Toques Musicais

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TANTO A VIDA QUANTO A MORTE DE WALDICK SORIANO não devem ter feito a menor diferença às altas rodas e aos “descolados”. Muitos mal sabem de quem se trata e os que o conhecem ou já ouviram falar encontraram, muitas vezes, motivos de risos em suas canções e seu jeito.
Nascido em Caetité, cidade do centro-sul baiano com pouco menos de 50 mil habitantes, Waldick trabalhou de engraxate, lavrador e garimpeiro. Assim como vários conterrâneos, foi para São Paulo, onde finalmente se tornou cantor profissional.
A primeira gravação que realizou, “Quem és Tu”, não o conduziu ao sucesso imediato, mas já denotava exatamente quem era e a que vinha aquele sujeito de imensos óculos escuros, ternos pretos e chapéu no estilo “Durango Kid”: “Quem és tu para querer manchar meu nome, Quem és tu? Se fui eu quem matou tua fome”.
Seu sucesso maior foi “Eu Não Sou Cachorro Não”. Através dela se transformaria no personagem definitivo, ídolo popular, cantor romântico e mulherengo incorrigível a que nos acostumamos: “Eu não sou cachorro não, pra viver tão humilhado, Eu não sou cachorro não, para ser tão desprezado”.
Nunca foi considerado de bom gosto. Falava de e para um mundo que nunca ditou as regras dos segundos cadernos. Uma audição mais atenta à sua discografia, no entanto, nos inverte esta lógica. Do ponto de vista estético, não há diferença alguma entre o que nos deixou e várias outras obras consumidas avidamente pelas classes mais abastadas. E em muitos casos, Waldick ganha longe.
Patrícia Pillar percebeu com mais amplidão a sua importância. Ela produziu e dirigiu, em 2006, um DVD e disco com um show do cantor, além do filme Waldick – Sempre no Meu Coração, que estreou em abril deste ano. Com uma visão aguda e desprovida de preconceitos conseguiu enxergar e mostrar como ninguém a relação dele com seu público e sua obra.
O povo era quem o amava. O riso ferino dos bacanas sobre Waldick desaba mesmo é nas pessoas das ruas e bairros afastados, nos vendedores de bilhetes nas rodoviárias, nas empregadas domésticas, nos motoristas de caminhão, nos funcionários da limpeza, enfim, em todos aqueles brasileiros que passam entre os cheirosos e nunca são vistos, ouvidos ou percebidos. A estes Waldick sempre existiu. E a eles o cantor dedicou a sua vida e obra.
O veredicto é do próprio em O Moço Pobre: “Um moço pobre como eu não deve amar, E nem tão pouco alimentar sonhos de amor, O mundo é só de quem tem muito pra gastar, Um moço pobre como eu não tem valor”.
Certa vez, lá foi o cantor debater com uma deputada feminista num programa de TV. Em poucos minutos, a senhora o insultava e estrebuchava enquanto ele, calmo, repetia: “Minha senhora, eu amo todas as minhas mulheres e a principal delas, a minha esposa que está em casa, sabe muito bem disso”. No final, Waldick se retirou, entre desculpas à apresentadora e aos espectadores: “Não vim aqui para ser insultado, vim para ser amado”. E como foi. BEM, A COISA TODA É MUITO FÁCIL DE DEFINIR. Trata-se do disco novo de MÔNICA SALMASO, uma das nossas melhores cantoras de todos os tempos, onde ela interpreta canções de Chico Buarque, ou seja, um dos maiores artistas contemporâneos brasileiros. Como se isso tudo ainda fosse pouco, o grupo responsável pelos arranjos e acompanhamento é o Pau Brasil, uma dos mais impressionantes e longevos grupos instrumentais brasileiros em atividade.
Toda essa grandeza, no entanto, não garantiria um excelente disco. Mas o fato é que NOITES DE GALA, SAMBA NA RUA, em consonância com o bom gosto do título, é uma obra-prima sim, pra dizer o mínimo. Mônica Salmaso, além de cantar extremamente bem, tem um timbre de voz raro, aliado à ousadia artística, que a levou não só a convidar o grupo Pau Brasil como dar total liberdade na concepção dos sons e arranjos.
O resultado fez aparecer um Chico Buarque ainda mais refinado, como se isso fosse possível. O tratamento geral dado às canções é quase descritivo. Os instrumentos e a voz perseguem o sentido das palavras e notas de uma forma incansável, dando a impressão ao ouvinte que tudo foi concebido naturalmente, como um sopro.
O repertório é quase que totalmente dedicado às canções feitas entre as décadas de 60 e 90. Da nova fase de Chico, onde o compositor atinge os píncaros da elaboração, ela canta apenas “Você, Você”, parceria com Guinga. No total, o disco não se prende a nenhum aspecto formal, tema recorrente ou gênero. Parece que Mônica resolveu gravar o que gosta mesmo e impor a sua marca. E conseguiu com sobra.
ZECA BALEIRO ESTÁ CHEIO DE ATIVIDADES. Entre elas a principal é seu disco novo, ou pelo menos metade dele. Trata-se de O CORAÇÃO DO HOMEM BOMBA – VOLUME 1. O Volume 2 parece que já está todo gravado também e deve ser lançado em 20 de novembro. Os dois são o encerramento de seu contrato com a MZA, gravadora do produtor Marcos Mazzola.
O Coração do Homem Bomba – Volume 1 é um belo disco. Com algumas vinhetas de ligação e a própria apresentação em volumes, a gravação sugere algo conceitual. Mas isto, no final das contas, fica mais parecendo uma piada do autor do que propriamente uma definição geral do disco.
O humor do compositor parece mais afiado do que nunca, especialmente na hilária canção “Toca Raul”, homenagem ao célebre cantor e ao mesmo tempo gozação com o bordão que músicos ouvem em todos os palcos do país. O que encontramos no Zeca de sempre é o seu resgate peculiar de alguns de nossos velhos sambas. Um ótimo exemplo é “Bola Dividida”, clássico de Luiz Ayrão da década de 70.
O disco, divertido e bem feito, traz um apanhado de canções irônicas, algumas recém compostas e outras recicladas. Não há nada nele que o compositor já não tenha feito ou tentado antes. Isso, no entanto, não tira a sua beleza e entusiasmo. F