Te quero, mas não te assumo

Silvia Nascimento, do Blogueiras Negras, critica a nova campanha publicitária do Boticário e analisa a baixa representatividade da mulher negra na publicidade

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Silvia Nascimento, do Blogueiras Negras, critica a nova campanha publicitária do Boticário e analisa a baixa representatividade da mulher negra na publicidade 

Por Silvia Nascimento, do Blogueiras Negras 

A classe C compõe 54% da população brasileira. Estima-se que nos últimos anos, mais de 23 milhões de pessoas saíram da classe D e E para integrar o grupo que se tornou condutor da locomotiva do crescimento do país. Números do instituto de pesquisa Data Popular apontam que a classe C movimenta R$ 1 trilhão por ano na economia nacional. Esse parcela é formada em sua maioria por negros, mulheres e jovens. “Colocar negros na comunicação tem a ver com um mercado de R$ 720 bilhões”, assegura o sócio-diretor do instituto, Renato Meirelles.

Fazer ações de marketing que deem visibilidade a este nicho de mercado não é uma questão de responsabilidade social, muito menos de reconhecimento da diversidade, ou altruísmo, trata-se de uma questão de sobrevivência. O mercado de cosméticos demorou,  mas despertou para atender este público que dá valor ao seu dinheiro e exige qualidade. A partir deste panorama econômico vamos refletir: será que o investimento na fabricação de produtos para este público, também passa pelo esforço em retratar esses novos consumidores em suas campanhas publicitárias, sejam elas impressas, pela TV, pontos de venda ou Internet? Negativo.

[caption id="attachment_30654" align="aligncenter" width="600"] Para O Boticário, ela é invisível (Reprodução)[/caption]

O Boticário, empresa que completou 34 anos em 2013, com mais de 3 mil lojas espalhadas no Brasil e que reconhece a diversidade nos tons de pele da brasileira, por meio da generosa gama de cores da sua linha de maquiagem oferecida em suas lojas,  não transporta a mesma estratégia realista na escolha das modelos da sua nova campanha publicitária para a linha Make B Rio Sixties, inspirada na beleza do Rio nos anos 60.  “A beleza do Rio que encantou o mundo” é retratada no vídeo da campanha, de pouco mais de 30 segundos, por modelos de pele branca branca cantando a famosa marcha “Cidade Maravilhosa”.  O sol está lá, a praia aparece ao fundo, a “vibe” é tropical, mas as protagonistas do comercial não representam o biotipo das mulheres brasileiras. Há até uma estrangeira que canta com seu sotaque, mas nenhuma negra, como aquelas que habitam nosso imaginário quando lembramos do carnaval. Para O Boticário, a mulher carioca que atrai os olhares do mundo é branca, de olhos claros, cabelos longos e loiros.

Indignadas com a campanha, muitas internautas prontamente manifestaram seu repúdio ao vídeo. Uma delas, a blogueira Carolina Candido escreveu uma longa mensagem ao departamento de marketing retratando sua indignação.  “Como que num país com diversidade étnica tão grande quanto o Brasil, apenas uma etnia pode ser representada em uma propaganda, ainda mais se tratando de uma campanha que busca enaltecer as belezas da cidade do Rio de Janeiro? ”, protesta Carolina . A empresa se defende e diz que  a “campanha Make B. Rio Sixties foi criada com muito carinho, especialmente para todas as mulheres que adoram novidades de make up”.  Todas as mulheres?

“Só tem loiras no Brasil”, “No Brasil só tem brancos?”,  “O Rio é repleto de negros e caso O Boticário não saiba, o negro é lindo”, dos manifestos das consumidoras na página da marca no Youtube, onde a Central de Relacionamento ao consumidor pede desculpas e se compromete a encaminhar as mensagens à equipe de marketing.

Qual nome se dá a uma empresa que investe na sua linha de produção para um determinado público que ela não assume ter publicamente? Dizer que a empresa cria produtos, de forma especial, para mulheres que adoram novidades em make up, mas nas campanhas publicitárias ignora as negras, não é o mesmo que dizer que seus produtos são feitos apenas para brancas?

O velho ditado diz que só valorizamos o que perdemos. A mulher negra brasileira tem o perfil da consumidora em potencial. Hoje ela finalmente tem o poder econômico para escolher produtos que suas mães e avós nem sonhavam em ter. Na hora de compra,  ela deve optar por empresas que reconheçam sua beleza, não apenas  por estar de  olho na sua carteira, mas por  promover ações  publicitárias que deem visibilidade e enalteçam suas  características físicas  sim, mas também  seu hábitos culturais e comportamentais. Para O Boticário na cidade cheia  de encantos mil, a negra é invisível.

(Imagem de capa: Reprodução)