TV Cultura censura grupo Aláfia

Banda denuncia ter tido música cortada em trechos com críticas aos tucanos João Doria e Geraldo Alckmin.

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Banda denuncia ter tido música cortada em trechos com críticas aos tucanos João Doria e Geraldo Alckmin Por Joselicio Junior* No último dia 11 de abril foi ao ar mais uma edição do Programa Cultura Livre, da TV Cultura, com a participação da Banda Aláfia e, contrariando o próprio nome do programa, a última música apresentada pelo grupo sofreu uma censura brutal. O trecho da música “Liga nas de Cem” que faz uma crítica aos tucanos, governador Geraldo Alckmin e ao prefeito de São Paulo João Dória, foi cortada. A edição é muito sutil e talvez passasse despercebida se não fosse a indignação da própria banda que se sentiu violentada. Na música “Liga nas de Cem” o grupo faz uma contundente crítica à segregação racial que existe na cidade de São Paulo, uma cidade negra, mas que tenta esconder essa população, que exalta os bairros nobres, que legitima uma elite opressora e no final cita Alckmin e Dória como representantes dessa elite. E foi justamente esse o trecho cortado pela edição final, antes de colocar o programa no ar, na madrugada de quarta-feira. “Liga nas de cem que trinca Nas pedra que brilha Na noite que finca as garra SP é fio de navalha O pior do ruim Dória, Alckmin Não encosta em mim playboy Eu sei que tu quer o meu fim” (Musica de Jairo Pereira e Eduardo Brechó, para o disco "Sp não é Sopa, na beirada esquenta", banda Aláfia) Um dos vocalistas da banda Aláfia, Jairo Pereira, deu um contundente e importante depoimento para essa coluna. “A violência se mostra nos vetos e cortes, já vimos isso num passado recente, qual será o próximo episódio? Silenciar nossa voz, que clama por justiça, num veículo que devia dar voz a povo, por ser um veículo público de comunicação, só nos mostra o tamanho da cerca que estão construindo. Somos contra a violência do Estado, somos contra a higienização sistêmica que zela pelos direitos do opressor pintando de cinza a existência do oprimido. Nossa liberdade de expressão não elegeu alvos, muito pelo contrário, ela denuncia a massa de mira voltada cotidianamente contra nossas testas. Ao editarem nossa música, provaram por A + B que a carapuça está de acordo com o tamanho. Não houve consulta nem aviso prévio. O que fizeram foi uma violência contra nossa arte e isso deve ser denunciado, para que coletivamente possamos compreender que estamos diante de uma política inspirada no AI-5, um atentado desumano contra nosso direito de manifestar nossa insatisfação e repúdio ao que nos fere.” O depoimento de Jairo não deixa dúvida do quanto é preocupante e absurda a ação praticada por uma TV pública. Atitudes como essa nos remetem aos tempos sombrios da ditadura civil-militar, nos remete à intolerância, ao fim da liberdade de expressão, nos remete à violência, que não é apenas física, mas também simbólica e cultural. Casos como esse servem para dar visibilidade para tantos outros casos de manipulação da mídia que muitas vezes passam batido, porém, fazem toda a diferença na formação da opinião pública. A TV Cultura é uma rede de televisão pública, fundada em 1960, mantida pela Fundação Padre Anchieta, que se mantém basicamente com recursos do governo estadual de São Paulo. Apesar de ser uma TV pública, ou seja, que deveria atender os interesses públicos da sociedade paulista, com autonomia e independência de governos, na prática a TV Cultura funciona na lógica estatal, portanto serve aos interesses do governo do Estado e fundamentalmente aos interesses do governador e seus apadrinhados políticos, por isso não tolera qualquer crítica a esse grupo político. Esse é um debate que a sociedade precisa fazer. Mesmo as emissoras privadas também são concessões públicas e deveriam ter um compromisso público com a sociedade muito maior e não atender apenas os seus próprios interesses e de seus patrocinadores. Mesmo com o advento da internet, que possibilitou que mais opiniões pudessem ser ouvidas e compartilhadas, sobretudo as vozes historicamente excluídas ou estereotipadas, a TV aberta continua sendo um grande veículo de comunicação. O banda Aláfia, cujo nome tem origem no iorubá e significa “caminhos abertos”, está na estrada desde 2011 e lança o seu terceiro disco “SP Não É Sopa”, que traz na sua essência a mistura musical das tradições africanas, com o funk e o eletrônico e letras fortes, ásperas, politizadas, que tratam do racismo, das desigualdades e também traz a força da ancestralidade a partir da megalópole que é São Paulo. Aláfia nasceu, se fortaleceu, e hoje é uma importante expressão da cultura periférica paulista. A censura sofrida por eles deve nos indignar, prestar? solidariedade, mas sobretudo devemos cobrar uma resposta das autoridades do Estado de São Paulo, não podemos deixar passar em branco. *Joselicio Júnior (Juninho) é jornalista, presidente estadual do PSOL e militante do Círculo Palmarino, entidade do movimento negro.