Toninho de Campinas. Do povo de Campinas, por Otávio Antunes

Morte do ex-prefeito de Campinas completou 20 anos nesta sexta-feira, sem resolução

Toninho do PT | Foto: Divulgação/PT Campinas
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Por Otávio Antunes

“Toda vez que um justo grita, um carrasco vem calar. Quem não presta fica vivo, quem é bom, mandam matar”.
Cecília Meireles

Era o dia do último debate antes das eleições. Estávamos todos muito entusiasmados em frente a emissora que o sediaria. Toninho atrasou-se, mas fez o melhor debate de toda campanha e depois desabou em choro: havia sido vítima de um assalto a caminho do debate. Apontaram uma carabina e levaram o carro do candidato, que estava acompanhado de sua esposa.

Por decisão de coordenação de campanha, deveríamos montar um esquema de segurança, mesmo que amador e feito por militantes, para reta final. Toninho não deveria mais andar sozinho. Fui incumbido da tarefa, liguei para alguns amigos e o fizemos. Toninho era acompanhado apenas de longe. Isso durou até o dia das eleições, quando ele descobriu, reclamou e pediu que parássemos. “As pessoas comuns não têm segurança particular, também não devo ter”, dizia o prefeito.

Neste dia 10 de setembro, a morte dele completa 21 anos. Novamente veremos na imprensa, nas ruas e nas redes sociais mensagens sobre a vida e a morte do ex-prefeito de Campinas.

A verdade é que um homem como Toninho merece uma biografia a altura, mas, enquanto esse dia não chega, continuamos a celebrar a vida e a memória do jovem arquiteto que tornou-se prefeito e foi covardemente assassinado.
Toninho tinha vocação para a vida pública e para política, que sabia ser zona de conflito de interesses. Sempre defendeu o diálogo sobre todos os assuntos, mas era duro e intransigente com aquilo que acreditava: a ética, a democracia, o zelo com o bem público e a política como forma de transformar e mudar, para melhor, o mundo e a vida das pessoas.

Ainda jovem, quando estabeleceu a mais importante relação social de sua vida, com os favelados de Campinas, comprou sua primeira grande briga e descobriu seu maior adversário: A especulação imobiliária.

Vivíamos a ditadura militar, que concentrou riquezas no Brasil e expulsou milhões de homens e mulheres do campo para as cidades. Essas pessoas vieram atrás do sonho de uma vida melhor e, com o fim do milagre econômico, ficaram a margem, sem emprego e sem perspectiva.

Escolheram lutar por moradia digna com preços justos. Toninho ajudou os favelados a lutarem pela permanência nestas áreas. Mais do que isso: a urbanizá-las com água, energia elétrica e serviços públicos como educação, saúde e transporte. Estas áreas não tinham nenhum desses serviços e ainda contavam com o cerco criminoso de um setor da imprensa que pressionava o poder público para que não investisse nada ali.

Se hoje, o chamado “direito a cidade” é questionado e o setor mais conservador de Campinas combate o direito à moradia digna, imagine só durante a ditadura militar. Para uma parcela da sociedade, que precisava dos serviços desses trabalhadores, essas pessoas tinham que simplesmente “sumir” quando saíam do trabalho.

Durante a década de 80, além de ajudar na urbanização dessas favelas, Toninho construiu o movimento “febre amarela”, constituído por arquitetos e urbanistas que combatiam a mesma especulação imobiliária e lutavam pela preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campinas. Foi a “ação direta” desse grupo que impediu que prédios históricos fossem demolidos ou “misteriosamente” incendiados.

Na década de 90 continuou sua luta, denunciando ainda as tentativas de apropriação de áreas públicas pela iniciativa privada, lutando pela preservação da memória da cidade e acrescentou mais uma luta à sua trajetória: contra o crime organizado, que tinha lastros importantes na cidade de Campinas, como ficou evidenciado durante a CPI do narcotráfico e a CPI do roubo de cargas.

Sua campanha de 1996 apaixonou a juventude da cidade, que era ampla maioria nas atividades do prefeito e recebia dele a recíproca em carinho e cuidado. No ano de 1999 Campinas estava no centro de um esquema nacional de tráfico de drogas. Toninho não apenas coletou informações, como as entregou nas mãos da Supervisão Geral da Polícia Federal, entrando na mira do crime. Enquanto muitos se escondiam, Toninho enfrentou o crime organizado sem nenhum mandato política, apenas como cidadão de Campinas.

Retomando o título deste texto, as elites campineiras cobraram de Toninho sua fatura no ano de 2000, quando foi candidato a prefeito pelo PT. Toninho foi atacado de todas as formas possíveis. Inclusive na capa do principal jornal da cidade no dia das eleições em primeiro turno.

Antes de ser Toninho prefeito, Toninho era do povo.

E ser do povo significa confrontar os interesses dos poderosos, como ele mesmo gostava de dizer. Além de todas as renegociações de contratos que economizaram milhões em reais para os cofres públicos, Toninho ampliou as áreas de proteção ambiental, garantindo mais verde para as futuras gerações, mas confrontando, novamente, os interesses da especulação imobiliária.

Assistimos hoje a obscena tentativa, por parte dessa mesma elite, de se apropriar da memória de Toninho. Tentando negar a origem de esquerda do prefeito e colocando-o em contradição com sua história.

Em 2001, ano da morte do prefeito Toninho, o país era governado por Fernando Henrique Cardoso e Campinas vivia a sua maior crise de segurança pública. Toninho tentara, durante os oito meses e dez dias de mandato, uma audiência com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) para discutir a questão que mais assustava a população de Campinas. Não conseguiu ser recebido.

Ainda há muito a dizer sobre sua morte. O fato do Ministério Público aceitar tão rápido a tese do crime banal, a incapacidade da Polícia Civil, que na época levou a demissão do ouvidor da polícia, e a não intervenção da Polícia Federal dizem muito sobre a impunidade em nosso país. A possibilidade de prescrição do crime causa indignação e tristeza.

O Ministério Público não deu mostras de que teria outra linha de investigação. Campinas vivia um surto de criminalidade com participação efetiva de setores da Polícia Civil. Ninguém confiava na polícia local para investigar um crime como esse.

Setores da imprensa questionam, corretamente, todos os anos, o fato da Polícia Federal não investigar o caso como queria a família, os amigos e a sociedade campineira. Mas omitem o motivo da insistência na federalização do crime: o Estado de São Paulo não foi capaz de solucionar o caso. A Polícia Civil ainda teve alguns de seus homens envolvidos em uma chacina em Caraguatatuba que culminou na morte de alguns dos suspeitos do assassinato.

O fato de Toninho ter deposto em uma CPI do Congresso Nacional, a CPI do tráfico de drogas, já seria motivo suficiente para que seu caso fosse federalizado, a bem da democracia e do estado democrático de direito.

Por coincidência, Toninho enfrentou nas eleições de 2000 um importante promotor público de Campinas, hoje deputado federal. Antonio da Costa Santos não foi eleito por unanimidade, como alguns querem fazer parecer. Perdeu, inclusive, no bairro onde nasceu, reduto do conservadorismo campineiro. Ganhou nos bairros populares.

Toninho tinha lado. Apesar de ser ‘bem nascido", escolheu, ainda na primavera da vida, que seu lugar seria entre os humildes, entre a gente mais simples. E assim permaneceu até o último momento: dirigindo seu próprio carro popular em direção a sua casa.

O último capítulo da sua vida foi a assinatura do feriado de 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, um símbolo para a cidade que foi uma das últimas a abolir a escravidão, mas que se orgulha da quantidade de barões que teve nos últimos séculos, e que ainda enfeitam nomes de ruas por aqui.

Honrar o legado de Toninho é, antes de tudo, lutar contra o esquecimento, defender a memória como instrumento de luta política em defesa de um mundo mais justo e solidário. Honrar os que entregaram a vida como testemunho de que um outro mundo é possível.

Saudades, amigo.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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