Toques

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O som era basicamente a mesma bossa que todos tocavam, com pitadas de sons africanos e impregnado de religiosidade dos ritos e mitos do Candomblé. A diferença, além dessa, ficava mesmo por conta do talento espantoso dos músicos. Um disco apenas, lançado em 64, foi o suficiente para virarem uma lenda.
Em 2001, Wilson das Neves e Neco, já consagrados por várias vias e caminhos, resolveram gravar The Return of Os Ipanemas. A lenda renascia com pompa e circunstância. Chamados pela mídia internacional como o “Buena Vista brasileiro”, os dois músicos parecem fazer troça do título, com um som de dar nó em muito garoto, cheio de suíngue, harmonias surpreendentes e um repertório maravilhoso. Não ficaram nisso, pois o mesmo vale ainda para o disco seguinte Afro Bossa, de 2003.
Com uma intenção nitidamente instrumental, Os Ipanemas fazem também grandes canções. Tanto é que um dos sambas mais executados na nova Lapa é “O Samba é Meu Dom”, de Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro, tema do quarto disco do grupo O Samba é o Nosso Dom ou, como circula por ai, The Samba is Our Gift, nome original do CD que já corre mundo.
Este ano, a rapaziada nos brinda com outro disco que não deve nada aos anteriores e faz jus a toda a lenda. The Call of God, algo como “O Chamado dos Deuses”, fica entre o samba tradicional e a bossa instrumental. O que parece, no entanto, é que o sucesso de “O Samba é Meu Dom” animou Wilson das Neves a compor pelo menos mais três sambas da mesma verve e estirpe: “Era Bom”, “Fonte do Prazer” e, principalmente, “Um Novo Amor Chegou”, também com Paulo César Pinheiro.
CABELOS DE SANSÃO FOI O SEGUNDO DISCO LANÇADO PELO SELO LIRA PAULISTANA, DE WILSON SOUTO JR., O GORDO. O primeiro foi o antológico Beleléu, Leléu, Eu, de Itamar Assumpção que, segundo o próprio Gordo, teria sugerido o artista a ele. O disco, lançado em 1982, deve ter tido uma tiragem de poucos milhares de exemplares em long-play e nunca mais foi relançado.
Estão no disco Itamar Assumpção, Tetê Espíndola, Vânia Bastos, Felipe Wagner, Jica, Turcão, Cid Campos, Mané Silveira e mais um sem fim de figurinhas carimbadas. O selo Sarava Discos, do cantor e compositor Zeca Baleiro, acaba de nos trazer de volta a primorosa obra, pela primeira vez em CD. E, ao contrário de muitos que entram para a história, o disco sobrevive com galhardia à própria lenda. Não era conversa de senhores de seu tempo. Cabelos de Sansão é de fato excelente, inovador, cheio de lindas canções, bem arranjado e executado. Traz um certo mistério, um algo mais que nos toca a alma sem grandes explicações. Trata-se de um dos nossos grandes discos, vindo direto de um tempo cheio de esperanças e experiências que, graças à paixão de Baleiro, temos agora de volta.
AH, SE EU PUDESSE SER UM LUGAR SERIA A BAHIA DE TODOS OS SANTOS, na cidade de São Salvador. E, se desse ainda de escolher ser uma canção, seria “O Mar”, e ficava ali, contando dos pescadores que vão e não voltam e das suas mulheres e mães que esperam e sofrem na beira do mar.
E se me deixassem também, tocava violão com acordes abertos, e punha uma notinha diferente aqui, outra ali. E na mão direita tentava imitar o balanço do barco e conseguia e daí cantava com a voz de barítono mais bonita do mundo e encantava todo mundo. E se fosse escolher de ser um disco, nem pestanejava e seria as Canções Praieiras.
E daí, se me permitissem a graça maior de todas de ser alguém que não eu, escolhia ser o marido da dona Estela, pai do Dori, da Nana e do Danilo e, sem modéstia alguma me chamava DORIVAL, de sobrenome CAYMMI. Daí, passava noventa e tantos anos na rede, quietinho, pra de vez em quando levantar e compor oitenta e tantas daquelas canções e com elas ser o maior compositor do Brasil.
Mas se eu pudesse mais ainda do que isso dava mais tempo pra esse tal Caymmi que eu ia ser. E daí vivia mais duzentos e tantos anos e contava ainda mais canções. E depois viajava o mundo pra dizer que não há sonho mais lindo dos que os que eu vivi e nem morenas mais lindas do que as que eu vi. E fazia todo mundo, de cada lugar que eu passasse, sentir que a sua terra era tão boa quanto aquela minha que eu quis ser e cantei.
Que, em cada lugar de onde se vai, tem alguém que cuida da gente como aqueles meus Orixás e a Mãe Menininha do Gantois. Que, em cada cidade tem um sonho igual o meu e a gente tem que descobrir como se faz pra contar. E, pra quem não conseguir, emprestava os meus pra que fossem de todos em todo lugar.
Ah, se eu pudesse, enfim, ser alguém, um lugar, uma canção e um sonho que não fosse o meu, esses todos já me bastavam. Daí espalhava tudo e tanto que esse mundo até que podia mudar.
Daí, depois de tanto viver e alegrar, um dia, feito um sopro, num suspiro rápido, depois de muito tempo e cansaço, partia devagar. Deixava a todo mundo e ia, com a sensação que foi tudo certo, tudo bem feito. Olhava pra trás mais uma vez, dava adeus e ia em paz.
Nessa hora, ia saber sim que tudo tinha mudado bastante desde então. Mas que, em algum dia, em algum tempo e lugar, bem lá no fundo da minha gente, eu tinha deixado um jeito nesse mudar. E que finalmente minha jangada partia, tranqüila e
bem devagar.F