Evento reúne agricultores do Semi-Árido brasileiro e promove a preservação das sementes nativas, ameaçadas pelo modelo atual de desenvolvimento
Por Brunna Rosa
O agricultor João Dineiva Guerra Filho, de 43 anos, mais conhecido como “seu Juquinha”, tra¬zia consigo garrafas recheadas de sementes as mais diversas – purga, mariela, camaru e feijão carioca. Orgulhoso, chamava a atenção para o que se podia ler nos rótulos das garrafas: “produzido sem agrotóxicos” e “produto da agricultura familiar”. Junto com sua família, a esposa Maristela e seus quatro filhos, todos moradores de São Mamede, ele foi participar da IV edição da Festa Estadual das Sementes da Paixão, promovida em Patos, a 310 quilômetros de João Pessoa, capital da Paraíba.
O encontro, que aconteceu entre os dias 23 e 25 de julho, contou com a presença de 300 agricultores de vários estados do Nordeste, e foi palco de discussões sobre agricultura familiar, reforma agrária, agrobiodiversidade, manejo sustentável dos recursos hídricos e da terra e políticas públicas. Promovida pela Articulação no Semi-Árido paraibano (ASA-PB) com o apoio da Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA) e Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o encontro teve como tema “Plantando e Colhendo Riquezas e Solidariedade no Semi-Árido” e demonstrou como é possível superar adversidades por meio da utilização de tecnologias simples e eficientes.
Seu Juquinha, por exemplo, conta com o uso das cisternas, para captação e armazenamento de água, tecnologias como as mandalas e o banco de sementes comunitário, que funciona como um local para guardar e trocar sementes, tornando-se fonte de economia e promoção da solidariedade entre os agricultores. A tecnologia social assegura a sustentabilidade de sua comunidade, uma vez que o armazenamento permite que os agricultores garantam as sementes para a próxima safra e não se tornem reféns das sementes distribuídas por programas governamentais.
Assim como ele, vários outros agricultores passaram a ter noção da importância de se constituir um banco de sementes comunitário e hoje estão implantando similares em suas comunidades. A alternativa, que passou a ser difundida nos anos 1970, abrange atualmente, no estado da Paraíba, 61 municípios. São 228 bancos de sementes, envolvendo 6.561 famílias, resgatando e estimulando a produção local.
Para Iolanda Silva, moradora da comunidade Fava de Cheiro, no município de Teixeira, o banco de sementes é garantia de alimento na mesa todos os dias. “Antes corríamos o risco de não ter o que comer, principalmente, nos períodos das fortes secas”. Em caso de empréstimo de sementes, Iolanda explica que cada pessoa tem que depositar 30% a mais da quantidade adquirida. “Essa é uma forma de fortalecer o banco e garantir que ele tenha sementes sempre disponíveis para quem precisar”, explicou.
Com a presença de técnicos em agroecologia e convidados, como Rubens Onofre Nodari, representante do Ministério do Meio Ambiente na Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), os agricultores aproveitaram o encontro para discutir a valorização de ações de conservação do ecossistema, formação política, reflexão sobre convivência com o Semi-Árido e construção de um modelo de agricultura sustentável, tendo como centro o fortalecimento das ações da agricultura familiar.
Para Ancelmo Pereira, agricultor e coordenador do banco de sementes comunitário do Alto do Sertão, o encontro é bom para rever amigos e se atualizar: “Sempre peço pro padim Cícero abençoar toda esta gente, porque a festa mostra que não estamos sozinhos e que tem mais gente brigando por nós”.
Feira
Seu Juquinha, aguardava ansioso o último dia do encontro. Ele e sua família se prepararam para expor, na Feira de Saberes e Sabores, a sua produção e trocar experiências com outros agricultores.
A feira, que reuniu 2 mil agricultores no centro da cidade de Patos, comercializou artesanato, comidas típicas, frutas nativas e foi palco para a tradicional troca das “sementes da paixão”, como são conhecidas as sementes crioulas na Paraíba. Embalados por forró, cordel e leitura de poesias, o evento teve ainda a presença do bispo da cidade, dom Manoel Farias, na feira. O religioso agradeceu aos agricultores por “ensinar como viver em uma região tão carente quanto o Semi-Árido nordestino”, e encerrou a quarta edição da Festa das Sementes da Paixão, abençoando as sementes, que posteriormente foram trocadas entre as diferentes comunidades.
Sementes e poesia
O encontro, que rendeu inúmeras conversas e reflexões sobre temas como agronegócio, transgênicos e multinacionais, ganhou uma versão em poesia pelo agricultor Euzébio Cavalcanti de Albuquerque, do assentamento Queimadas, no município de Remígio (PB).
“Agora o governo traz
A política diferente
Quer dizer que sabe mais
Sobre a vida da semente
Trouxe única variedade
E nossa diversidade?
Pensa que eu sou demente?
Depois vem o biodiesel
Mamona no nosso chão
Cana e soja para o grande
Tudo pra exportação
Quem trará o alimento
Essa política é um tormento
Trará fome pra nação
É tanto que nós gritamos
O governo nem ligou
Já liberou o transgênico
O mundo contaminou
A semente do mercado
Quer entrar no meu cercado
E livre não mais estou”
Notas
São Paulo terá Centro Público de Economia Solidária A cidade de São José do Rio Preto, em São Paulo, será a primeira no estado a ter um Centro Público da Economia Solidária. A Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes) analisou projetos enviados por prefeituras de todo o País e financiará dez centros públicos. A intenção do projeto é incentivar as associações de economia solidária, de maneira a serem capacitadas e requalificadas em suas áreas de atuação para a geração de trabalho e renda.
O Centro, que será inaugurado no final do mês de agosto, terá três áreas de atuação. Costura industrial, modelagem industrial e acabamentos de roupas. Educação: serão ministrados cursos de Língua Portuguesa e Matemática. A terceira área é a de alimentação: o local conta com uma cozinha experimental para oficinas culinárias. Para a realização dos cursos, o Centro Público terá o apoio de universidades e das entidades que formam o sistema “S” – Senac, Sesi, Sebrae e Senai.
O projeto do Centro Público da Economia Solidária é uma parceria do Ministério do Trabalho e Emprego, com recursos da Senaes e Fundação Banco do Brasil.
Segundo semestre terá feiras de economia solidária por todo o país
Neste ano, estão previstas 26 feiras de economia solidária em vários estados do país, além da já tradicional Feira do Mercosul e da Mostra Nacional de Economia Solidária que ocorrem em novembro.
As feiras são parte da Ação de Promoção do Consumo Responsável e Comércio Justo que integra o Programa Economia Solidária em Desenvolvimento, da Senaes.
O programa procura dar visibilidade aos empreendimentos econômicos solidários e às iniciativas da agricultura familiar. Da mesma maneira, as feiras divulgam e articulam os empreendimentos econômicos solidários da agricultura e agroindústria familiar, incentivando a troca de conhecimentos e itens produzidos de forma solidária.
A programação, ainda em fase de ajustes, prevê que a primeira feira aconteça em setembro e a última em dezembro.
Mais informações pelo endereço eletrônico:
[email protected]; ou pelos telefones:
(61) 3321-4955 / 3224-1100.