Um conflito calculado na Palestina

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Confrontos entre os grupos Hamas e Fatah na Faixa de Gaza tiveram EUA e Israel como dois dos principais responsáveis, apontam analistas

A Palestina vive, desde o dia 15, a inusitada situação de ter dois primeiro-ministros. Um deles é Ismail Haniyeh, do Hamas, que chegou ao poder após seu partido vencer as eleições legislativas de janeiro de 2006. O outro, que foi nomeado pelo presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, do Fatah, é Salam Fayyad, cujo partido, o Terceira Via, obteve apenas 2,4% dos votos no pleito de 2006. Hamas e Fatah confrontaram-se intensamente – causando inúmeras mortes – durante vários dias na Faixa de Gaza, até o grupo de Haniyeh tomar o controle total do território, no dia 14. Abbas, então, dissolveu o governo de coalizão, nomeou Fayyad como novo primeiro-ministro e instalou um gabinete de emergência na Cisjordânia. A comunidade internacional, notadamente os EUA e Israel, abençoaram imediatamente o novo governo, e anunciaram a retomada da ajuda financeira à ANP. Esta estava congelada desde a vitória eleitoral do Hamas, que não foi reconhecida sob o argumento de que a organização não reconhecia o direito de Israel à existência. No dia 23, o premiê israelense, Ehud Olmert, comunicou a liberação de 350 milhões de dólares dos cerca de 700 milhões de dólares oriundos de impostos que deveriam ser direcionados aos palestinos mas que, em retaliação, estavam retidos. Fayyad, ex-ministro das Finanças e ex-funcionário do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), é de confiança do Ocidente. Conflito calculado Mas é justamente o Ocidente que é visto, por analistas ouvidos pelo Brasil de Fato, como um dos responsáveis pelo conflito entre o Hamas e o Fatah e o conseqüente colapso do governo de coalizão palestino. “Enquanto alguns dos elementos do confronto entre os dois grupos são exclusivamente palestinos, muitos deles foram construídos sob o comando das inteligências e dos governos de Israel e dos EUA”, afirma Ramzy Baroud, jornalista palestino-estadunidense. O objetivo seria causar o desgaste do governo do Hamas e fortalecer o do Fatah, mais afeito a seus interesses. Segundo ele, havia determinação suficiente dos dois lados para prevenirem os embates, o que ficou mostrado pelo acordo assinado na cidade saudita de Meca em fevereiro desse ano, que resultou na formação de um governo de unidade nacional. Segundo Haitham Sabbah, refugiado palestino, nascido no Kuait, o projeto de criar um governo pelestino favorável aos interesses dos EUA e de Israel está sendo apoiado “pelo governo corrupto da ANP, apoiado pelo líder dos esquadrões da morte em Gaza, Muhammad Dahlan”. O bloqueio dos recursos externos, essenciais para o orçamento palestino, seria um dos meios para alcançar o objetivo. “Os governos que fizeram isso acharam que, ao colocarem o povo numa situação de dificuldade e miséria ainda maiores do que já vive, ele se voltaria contra o Hamas e se colocaria a favor do Fatah. Não deu certo. Isso manteve o desgaste do Fatah e fortaleceu o Hamas”, explica o sociólogo e arabista Lejeune Mirhan. Segundo Sabbah, as conseqüências ao povo da Palestina foram desastrosas: “Os palestinos vivem em dois campos de concentração gigantes: Gaza e Cisjordânia. Eles não estão seguros em relação aos mísseis de Israel ou do Hamas, nem em relação às bombas e assassinos do Fatah. Vivem sob ameaça de morte 24 horas por dia, gastam todo o tempo em funerais, com fome e escutando as bombas explodindo em algum lugar. A comunidade internacional favoreceu esse genocídio ao permitir que Israel roubasse os fundos da ANP e também ao imporem um cerco financeiro à população, deixando-a faminta”, protesta. Apoio ao Fatah Ao mesmo tempo que as potências boicotavam o Hamas, trabalhavam para fortalecer o grupo do presidente Mahmoud Abbas. “Há notícias de que o Fatah recebia parte do dinheiro internacional e o restante que iria para o governo presidido pelo Haniyeh foi cortado totalmente. A comunidade internacional fez uma escolha”, analisa Mirhan. Para ele, a estratégia foi equivocada, e o que deveria ter sido feito era aceitar o resultado da eleição de janeiro de 2006, reconhecer o novo governo e negociar com o Hamas. De acordo com Sabbah, desde a vitória do grupo de Ismail Haniyeh, os EUA, Israel e a UE vem apoiando o Fatah também com armas. “Em janeiro de 2006, o vice-conselheiro Nacional de Segurança estadunidense, Elliot Abrams, saudou um grupo de empresários palestinos mencionando um golpe duro contra o recém-eleito governo do Hamas através de uma expulsão violenta de sua liderança, com armas fornecidas pelos EUA”, diz. Após a dissolução do governo de coalizão, os EUA comunicaram que continuaria o treinamento das forças palestinas na Cisjordânia, ou seja, aquelas comandadas pelo Fatah. No dia 25, Ehud Olmert anunciou a libertação de 250 prisioneiros do grupo e sinalizou ter intenções de iniciar novas negociações nos próximos meses, “sob a condição de que Abbas lute contra o Hamas”. Um governo do Fatah seria muito mais conveniente. Para Lejeune Mirhan, o objetivo é ter na ANP uma liderança domesticada, que faça concessões à Israel. “O grande debate hoje gira em torno do status de Jerusalém, o retorno dos refugiados políticos, a volta das fronteiras como eram em 1967 e a convivência de dois Estados no mesmo território. Abbas poderia ceder em dois ou três desses pontos, e aceitar um Estado quebrado, sem ligação física, mantendo na Cisjordânia 240 mil judeus assentados. A comunidade internacional está cometendo um erro. Só vai haver paz com a volta das fronteiras de 1967”, lamenta. Agora, segundo o arabista, corre-se o risco de uma guerra civil. Disputa que, em sua opinião, o Hamas leva vantagem, por controlar uma região que tem continuidade territorial, ao contrário da Cisjordânia, em poder do Fatah. Brasil de Fato