FMI está descartada, mas a administração equatoriana neste momento verifica com o BID a possibilidade de obter um crédito de US$ 500 milhões.

Para Alex Zapatta, não é exclusivamente Rafael Correa, mas sim alguns de seus ministros e assessores que seguem atados às velhas lógicas de aplicação de políticas públicas nos temas agrário, mineiro e ambiental, por exemplo. “Há no Equador uma sociedade que brigou por mudanças políticas e mais direitos constitucionais, mas certamente é uma sociedade que perdeu a perspectiva de mudanças profundas”, explica. “E o que acontece é que uma Constituição não pode ir além da própria sociedade.” F


Os principais adversários de Correa Sete serão os adversários do presidente equatoriano Rafael Correa nas eleições do próximo dia 26 de abril. Entre os candidatos estão velhos conhecidos da política equatoriana. Álvaro Noboa é um deles. Concorre à presidência pela quarta vez. Sua última derrota se deu simultaneamente ao sucesso de Correa, em novembro de 2006, para quem perdeu no segundo turno por uma margem de 13%. Esta, no entanto, não foi a única oportunidade em que Noboa esteve às portas do Palácio de Carondelet: nas outras vezes em que se lançou à corrida presidencial – em 1998 e 2002 –, o representante do Partido Renovador Institucional Acción Nacional também conseguiu passar ao segundo turno.

Noboa é o homem mais rico do Equador e um dos maiores exportadores mundiais de banana. Define a si mesmo como um político de esquerda na política e de direita na economia. “Gosto da esquerda no que se refere a trabalho e educação, e da direita para gerar produção e mercado”, explica. Vive em Guayaquil, maior cidade do país, onde se concentra a burguesia e o poderio econômico nacional. Ao anunciar sua candidatura, assumiu o papel de defensor das ideias de democracia, emprego, moradia, educação e saúde. “Se não saísse um candidato para defender as noções de democracia, liberdade, liberdade de imprensa e liberdade de comércio, Correa venceria com 80% ou 90% porque ia ficar sem adversário.”

Outra opção conhecida do eleitorado equatoriano é Lucio Gutiérrez. O líder do movimento Sociedad Patriótica já esteve por duas vezes na presidência. Em 2000, como comandante do exército, Gutiérrez participou de um golpe de Estado e integrou o triunvirato nomeado pelo movimento insurrecional para administrar o país. O governo, no entanto, não teve respaldo e em poucos dias foi destituído pelas Forças Armadas.

Gutiérrez voltaria ao poder em 2003. Na ocasião, seu partido estabeleceu uma ampla aliança eleitoral com agremiações de esquerda e, principalmente, com o Pachakutik. Seu governo, porém, tomou um rumo diferente do esperado. Estabeleceu pactos com forças direitistas e, no plano internacional, estreitou laços com os Estados Unidos para um futuro Tratado de Livre Comércio. As medidas obviamente desagradaram à base aliada, que retirou seu apoio e debilitou o mandato de Gutiérrez.

Como resposta, o presidente costurou novas alianças com o objetivo de remover a Suprema Corte de Justiça e reorganizar as autoridades eleitorais e constitucionais. Além disso, anistiou dois ex-presidentes equatorianos investigados por corrupção. Os protestos não tardaram em acontecer: mobilizações crescentes agregaram setores indígenas, populares e de classe-média. Em abril de 2005, com o centro de Quito tomado por manifestantes, o exército permite que a massa cerque o palácio de Carondelet. Gutiérrez foge em um helicóptero da força aérea para um asilo político no Brasil.

Ao que parece, agora Gutiérrez não tem pendências suficientes com a justiça para impugnar sua participação eleitoral, como aconteceu em 2006. Desta vez, diz sentir-se “mais maduro e com maior experiência” e que aprendeu com os erros do passado. “Vou mudar a política internacional, totalmente equivocada, que leva adiante este governo brigando com Estados Unidos e Colômbia. Vamos mudar a política econômica que dá popularidade a Correa porque esbanja o dinheiro do Estado. Vou dar estabilidade jurídica ao país para que haja investimentos estrangeiros. Os investimentos aumentam a produção e os preços não sobem, criam-se postos de trabalho, se reduz o desemprego e a delinquência”, receita Gutiérrez.