?Tem uma máfia no governo peruano?, acusa líder de movimento popular

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Após mais de um mês de protestos da comunidade indígena peruana contra os decretos do Executivo que permitem a exploração das riquezas da floresta amazônica do país, o governo resolveu enviar a polícia para acabar com os protestos. Como resultado da decisão, mais de 47 vítimas fatais, incluindo 22 policiais ,e 155 feridos, conforme o próprio presidente do Conselho de Ministros, Yheude Simon, confirmou hoje à imprensa. Os confrontos entre policiais e indígenas ocorreram na zona de Bagua, no departamento Amazona.

Os indígenas acusam o governo de aprovar decretos que contrariam os interesses das comunidades locais, do meio ambiente e do próprio desenvolvimento econômico do país. Em 2008, García aprovou a Lei Florestal, a de Fauna Silvestre e a Lei de Recursos Hídricos, que estabelecem que o subsolo “é de todos os peruanos”, não somente dos povos da floresta, como antes. O subsolo peruano é tido como promissor para o mercado de petróleo e minerais. No entanto, quem explora as riquezas subterrâneas do país não é o Estado peruano, mas multinacionais estrangeiras. Atualmente, 72% do solo peruano já é explorado para produção de hidrocarbonetos.

Tito Prado, líder do movimento popular peruano “La lucha continua”, lembra que o governo descumpriu a própria constituição do país ao não consultar os povos indígenas antes de aprovar um decreto que diz respeito aos interesses dos habitantes do meio em que vivem. “Este governo tem uma tendência de resolver os problemas não via diálogo, mas pelo uso das armas, como neste caso”, critica.

O presidente García rebateu na imprensa. "Houve diálogo, certamente, em todos os níveis, mas não se pode dialogar com quem chega a dizer: ‘Dá-me o que quero, senão te enfrentaremos com força’”. 

Prado entende que a aprovação dos decretos que retiram dos povos indígenas a soberania sobre as riquezas naturais tinham como objetivo adequar a legislação do país ao cumprimento do Tratado de Livre-Comércio assinado com os Estados Unidos, e acusa: “é um governo que não pensa no desenvolvimento do país, só pensa em favorecer as grandes empresas, porque se beneficia com as comissões que estas empresas dão. É um governo muito comprometido com a corrupção”.


Revista Fórum – como tem sido a relação entre o governo Alan García e os povos indígenas?

Tito Prado - Os indígenas, no Peru, têm uma larga tradição de organização, posto que seu habitat natural foi, durante muitos anos, entregue a grandes empresas multinacionais que exploram o petróleo, minerais, madeira. E em todos os casos em que fizeram isso não houve cuidado com o meio ambiente, não foi logrado resolver os problemas da miséria e de atraso da população. Por consequência, quando o governo assinou esses últimos decretos, abriu um processo de privatização da Amazônia. Em primeiro lugar, as pessoas não foram consultadas, e há uma série de normas que obrigam os estados a consultar os indígenas sobre qualquer lei que tenha a ver com o seu meio. Em segundo lugar, entende-se que se implementa uma privatização que não garante o desenvolvimento para a região, nem para a população, nem a preservação do meio ambiente. Então, as organizações decidiram unificar em um só movimento de protesto nacional. Para exigir que se discuta com os indígenas qualquer coisa que tenha que ver com a Amazônia e para que se preserve o meio ambiente, que se garanta o desenvolvimento em suas comunidades. Este governo tem uma tendência de resolver os problemas não via diálogo, mas pelo uso das armas, como neste caso.

Revista Fórum - García está comprometido com multinacionais?

Tito Prado - É um governo que se elegeu dizendo que ia governar para os pobres, e não para os ricos. Mas García chegou para governar para os ricos e em particular para as grandes multinacionais estrangeiras. Por isso houve pressão para a assinatura de tratados de livre-comércio com Chile, China, Europa, que estão em processo, e reafirmou o tratado com os EUA, que é prejudicial ao Peru e só beneficia as companhias norte-americanas.

Como parte do tratado, o governo fez uma série de leis para se adequar a esses acordos. A entrega da Amazônia a grandes multinacionais por estes decretos foi o marco do tratado de livre-comércio com os Estados Unidos. Portanto, é um governo que não pensa no desenvolvimento do país, só pensa em favorecer as grandes empresas, porque se beneficia com as comissões que estas empresas dão. É um governo muito comprometido com a corrupção. O presidente está envolvido com vários escândalos que o incriminam diretamente. Pensamos então que se está arrematando a Amazônia, uma reserva para toda a humanidade, para se conseguir comissões com as prospecções de petróleo,  minerais e cultivo de soja. Tem uma máfia neste governo.

Revista Fórum - O governo de García está na contramão da política latinoamericana em geral?

Tito Prado - Claro. O governo de García está bombardeando toda a possibilidade de integração latinoamericana. Já se pronunciou dizendo que o mundo está globalizado, então não se necessita uma integração andina, nem latinoamericana. Se indispôs com o governo de Evo [Morales], se indispôs com o governo de Chávez, com o governo Correa. Seu único amigo na região é o Chile, porque há grandes imersões do capital chileno no Peru.

É um governo que vai na contramão da tendência que predomina hoje na América Latina, de defender os recursos naturais para permitir um desenvolvimento nestes países. Se continuar a seguir essa política, está condenado a ser um país exportador de matérias-primas. Não há uma política de desenvolvimento industrial, quase tudo o que compramos vem de fora. Não é possível um desenvolvimento industrial se o Estado não assume uma política de manejo econômico. Com recursos que se pode obter com a nacionalização de nossas riquezas será possível inverter isso, dar trabalhos a tantos desempregados que há em nosso país, investir em qualidade de vida, em educação, em saúde. Seguindo como estamos, na mão deste governo, que é ultraconservador e ultraneoliberal, não há saída alguma para unir o povo indígena nem o país em seu conjunto.

Revista Fórum - Qual sua previsão para o próximo governo? Pensa que este modelo neoliberal está perto do fim?

Tito Prado - Eu acredito que a sociedade está muito polarizada, e esta polarização que já se expressou nas eleições de 2006 poderá aumentar na de 2009. Todos os partidos neoliberais vão se juntar para tratar de impedir que o Partido Nacionalista Peruano [do candidato derrotado nas últimas eleições Olanta Humalla] possa conquistar o governo, somando-se a outros países que adotaram a via nacionalista e soberana. Haverá uma forte confrontação não somente eleitoral, mas política, como já está havendo. Porque o governo tentará descartar a possibilidade de uma opção nacionalista, jogando a ele a culpa pelas mortes ocorridas na Amazônia peruana. Está claro que o governo está em campanha para evitar que o Partido Nacionalista ganhe força e lute por um governo antineoliberal. Mas o partido está ganhando força, e acredito que estamos indo nesta direção. Esperamos que assim se suceda para inclinar definitivamente a balança a favor de uma América Latina integrada, com desenvolvimento e livre da opressão colonialista.

Revista Fórum - Quer acrescentar algo?

Tito Prado - Nós queremos alertar a comunidade internacional para o momento tão dramático que vivem os povos amazônicos, para que surjam pronunciamentos de personalidades, instituições para pressionar o governo peruano que acabe com este estado de emergência e que não opte pelo caminho da repressão, mas sim pelo diálogo com os movimentos indígenas, que derrube com os decretos anticonstitucionais e entreguistas que geraram a confrontação. A solidariedade internacional é muito importante para pressionar o governo, que insiste em seguir pela via da repressão. No dia 11 de junho, faremos um grande ato de apoio aos indígenas e queremos que o mundo inteiro saiba, para que o governo entenda que o que fez não pode ficar impune. Que o mundo inteiro se levante contra o governo que se empenhou para matar os indígenas.

(Foto de Luis Ramos)