Tijolaço: A maioridade penal e a certeza do Magno, chefe do tráfico

Magno me ensinou para sempre que o medo de morrer não o tirava daquela vida. Impunidade, como, se ele sabia, serenamente, que ia pagar com a morte? Os “dimenor” agora não podem mais ter 17 anos, com a redução da maioridade penal? Terão 15, 14, 13 anos, como já têm

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Magno me ensinou para sempre que o medo de morrer não o tirava daquela vida. Impunidade, como, se ele sabia, serenamente, que ia pagar com a morte? Os “dimenor” agora não podem mais ter 17 anos, com a redução da maioridade penal? Terão 15, 14, 13 anos, como já têm Por Fernando Brito, do Tijolaço Boa parte da minha infância e adolescência passei no Lins de Vasconcellos, “subúrbio do subúrbio” do Méier, onde estudei na escola primária Isabel Mendes,um prédio sobre pilotis, típico da arquitetura do final dos anos 50. Lá também estudava o Magno. Morávamos perto: eu, numa vila que ficava bem defronte a um grande centro espírita, o Tupyara, na Rua Lins. Ele, no conjunto habitacional do BNH, 50 metros antes. Os guris se davam, indiferentes à pouca diferença social entre a vila de classe média baixa e a pobreza do conjunto. Morava lá, além do Magno, o Marcos “Galinha”, bom de bola como eu jamais fui, mentiroso que só. O conjunto subia um morro até a “barreira” e lá em cima, perto do bloco 26, ficava o tráfico. Camburão da polícia, lá, só subia se “combinado”. É óbvio que as diferenças, que eram pequenas, ficaram grandes. Fui para a universidade, ajudado no vestibular pelo amor à matemática e à física que a (recuso-me a dizer “uma”, sobre ela) escola técnica me deu, fui para uma universidade pública. Magno foi para o tráfico e, como era um cara capaz, chegou a chefe da “boca”. Já não o via, muito menos jogávamos bola, como antes. Até que um dia soube dele. Eu já morava em Vila Isabel, mas minha mãe seguia na vila e sua casa foi roubada, num dia em que ela não estava por lá. Dois dias depois, um negrinho, empurrando um carrinho de mão, trouxe de volta televisão, toca-discos, bugigangas. O Magno mandou o ladrãozinho devolver e que pedisse desculpas à professora. Já repórter, fui procurá-lo, e o entrevistado fui eu. Tomamos uma cerveja, ele de frente para a rua e costas para a parede, num botequim na esquina da Rua Lins com a Cabuçu. Mais que a gíria, impressionou-me o fatalismo do Magno. Perguntou se eu achava se ele pensava em um dia, chegar aos 40 anos. Se eu era idiota de achar que ele um dia seria um aposentado. E me perguntou se eu tinha um carro, que eu não tinha, e ele tinha. E mulheres. E a pulseira grossa, de ouro, reluzente. “Sei que não duro muito”. E, a seguir: “mas no que vou durar, tenho muito mais que teria”. Poucos meses depois, numa cilada, Magno ficou sob uma chuva de balas. Não sei se vinte e três ou vinte quatro anos, mais de uma bala por ano de vida, com a arma silente em sua mão. Não me oponho à pena de morte por convicções humanistas ou religiosas, só. Magno me ensinou para sempre que o medo de morrer não o tirava daquela vida. Impunidade, como, se ele sabia, serenamente, que ia pagar com a morte? Os “dimenor” agora não podem mais ter 17 anos, com a redução da maioridade penal? Terão 15, 14, 13 anos, como já têm. A diferença essencial entre eu e Magno não quero perder. Eu não embruteci, que sorte a minha.