Senador bolsonarista da CPI atuou no "gabinete paralelo" viabilizando "tratamento precoce"

Vídeo de reunião com médicos, comandada por Carlos Wizard, traz confissão de Marcos do Val, apresentado como "padrinho político" da cloroquina. Imagens mostram ação coordenada para difundir prática sem eficácia e discurso ideológico confuso

Foto: Revista Segurança Eletrônica (Reprodução)
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Um vídeo obtido pelo site The Intercept mostra uma reunião virtual que teria ocorrido com médicos de todos os estados do Brasil, em 28 de junho de 2020, comandada pelo empresário bolsonarista Carlos Wizard, na qual o senador Marcos do Val (Podemos-ES), suplente da CPI do Genocídio, é apresentado como o "padrinho político" da cloroquina. O parlamentar, um radical seguidor do presidente e que se elegeu usando a onda do discurso pró-armamento, ainda confirma aos participantes que é entusiasta dos medicamentos sem eficácia contra a Covid-19 e que todos podem contar com ele para difundir o uso dessas substâncias.

“Estou aqui não só como padrinho, mas como ponta de lança para entrar onde vocês vão ter dificuldade... Até peço: não entre na seara política, que é muito complicada. Pode contar comigo que vou estar na neutralidade, não quero e não vou fazer publicidade disso. Para mim, fazer publicidade disso é um crime”, diz do Val.

As imagens não deixam dúvidas: Marcos do Val mentiu na CPI da qual é membro. Durante o depoimento de Wizard, em 30 de junho, o senador disse que participou de uma live com o bilionário bolsonarista, que foi apresentado a médicos, mas que não teve papel ativo em nada e que nada lhe fora pedido.

“Não me foi pedido nada, apoio de nada, absolutamente nada. Então, eu queria deixar claro isto pra sociedade, pra todos que estão assistindo: como eu acabei te conhecendo, como eu acabei conhecendo a equipe de médicos e cientistas”, falou à época.

Em outros trechos da gravação, que é cercada de devaneios políticos e discursos ideológicos confusos e sem nexo, mencionando até Fidel Castro, o líder revolucionário cubano falecido em 2016, o senador capixaba implica as Forças Armadas em sua empreitada inconsequente de distribuir medicamentos sem qualquer ação comprovada contra o Sars-Cov-2, e que podem provocar sérios efeitos colaterais e até morte.

“Consegui fazer com que as Forças Armadas disponibilizassem oficialmente o Exército aqui no meu estado para armazenar a medicação e fazer a distribuição... Consegui recursos com o Ministério da Saúde para compra de mais de 200 mil kits para o meu estado, são 4 milhões de moradores”, contou orgulhoso.

O suplente da CPI, como bolsonarista clássico, ainda ventilou suas teses conspiratórias desarrazoadas e atacou a TV Globo por não dar apoio aos planos de espalhar cloroquina e ivermectina Brasil afora, além de atacar governadores, uma prática bem conhecida de seu ídolo político.

“A gente tem um inimigo muito grande contra esse movimento, que é a Rede Globo. Eu tô botando o nome porque eu me sinto à vontade para falar isso com vocês, para não ter melindre. Não adianta entrar em rota de colisão com a Globo, não adianta entrar em rota de colisão com governador que é contrário, a gente tem que criar estratégia e saber chegar ao resultado sem fazer vídeos batendo, sem fazer vídeos agredindo ninguém. Porque isso vai trazer um processo judicial que vai tirar o tempo de vocês”, orientou do Val.

Carlos Wizard, que protagonizou uma das cenas mais patéticas de toda a CPI ao repetir dezenas de vezes que iria se reservar ao direito de não responder aos questionamentos dos senadores, mostrou-se muito agradecido pelo apoio recebido da parte de Marcos do Val e frisou que o parlamentar seria a solução para eventuais problemas legais ou burocráticos que surgissem no processo de pulverização das perigosas drogas ineficazes contra a Covid-19 pelo país.

“Por que um grupo de médicos de 27 estados precisa do apoio de um senador que nem médico é? Quero dizer a todos vocês que em alguns momentos específicos, vamos precisar do apoio do senador do Val. Seja diante do Ministério Público, seja diante de alguma questão com a Anvisa, seja diante do Exército, para dispensar os remédios no seu município, no seu estado, seja alguma intermediação com o seu governador, com o prefeito local. Seja muito bem-vindo, senador. Agradecemos e contamos com seu apoio”, falou entusiasmado Wizard, aplaudindo o parlamentar capixaba.

Cumplicidade e apoio do CFM

Ainda nas imagens da reunião, o médico Emmanuel Fortes, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM) e um dos líderes bolsonaristas em sua categoria profissional, assumiu abertamente o compromisso da autarquia federal em disseminar o tal “tratamento precoce” e contou ser ele o responsável pelo parecer da entidade liberando o uso dos fármacos.

“Eu sou o coordenador do Departamento de Fiscalização e da Propaganda e Publicidade Médica (do CFM). E sou o responsável, fui o relator do parecer sobre uso off label do medicamento... Então, tudo que está sendo feito agora (em relação ao uso de cloroquina) está amparado em uma nota técnica do CFM e no parecer sobre uso off label dos medicamentos”, vangloriou-se Fortes. O termo off label refere-se ao uso de um medicamento em caráter experimental para tratar enfermidades para as quais não há indicação na bula do produto.

Veja o vídeo:

https://twitter.com/TheInterceptBr/status/1446245200154832904