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Em artigo, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães analisa o que significa a "contrarreforma econômica conservadora de Temer". Segundo o ex-secretário-geral das Relações Exteriores, nos governos Lula, Temer é o "representante e executivo das classes hegemônicas brasileiras, em estreita sintonia com as classes hegemônicas dos países desenvolvidos, em especial dos Estados Unidos"
Por Samuel Pinheiro Guimarães
De 1500 a 2003, as classes hegemônicas brasileiras, estreitamente vinculadas às classes hegemônicas das metrópoles coloniais, hoje às classes hegemônicas dos Estados Unidos, organizaram a economia, a sociedade, o sistema político e o Estado brasileiros de acordo com seus interesses e em seu benefício.
A extrema concentração de riqueza e de renda, a situação de pobreza de grande parte da população, as condições de saúde, alimentação, saneamento, educação, transporte, segurança e cultura da enorme maioria demonstram cabalmente que a organização da sociedade feita pelas classes hegemônicas não beneficiou e não beneficia a esmagadora maioria do povo brasileiro.
Em 2003, com a vitória, de forma democrática e legítima, do Partido dos Trabalhadores e de seu candidato Lula, torneiro mecânico e líder sindical, essas classes hegemônicas perderam parte, apenas parte, do controle que exerciam sobre a sociedade, a economia e o Estado brasileiros.
O presidente Lula implantou programas sociais de grande alcance e impacto; criou melhores condições de competitividade para as empresas de capital nacional; ampliou o sistema educacional em termos de número de estudantes e de condições de acesso; ampliou o sistema de saúde através do SUS, da Farmácia Popular e outros programas; expandiu as exportações; fortaleceu a agroindústria e a agricultura familiar; manteve sob controle a inflação; ampliou o crédito de forma notável; fortaleceu os programas estratégicos das Forças Armadas; reduziu a vulnerabilidade do País ampliando as reservas monetárias; fez uma política externa altiva e ativa, expandindo as relações políticas e econômicas com todos os Estados, desenvolvidos e subdesenvolvidos, e promoveu a integração sul-americana.
O presidente Lula terminou seu segundo mandato em 2010, com 87% de aprovação popular e elegeu sua sucessora, Dilma Rousseff.
Desde então se iniciou uma conspiração das classes hegemônicas com o objetivo de recuperar totalmente, em 2014 ou em 2018, o Poder político e econômico.
Desta conspiração participaram políticos envolvidos em denúncias de corrupção; os partidos de oposição, inconformados com a derrota em 2014; políticos conservadores; o próprio vice-presidente Michel Temer; os meios de comunicação, em especial o sistema Globo, com suas dezenas de estações de televisão, de rádios, jornais e revistas; o Poder Judiciário, desde o Juiz Sergio Moro, disposto a praticar atos ilegais de toda ordem, aos ministros do Supremo que, podendo e devendo, não o disciplinaram; os interesses estrangeiros que viram, nas dificuldades econômicas e políticas, a oportunidade de reverter políticas de defesa das empresas nacionais para promover a redução do Estado e a abertura aos bens e capitais estrangeiros inclusive para explorar seu maior patrimônio natural que é o petróleo do pré-sal; do mercado financeiro, isto é, dos grandes investidores, milionários e rentistas, temerosos de uma política de redução de taxas de juros; das associações de empresários como a Fiesp, a Febraban, a CNI, a CNA; dos defensores de políticas de austeridade que visam ao equilíbrio fiscal pela redução do Estado, dos programas sociais, dos investimentos do Estado, dos direitos trabalhistas e previdenciários e, finalmente, de economistas e jornalistas, intérpretes, porta-vozes e beneficiários destes interesses.
A partir de 2010, e em especial a partir de 2014, a estratégia das classes hegemônicas para recuperar o Poder se desenvolveu em várias etapas:
- fazer o governo adotar o programa econômico e social do “mercado”, isto é, da minoria multimilionária e de seus associados externos;
- ocupar os cargos de direção da administração pública (ministérios, secretarias executivas, agências reguladoras) com representantes do “mercado”;
- enfraquecer política e economicamente o governo;
- enfraquecer o PT e os partidos progressistas com vistas às eleições de 2018;
- aprovar leis de interesse do “mercado”;
- e, se nada disso ocorrer, fazer o governo “sangrar” e aí, então, se necessário e possível, exigir e promover o impeachment da presidente.
- abrir a economia do ponto de vista comercial e financeiro, unilateralmente e sem contrapartida;
- privatizar (desnacionalizar) as empresas estatais;
- desregulamentar (ou regulamentar de forma favorável ao capital) as atividades econômicas;
- manter uma política tributária favorável (regressiva) ao capital nacional e estrangeiro;
- desestimular o desenvolvimento industrial e desarticular as empresas nacionais de maior porte, estatais ou privadas, a começar pela Petrobrás;
- reduzir o Estado ao mínimo e aniquilar sua capacidade de regulamentar a atividade econômica e de proteger os trabalhadores e os excluídos;
- “flexibilizar”, “modernizar”, o mercado de trabalho em favor do capital;
- consagrar essas políticas na legislação, de preferência constitucional.
- a PEC 241, que se tornou PEC 55 no Senado, que congela, durante 20 anos, de forma absolutamente anti-social, antidemocrática e inconstitucional, as despesas primárias do Estado e libera totalmente as despesas financeiras, isto é o pagamento dos juros e da amortização da dívida pública;
- a reforma da Previdência e sua privatização;
- a revisão da legislação trabalhista em benefício do capital, isto é, das empresas ;
- a desvinculação geral de despesas do Estado em relação ao salário mínimo;
- a utilização do BNDES para financiar as privatizações e a restrição de crédito para a empresa brasileira.
- sem mandato popular;
- com a conivência do Judiciário;
- com a conivência da maioria do Legislativo, em parte devido à sua convicção conservadora, em parte corrupto e em parte “aliciado” pelo governo Temer.
- acelerar a aprovação de seus projetos econômicos e sociais no Legislativo;
- desmoralizar e fragmentar os partidos de esquerda;
- demonizar e desmoralizar os líderes de esquerda;
- despolitizar a população;
- criminalizar os movimentos sociais;
- conter a insatisfação popular através de métodos de violenta repressão policial e eventualmente
- implantar o voto facultativo;
- implantar o parlamentarismo;
- implantar o voto distrital.